Solidariedade com Joacine Katar Moreira no combate contra o racismo e na defesa da democracia

Joacine Katar Moreira, foto de Ana Baião, ExpressoJoacine Katar Moreira, foto de Ana Baião, Expresso

No passado 6 de outubro a democracia portuguesa deu sinais de crescente maturidade ao eleger três deputadas negras: Beatriz Dias (BE), Joacine Katar Moreira (Livre) e Romualda Fernandes (PS). Essa eleição é o culminar de uma luta pelo direito à representatividade empreendida por movimentos sociais e cívicos que há anos trabalham no terreno para permitir este resultado. Mas também abre perspetivas de futuro, porque sugere uma maior centralidade da luta antirracista numa sociedade marcada por uma herança colonial que permanece largamente inquestionada. No entanto, ao invés de inspirar a celebração que estas conquistas merecem, o ato eleitoral do mês passado tem dado azo a um ataque à pessoa e figura pública de Joacine Katar Moreira. Este ataque é também uma estratégia de deslegitimação da participação política de pessoas racializadas e das políticas de promoção da igualdade étnico-racial que estas reivindicam.

O assédio à sua pessoa já havia começado durante a campanha eleitoral, quando a gaguez da deputada se tornou alvo de achincalhamento. Na noite eleitoral a celebração da eleição da deputada motivou escândalo porque um dos seus apoiantes desfraldou uma bandeira da Guiné-Bissau, país de origem da deputada. Mais recentemente, após as primeiras intervenções da deputada no hemiciclo, os ataques à gaguez intensificaram-se e já não se limitam às redes sociais; comentadores políticos publicam agora nos jornais colunas em que arejam uma crueldade, mal disfarçada de piedade paternalista, que não têm outro propósito senão desqualificar a deputada e, por arrasto, a representatividade política das pessoas racializadas. 

Estes ataques servem sobretudo para deslegitimar a entrada na casa da democracia de uma agenda antirracista, não por procuração, mas protagonizada por pessoas racializadas, e expõem um profundo mal de escuta que atravessa a sociedade portuguesa em relação ao racismo. Insultos soezes multiplicam-se desde que Joacine Katar Moreira, entrevistada pelo jornal Público aquando da tomada de posse, se deixou fotografar diante das pinturas murais que adornam as paredes do salão nobre da Assembleia da República, num simbolismo cujo poder não passou ao lado do fotógrafo. Quase meio século volvido sobre a independência dos países africanos de língua portuguesa, evento sem o qual a democracia portuguesa não se concebe, a presença da deputada no salão nobre mandado decorar pelo Estado Novo, oferece uma ocasião para repensar o imaginário nacional de acordo com a pluralidade democrática que caracteriza a sociedade portuguesa atual; no entanto, os insultos que se sucedem, desde então, mostram que muitos são incapazes de se pensar e à sua sociedade fora do paternalismo colonialista em que o Estado Novo formatou história e quotidiano, imaginação e desejo.

O mal-estar evidenciado por tanta agressão era previsível, mas a sua intensidade choca. E a previsibilidade não torna aceitável aquilo que em democracia é intolerável: o ódio, a perseguição pessoal, o preconceito e, não tenhamos ilusões, a vontade de obliterar a decisão soberana do eleitorado. Joacine Katar Moreira foi eleita pelo povo português, para cumprir o seu mandato até ao fim. O escrutínio crítico da sua atividade como deputada faz parte do jogo democrático, e é naturalmente bem-vindo. Mas na democracia não pode haver lugar ao linchamento público nem ao racismo. O povo falou a 6 de outubro, e agora é tempo de deixar a democracia seguir o seu curso. 

Xs signatárixs, de vários quadrantes da vida cultural, social, académica e política, declaram solidariedade com a deputada Joacine Katar Moreira e apelam ao sentido de responsabilidade cidadã dos portugueses e das instituições públicas, para que não deixem impor-se a linguagem do ódio e da desconfiança onde deve apenas haver lugar para a vigilância crítica, o debate aberto e a vontade de ir mais longe na construção de um futuro melhor para todxs.

