Carnaval & Piscina
O Carnaval da Vitória já era, Vitória agora é a cadela da minha sobrinha, são dois personagens das novelas. O carnaval voltou a enquadrar-se no calendário litúrgico e lá vamos, cada vez mais ao nível do mundo, pulando etapas, à boa maneira africana, usando tabletes e copiando padrões, da Europa, China ou Americana Latina, tanto nos faz.
Mascarados ou massacrados pelos fatos, de gravatas às cores, a extravagância passou a ser a gravata. Afinal todos temos direito a um fato de carnaval ou a um fato, acreditamos que, se vais de fato, ainda que elegantemente “matumbo”, aparentas estar ao nível de um mundo supostamente civilizado o que é meio caminho para a civilização real. Com o sol abrasador e o calor escaldante de Luanda é preciso ter ar condicionado para onde quer que se vá. Estará isto à partida garantido?
Assim surge quem faça ameaças: “eu vou recuperar o meu terreno”. “Eu vou recuperar o meu terreno, vou vestir de executiva, já ouvi dizer que aí estão todos a andar de fato, pois eu vou de fato”. Não é uma boa maneira de intimidar, o fato será a causa de muitas tromboses e de um péssimo sentido de humor.
E quando não é carnaval é natal, depois vem o ano novo, a pascoa é logo a seguir. Então virão as férias e é uma excitação. Se não forem as tuas serão as férias dos outros. Vamos finalmente comer e beber todo dia, comprar, passear e dormir. Férias são férias, se não for para isso o que vamos fazer?
Depois terás que esperar o fim das férias dos outros. Um dos meus cambas diz: “Mandem vir mais uma. Eu enquanto espero, faço poemas”. Isso sim é ganhar tempo, assim como contribuir na vaquinha para o barril e “mandá-lo” abaixo depois do futebol. Só os diabetes e a corrida, não para o calçadão mas para as clínicas de corte de banha, nos permitirão perceber o que perdemos de tempo saúde e dinheiro.
Mas pronto, quando não é carnaval e não estamos a acordar à beira da piscina, alguns andam a lamentar desta vida maldita que presenteia uns e exclui tantos outros, num tempo de trabalhadores que não se poupam à evolução japonesa. Massajam-se e remassajam-se.
E há quem se pergunte: do que tanto se massaja este se consegue gozar os feríados todos, os fins-de-semana, mais as férias dele e as dos outros. Está mais para lá do que para cá, onde falhas constantes de água, de luz, de transportes e de sistema, nos mantêm na maior forma; se tem stress, já veio com ele.
O massajado subscreve que passou de moda correr atrás dos clientes. “Eles que venham atrás”. São técnicas de venda arrojadas, mas o cara precisa de tempo para se coçar. A comichão persegue-o em terras africanas. Quer vender sem apanhar “banhadas”. Espera que outro avance primeiro e que leve com a fama de “moambeiro”. Quando alinha, às primeiras tampas, reage: “mas não disseste que era teu amigo?”
”- Sim sim, ele era, mas…quando era pessoa, era um escritor tão agradável.” “- Ai, e agora ele não é pessoa?” “- Bem… desde que o tio dele foi nomeado, ele “evoluiu”. Mas quando ele era pessoa…” E o massajado já meio irritado. “- Ai, é?? Agora ele não pessoa? É o quê?”
”- E achas que é pessoa assim? A falar para ti sem olhar para a tua cara, a mandar sms’s e a atender o telefone enquanto te cumprimenta. Está a falar contigo e a virar-se para todos os lados menos para ti. Achas que é pessoa? E o preguiçoso: aí evoluiu para animal?? É isso?? E exclama: “- Bolas!!! Tantos anos para evoluir, evoluiu para animal!!!.” Pois, faltava-lhe descobrir a evolução para animal que ocorre cada vez mais na sociedade contemporânea.
Quando não estamos a acordar à beira da piscina, com uma perspectiva fictícia da vida, estão alguns dos nossos “cambas bolsudos”, que desconseguiram acompanhar a evolução para a animalidade, a descobrir que fazer questão da piscina só serve para se darem conta que não lhes faz falta nenhuma, pois sequer entram nela.
O drama é quando de manhã, ao acordar, realmente, com uma perspectiva completamente diferente da vida, um acordar diferente, está na hora de voltares para o gueto. Eh pá!, tens que acordar depressa. À entrada do gueto um polícia quase se atira para debaixo do candongueiro, na aflição de mandar parar um condutor que não cometeu infracção nenhuma.
Estás a chegar à bwala para viver todos os teus problemas correntes, não há tapete à porta, roubaram-te pela terceira vez o tapete. E pensar que ainda há pouco estavas à beira da piscina, em grupo. Discorrer sobre falta de vontade, desleixo e sobre predisposição para roubar é tarefa fácil à beira da piscina, até sobre o nosso próprio desinteresse de fazer coisas ou de simplesmente fazer com zelo o nosso trabalho. Pensa-se bem à beira da piscina, com mais clareza e é produtivo.
Estás na piscina, não há nenhuma complicação na tua cómoda existência. À beira da piscina, conseguimos discorrer sobre o nosso desinteresse por tudo, até por nós próprios. Alguém diz que tem que ver com orgulho, porque: não nos sentimos bem a servir. Mas… nem a nós próprios? Quando nos atiram “Nem para vocês são bons.”
