O Espelho
O Espelho, raíz quadrada da realidade. O espelho não vê, o espelho existe. O espelho duplica a certeza de qualquer mentira. O que é o Corpo senão mentira. Um facto acorrentado a uma ficção. Um objecto varrido pelo dilema da fé. O que existe não é o que clarifica o espelho. O espelho sobrepõe ao real o princípio material da incerteza. No espelho vê-se o centro avultado do acontecimento. O centro mais do que a Totalidade. O centro mais do que o Todo. O espelho centraliza uma verdade rodeada de ruídos. Queima a verdade com a irrelevância dos seus contornos. O espelho camufla a mentira na superfície indesmentível da aparência. O espelho não existe, o que existe é o reflexo do vento, da ordem abissal dos sentidos.
Olhar para um espelho é enxergar o Abismo. O abismo da nossa impossibilidade. Repetimo-nos ao espelho como uma verdade gasta. Como uma mentira entreaberta por onde resvala a substância viscosa da nossa insuficiência, da nossa incompletude. O nosso Limite – o espelho é isso, o testemunho, a clareza, a nitidez, do nosso limite como humanos.
Os europeus levaram para África o Limite – o Espelho. Foi o que deram a provar aos africanos com o espelho – o seu limite. A sua imagem comparada à imagem do branco. Que se deu a ver como divindade, como Deus. Que entretanto ofertou ao Negro, como exercício de superação, ou aceitação, do seu limite, o Álcool. O ‘Whisky’. A Aguardente. A Ebriedade seria a forma do Negro se aproximar do esquecimento, de festejar a proximidade com o infinito do seu corpo dotado da escuridão do Universo, o Buraco Negro da humanidade – a crise existencial da História. O Espelho não foi uma, como tantas, bugigangas levadas pela Europa para África, nos Descobrimentos – o Espelho foi mais do que um Objecto, uma Ideia, um Projecto. A superioridade do Homem Branco. A sua imagem divinizada, agigantada. A imposição aos Negros da sua imagem – inferior, reflexo subalterno. Apenas diluível em álcool. E os Negros cederam. Ainda hoje, neste século 21, os Negros debatem-se contra o Espelho, contra si, contra o Deus branco. De cada vez que um africano negro besuntar o rosto e o corpo com creme ‘branqueador’, de cada vez que uma africana negra envergar uma cabeleira ‘lisa’ – e o número desses casos é exorbitante -, continuamos a assistir à luta dos Negros contra o Espelho, contra o seu limite, imposto pelo Homem Branco. Esse limite é a ‘Vergonha’ de ‘Ser’.
imagem em IADeduz-se isso, por exemplo, de um excerto de «Pele Negra, Máscaras Brancas», de Frantz Fanon –
«Um branco nas colónias nunca se sentiu inferior no que quer que seja; como muito bem diz Mannoni: ‘Será endeusado ou devorado’. O colonizador, ainda que ‘em minoria’, não se sente inferiorizado. Na Martinica há duzentos brancos que se consideram superiores a trezentos mil negros. Na África Austral há dois milhões de brancos para perto de treze milhões de indígenas, e nunca passou pela cabeça de nenhum indígena sentir-se superior a um minoritário branco. (…). A inferiorização é o correlativo indígena da superiorização europeia. Tenhamos a coragem de dizer: “é o racista que cria o inferiorizado”.».
O reconhecimento dessa ‘Vergonha’ foi a força dos movimentos Cívicos e Independentistas dos Negros, claramente patente no grito «Black is Beautiful» - com sequelas fulminantes em canções como «Say It Loud – I’m Black and I’m Proud», de James, de 1968, ou «Young, Gifted and Black», de Nina Simone, de 1969:
Young, gifted and black
Oh what a lovely precious dream
To be young, gifted and black
Open your heart to what I mean.
In the whole world you know
There’s a million boys and girls
Who are young, gifted and black
And that’s a fact.
“You are young, gifted and black”
We must begin to tell our young
There’s a world waiting for you
Yours is the quest that’s just begun.
When you feelin’ really low
Yeah, there’s a great truth that you should know
When you’re young, gifted and black
Your soul’s intact.
Todas essas tentativas de Emancipação tiveram como contraponto o Homem Branco. Tudo, ou quase, o que os Negros e África têm feito desde as Independências, têm-no feito com os brancos e a Europa como contraponto, como referência. Busca-se uma legitimação, uma avaliação branca para tudo o que o Negro faça, como se o negro fosse a sombra de asas brancas. Como perguntaria Sami Tchack, «por que razão o futuro de África tem que ser o passado da Europa?». É esse o jogo do Espelho, da imitação impossível, que continua a limitar o Homem Africano. A colocar o seu futuro como passado da Europa, porque o Negro apenas poderá ser uma cópia ( má ) do Branco.
