“Dina” (1964), de Luís Bernardo Honwana: retrato de machamba colonizada em lenta combustão

“Dina” (1964), de Luís Bernardo Honwana: retrato de machamba colonizada em lenta combustão    A violência e a opressão manifestam-se desde o início da narrativa no cenário infernal do trabalho desumanizado, na inclemência do sol, no sofrimento silencioso de um velho, atinge o auge na hora do almoço (na violação de Maria), mas avança ainda, sem decrescer, até uma explosão, no espancamento brutal (e morte?) de um jovem trabalhador, para depois se atenuar no retorno ao trabalho (e à cena inicial), em obediência às ordens do capataz – e também às palavras firmes de Djimo. No fim, já nada é o mesmo; algo indefinível está em movimento e o leitor pode continuar a história como melhor lhe aprouver.

A ler

16.01.2025 | por Maria de Lurdes Sampaio

Cais-do-Sodré

Cais-do-Sodré Tinha ido na tarde calorenta entregar um volume de As Farpas emprestado pelo pai e encontrara-o sentado num banco, à porta de casa, com um manduco a escavar e a fazer riscos no chão. Mirrado, possivelmente devido à muita nhongra e fominha, possuía contudo um falar alterado. Assarapantava quem nunca o tivesse ouvido. As palavras enrolavam-se-lhe na boca como cascalhos arrastados até à praia por ondas bravias. Saíam, ao cabo, soltas, desconsertadas, e sempre intencionais. Falava assim por ser maçónico, dizia-se. Era da maçonaria, confirmava o povo, fazia artes como as feiticeiras.

Vou lá visitar

16.12.2024 | por Orlanda Amarílis

Antes do Fim

Antes do Fim A repetição também dos dias e a eficiência turístico-económica até tinha feito desaparecer os contadores de estórias e os dactilógrafos desses mercados. Já não eram necessários. Agora servia-se café em cápsulas e chá em saquetas industriais. O progresso tinha chegado até ali e os turistas sentiam-se bem com isso, mais perto de casa. Sem paciência para negociar, cansados do jogo do gato e do rato, do comprador e do vendedor, dessa táctica que molda a cultura de um país, a esses turistas vendia-lhes o pior, mas sempre com a cordialidade mentirosa, conveniente para perpetuar o mito da simpatia marroquina. Uma batalha em forma de diálogo: especulação, silêncios, (des)confiança. Os turistas até achavam pitoresca toda aquela forma arcaica de funcionar de uma economia artesanal com gestos largos e encenados.

Mukanda

17.05.2023 | por Francisco Mouta Rúbio

Le Frére

Le Frére Não o surpreende, habituou-se a tal rejeição nas primeiras horas parisienses. Cede. A carne mais barata do mercado deve ceder. Quando chegou à Cidade-Luz o homem flébil apagou-se. Agradeceu ao pseudo-frére, e sem ser ouvido encolheu-se ainda mais. Entrara naquele restaurante para se alimentar, saíra ainda mais esfomeado. Tu testemunhas toda a humilhação, que não pára por aqui, anotas, o homem flébil não consegue sair dali. Enquanto a porta e o seu estômago rodopiam, a gente mais ágil, mais competente, com mais firmeza, confiança e poder de decisão (e todas essas características que nos permitem vencer neste mundo do excel) continua a entrar. Estás no canto da sala e observas como a miséria do outro é apenas um formalismo incómodo, deve ser ignorado durante as conversas, no fundo é uma chatice, para os que entram, se sentam à mesa e se alimentam.

A ler

04.01.2023 | por Francisco Mouta Rúbio

Mar Fronteira

Mar Fronteira E eis que agora, na praia, Teófilo aguarda para que o sibilar do vento erga as ondas. Vê-a agitar as asas com graciosidade. Os seus pulsos tocam-se na fluidez da respiração. As penas negras da cabeça confundem-se com o tutu negro e o ondular de todo o corpo flutua em círculos pelo mar. E, de repente, uma perna tem a liberdade de um braço. A cabeça basculante debate-se. Fátima voa, foge, tem medo, encolhe-se. Mergulha e emerge. É devorada pela água. Emerge. Vai para cima e para baixo, repetidamente. Entre o mar e o céu, o céu e o mar.

Jogos Sem Fronteiras

30.10.2019 | por Yara Monteiro