Piscina não faz falta nenhuma? E o cenário?? Vais dizer que não fica bonito? Conviver ali com montes de amigos, sempre dá para sentir certo evoluir. O patrão conta sobre as toalhas branquinha e castanha. A toalha que usa o empregado está castanha de tão suja. Vai daí ele tenta: “Se tu pões uma toalha limpa para mim a cada semana, porquê que a tua está tão suja? Sabes que mais? A tua toalha devia estar mais limpa que a minha, sabes porquê?”, gesticula: “porque é para ti, para ti, para ti, para ti e para ti.” O olhar arregalado do subordinado denota que não entendeu patavina.
Não é fácil este novo conceito de termos que nos preocupar connosco porque também dá trabalho pá. O tal que ameaça vir de fato para reclamar o terreno, ao fim de 20 anos na Inglaterra, sujeita-se a ouvir, aliás, como eu ouvi: “Mas vocês pensam que são o colono?”. A solidariedade já não abunda. Dizem-te aos gritos: “Tu é que precisas, tu é que precisas.” Será algum trauma? Continuam: “Pede com modos.” E tens que saber ler nas entrelinhas. Há coisas que não se dizem de caras. “Com modos”, quer dizer, “com money”? Ou quererá dizer: “Humilha-te o que te resta”?
Mas, imagina que o carro deixou-te no meio da estrada, e que desta vez ficaste mesmo a depender do empregado do empregado do patrão. Nem é carnaval, mas o fulano anda de fato. Diz que vem às 9 da manhã. Às 10 ligas para ele. Diz que está a matabichar. Ou, como diria uma funcionária lá do cúbico: “a tomar o pequeno-matabicho”. E pensas tu: Ué, eu que nem matabichei para não o fazer esperar!!
Aproveita e come, porque à hora do almoço sabes muito bem que podes ter que pagar o lunch a alguém para o fazer funcionar ou falar com mais ligeireza e tens que te privar tu de almoçar. O money não chega para tudo na cidade mais cara do mundo, há que definir prioridades. Matabicha que o dia é longo, o moço do fato tem sempre razão.
Às 11 horas de hoje, ou seja do mesmo dia, ligas para ele. Pois, mira, es tu que precisas. “Estou no Banco”, diz-te. Claro, se não andasse de fato é que não ia ao banco. 12 horas e o fulano finalmente aparece. Vai buscar uma factura pró-forma para comprar peças p’ro carro avariado. Não diz nada até ao dia seguinte “Ora bolas, tu é que precisas. não ligaste porquê? Estarás sem saldo??? Nem vem que não tem.”
Devias ligar no mínimo p’ra provar que há saldo suficiente que dê para o valor da pró-forma. Se nem saldo tens, como é que te atreves a ter o carro avariado? Estás a ver como tu é que precisas, e é se quiseres, “Mi liga… vai”. Este “tu é que precisas” deve render várias reflexões à beira da piscina, e pelo menos um ensaio acerca da personalidade mangop.
Ok, dia seguinte, vem o guarda da casa da prima para ajudar. Menos mal, afinal existe gente disposta a ajudar. No local, o cara não sabe desmontar a bateria, não sabe conduzir e não sabe indicar o caminho a quem vai puxar o carro. A dona do guarda diz: “Este não é homem, é senhora.” Machistas!!!
Terceiro dia, alguém te sugere que ligues para o seguro, que é multi-riscos. Como não pensaste nisso? Serão as “Três A’s” que resolvem o problema??? Penso recorrer ao seguro, sobretudo porque, gostava muito de continuar a viver de escrever crónicas.
Apesar de toda a boçalidade com que, por vezes, somos servidos, enquanto chefes, empregados, patrões, à beira da piscina, conseguimos enxergar alguns que, à força toda, estão numa de demonstrar quem depende de quem e porquê??? Aí surge de novo aquele “tu é que precisas!!!”. Cá entre nós, este “tu é que precisas!!!”, será o mote ideal para umas dez crónicas, mas, fiquemo-nos pelos que acompanharam a evolução para animal. Nervosos por demonstrar quem depende de quem e porquê, dão-te a resposta: porque “O DINHEIRO FALA”. Podiam ser mais polites, mas, quando ouvem o dinheiro falar, esta malta tipo: desconsegue. Não há educação nem fato que os segure.
E por falar em demonstrações baratas, agora existe também uma malta que a única coisa que quer mesmo fazer e com afinco é contrariar o seu chefe ou formador. Dão voltas e voltas em torno do vazio. Quase transportam o próprio chefe p’ro o vazio e p’ro absurdo, explicando-se assim tantos casos em que a chefia se tornou atingível por todos e qualquer um.
Mas é verborreia? O camarada está só a explicar porquê que fez assim e não conforme lhe disseram que deve fazer. Difícil, de verdade, é admitir que não sabe e, aprender com quem é pago, e bem pago, para lhe ensinar. O colega dele diz: “é complexo de inferioridade”. Façamos melhor. O formador está disposto a bumbar no sábado, já que sobra para ele, tem que fazer a parte daqueles que se recusam a aprender.
No sábado vai explicar certos procedimentos. No sábado??? Já é sábado. O formador está plantado, alone, no office. Não veio nobody. Lamenta, porque dantes ligavam a avisar que não iriam aparecer. Tiveram com quem aprender estas lições bem mais acessíveis, assim como a de dar todo tipo de desculpas. Entretanto, se o chefe quiser ensinar procedimentos ao Sábado, que desfrute ele e os computadores.
Mas por enquanto é carnaval. Vamos de fato? Que ideia!!! P’ra ir dançar não é preciso. Ou, será melhor, para impor um certo respeito? E dança-se de várias maneiras. Quando ficamos sem câmara fotográfica, sem telemóvel, sem os óculos escuros, dançamos, mas, carnaval é para isso mesmo…
texto publicado originalmente no Novo Jornal.