É chegado o momento de o Ser Negro perceber-se também a si próprio como Deus, de superar-se por si e de si próprio. De Procurar o Impossível, o ilimite. Ser o único reflexo de si próprio, estilhaçar o Espelho com a sua extrema Beleza.
Movimento.
África deverá contar nas próximas décadas com um forte Movimento de retorno das suas diásporas, chegando-se ao momento histórico de cansaço global de desistência e entrega dos destinos africanos aos seus originários mais incapazes, incompetentes e corruptos. Seguir-se-á, naturalmente, um implacável período ‘darwinista’ de selecção dos mais aptos, fortes, inteligentes e íntegros, e eliminação dos mais débeis, desqualificados e desconcentrados. Apenas assim África vingará.
Movimento 2.
em África a Religião deve ser cultivada, sobretudo o Catolicismo mais do que o Islamismo, por este menosprezar a Mulher, e proteger a poligamia (prática economicamente insustentável, do ponto de vista familiar e da sustentação de um vital tecido de Classe-Média). O realismo leva a que esses dois cultos sejam os mais viáveis no continente. Ao contrário do defendido pelos movimentos independentistas e revolucionário-marxistas das Independências, a Religião deve ser activamente estimulada e cultivada em África, pelo seu pendor disciplinador e fortalecedor do Espírito. O corpo africano deve ser desde cedo sustentado por um compacto sentido Moral, que deverá demorar para o resto da vida, mesmo se abandonados em idade adulta os rituais e a fé religiosos. A Religião promove a Disciplina, a Força, a Determinação e a Organização. Tal como um sentido reiterado de Cultura, História, Humanismo e Compaixão. No fundo, Solidariedade. Por isso a Religião - o Catolicismo - deve ser colocada ao serviço do Desenvolvimento africano em tempos vindouros. A par do serviço Militar obrigatório para ambos os sexos.
Movimento 3.
a Educação deverá ser o centro coronário do projecto construtivo africano. A Educação situada entre a escola, o Estado (programas de Instrução Sexual, Moral, e Cultural) e a Religião, deverá ser o alicerce da Família. O Estado deverá investir orçamentalmente o máximo das suas capacidades na Educação, garantindo, por exemplo, refeições escolares e manuais actualizados, bem como fardamento adequado (confortável e de lavagem fácil). Os Docentes serão contratados mediante concurso, e serão, se necessário, importados do estrangeiro como Cooperantes, de países falantes do mesmo idioma do Ensino nacional. Cada Professor deverá submeter à tutela ministerial um projecto pessoal lectivo à luz do programa-quadro geral. Papel Fundamental dos professores e de todo o sistema educativo será a identificação dos alunos mais produtivos e brilhantes. Estes deverão merecer apoios sociais atribuídos às respectivas famílias, para fortalecimento contínuo dos seus talentos e resultados. O Estado tudo fará para que tudo orbite em redor da Educação, e para que nada falte aos alunos de todos os ciclos pedagógicos. E bem assim, que nada falte aos Professores, naturalmente remuneráveis de molde condigno. Gradualmente limitar-se-ão aos alunos indubitavelmente geniais licenciaturas em universidades estrangeiras. Os demais ingressarão nas universidades nacionais, que protocolizarão com prestigiadas congéneres internacionais programas adequados às necessidades próprias de cada país. E mais do que universidades, deverão ser criados Centros de investigação e de Ciência que promovam uma verdadeira e profunda cultura de Excelência em África.
Movimento 4.
o controlo Demográfico é, e será cada vez mais, crucial em África, como factor maior do seu Desenvolvimento, e de Racionalização de serviços como a Educação, Saúde ou Justiça. África não pode continuar a crescer demograficamente à taxa actual e previsível, se pretender assegurar um futuro sustentado e internacionalmente credível. Sem que as suas gerações mais novas caiam nas malhas, ou na máquina trituradora da Emigração. Deverá ser promovido um amplo programa de esclarecimento público sobre os malefícios da excessiva fertilidade e irresponsabilidade sexual, visando toda a população sexualmente Activa, e envolvendo todos os sectores fundamentais como a Religião, a Comunicação Social e a Educação. Dever-se-á introduzir um limite à Parentalidade. Isto é, dever-se-á incentivar o controlo da Natalidade por estímulos pecuniários. Assim, todas as famílias com filhos teriam direito a Abonos desde que não ultrapassassem os 3 filhos. Ultrapassado esse limite perderiam todos os apoios.
Movimento 5.
a Economia africana deverá sofrer várias mutações de monta. Na verdade, a Economia está na fonte do estado de marasmo catastrófico de África à escala planetária. Antes de mais, a Economia deverá articular-se com a Educação. Quanto melhor formados os jovens africanos, menos propensos serão a praticar a economia, ou o comércio, informal, que ascende a cerca de 80% da Economia do continente. Os quadros africanos deverão ser incentivados a desenvolver uma cultura de Empresas - complexa, exigente, estruturada, disciplinada, estratégica e ambiciosa. O Capitalismo deverá ter em África uma abordagem própria, humanizada, mas não menos eficaz. A Industrialização será, já com significativo atraso, um caminho fundamental, e deverá fazer de África não um mero fornecedor de matérias-primas, mas também um seu transformador. Consequentemente deverá implantar-se a Indústria de materiais - mecânica e tecnológica. O futuro de África depende dessa paridade Técnica e Produtiva com o resto do mundo, e do incremento de uma mão-de-obra altamente disciplinada. Pela mesma via industrializante deverá seguir a Agricultura, num continente em que a agricultura informal de subsistência é generalizada, mas não logra suprir de alimentos a totalidade da sua população. Tudo isso deverá ser feito num quadro de Integração Económica e de Livre Circulação de Bens, Serviços e Pessoas no interior do continente à luz da figura dos chamados «Super Estados», que mitigam as fraquezas e multiplicam as fortalezas de cada Estado envolvido. A Ajuda Internacional ao Desenvolvimento será cada vez menos prioritária, mas precisa, e forçosamente mais cirúrgica - e escrutinada por órgãos independentes internacionais que deverão responsabilizar-se, e responder, pelos seus resultados. Essa Ajuda internacional deverá prever sobretudo incentivos à Criação de empresas - tecnológicas, transformadores e agrícolas. O Rendimento das populações deverá ser justo e suficiente para uma vida equilibrada, não ameaçada pela perspectiva da Emigração. Para isso deverá também contribuir a introdução do Rendimento Universal de Base, que ao contrário do que muitos preconizam ou condenam, não se tratará de uma qualquer fortuna gratuita, mas apenas de um subsídio mínimo contra a queda na indigência.
Movimento 6.
se somadas, África e as suas diásporas ostentam uma extraordinária potência cultural. A Cultura será provavelmente o segundo poderio económico de África, a seguir aos seus minérios e riquezas naturais. A Cultura foi o que permitiu a África sobreviver à tragédia do colonialismo e da escravatura. A força cultural africana é tal que ela se vê capaz de se metamorfosear e agigantar na desgraça. África detém um potencial cultural inimitável, imbatível e quase inesgotável - as suas histórias, as suas lendas, as suas mitologias, a sua espiritualidade, os seus folclores, as suas danças, a sua culinária, o seu artesanato, as suas Músicas, que sistematizados configuram possibilidades astronómicas em termos de Literatura, Cinema, Teatro, Ópera, Pintura, Artes, Arquitectura, Moda, Fotografia, Graffiti, Animação, BD, ou Dança Contemporânea. A Cultura é um poder que África não poderá desbaratar, e que dela fará um dos mais colossais «Soft-Powers» do mundo. O investimento em Cultura deverá ser uma das principais prioridades do continente, e o profissionalismo nessa área deverá ser uma exigência cada vez mais imperiosa, e geradora de Emprego. Hoje a Música negra, por exemplo, é dominante nas suas múltiplas variantes e aproximações, à escala global, e as suas contínuas inovações auguram o prosseguimento desse domínio, ao mesmo tempo que se verifica uma adesão crescente dos Negros à Música Clássica e Contemporânea europeia, em combustão milagrosa com o Jazz e o Free-Jazz, que mais cedo ou tarde, entrarão no cardápio de África, que de tantas opções musicais, tem-se mantido quase intocada pela principal contribuição negra para a Cultura ocidental - o Jazz. Esse contributo será ainda maior no futuro, quando as Artes africanas aprimorarem mais ainda a sua profundidade e diversidade, bem como a sua capacidade industrial global. A Cultura e as Artes deverão por isso integrar o currículo escolar em África desde muito cedo, para que sejam detectados em tenra idade os talentos propiciadores das revoluções que a Cultura africana promete, e merece, como gigante que é.