 

LISTA DE SIGNATÁRIOS

Abel Djassi Amado - investigador, EUA

Aida Tavares - programadora cultural

Alexandra Lucas Coelho - escritora

Alexandra Silvestre Coimbra - psicóloga clínica

Alexandre Melo - professor universitário e crítico de arte

Alexandre Rodrigues, consultor

Allex Miranda - actor 

Alexander Couts - professor de economia

Ana Balona Oliveira- investigadora em história de arte

Ana Bigotte Vieira - historiadora e programadora Teatro do Bairro Alto

Ana Cristina Cachola - curadora e professora universitária

Ana Gandum - investigadora em fotografia

Ana Lobato Castanheira - produtora cultural

Ana Lúcia Araújo - historiadora

Ana Lúcia Carvalho

Ana Stela Cunha - investigadora e antropóloga 

Ana Tavares - arquitecta

Ana Teresa Ascensão - designer

André Amálio - encenador Hotel Europa

André Barata - filósofo

Anderson França - escritor e ativista

André Carmo - dirigente sindical

André da Fonseca - estudante e artista

André e. Teodósio - encenador

André Godinho - cineasta

André Loubet - estudante

Andreia Cunha - agente cultural

Ângela Barreto Xavier - historiadora

Ângela Ferreira - artista 

Ângella Graça - INMUNE

Ângelo Torres - ator

Anette Dujisin - gestora Filmin Portugal

Anna Klobucka - professora e investigadora

António Costa - técnico superior jurista

António Pinto Ribeiro - programador cultural

Apolo de Carvalho - Associação Afrolis

Arielle Turpin - médica

Bernadete Pinheiro - escritora

Bernardino Aranda - livreiro

Boaventura Sousa Santos - sociólogo 

Bruno Cardoso (Xinobi) - músico 

Bruno Fraga Braz - jornalista e cineasta

Bruno Gomes - dirigente associativo cigano

Bruno Leitão - curador 

Bruno Peixe Dias - investigador

Bruno Sena Martins - investigador

Catarina Teixeira - professora universitária, EUA

Carla Filipe -  artista 

Carla Fernandes - jornalista e activista Associação Afrolis

Carla Gago, professora e investigadora

Carla Isidoro - gestora de comunicação

Carlota Lagido - coreógrafa

Carlos Martins - músico, associação sons da Lusofonia

Carlos Seixas - produtor e programador FMM

Catarina Ressurreição 

Catarina Veiga Miranda - jornalista

Célia Cordeiro - professora

César Schofield Cardoso - artista 

Cíntia Gil - directora do Sheffield Doc/Fest

Clara Saraiva - antropóloga

Clara Antunes - produtora cultural

Clara Riso - programadora cultural

Cláudia Alves - realizadora

Cláudia Lucas Chéu - escritora

Cláudia Silva - investigadora

Cláudia Varejão - realizadora

Cristiana Bastos - antropóloga

Cristiana Tejo - curadora, historiadora de arte

Cristina Roldão - docente e investigadora 

Cristina Santinho - antropóloga

Chalo Correia - músico

Chantal James - editora-chefe La Rampa

Daniel Martinho - ator

David Cabecinha - direcção artística Alkantara

David Marques - coreógrafo

David Pereira Bastos - actor

Diogo Ramada Curto - historiador

Dexter - DJ

Diana Policarpo - artista

Eduarda Neves - curadora e investigadora

Elena Brugioni - investigadora, Univ. Campinas

Fátima Alçada - programadora cultural

Fátima Bueno - professora e investigadora, USP

Fátima Candé - professora

Fátima Sá e Melo Ferreira - professora universitária

Fernanda Fragateiro - artista

Fernando André Rosa - doutorando em sociologia

Fernando Anjos - professor de economia

Fernando Ramalho - livreiro e músico

Filipa César - artista

Filipa Francisco - coreógrafa

Filipa Lowndes Vicente - investigadora

Filipa Maria Gonçalves Pinto - professora

Filipa Reis - realizadora e produtora

Filinto Elísio - poeta e editor

Flávia Gusmão - atriz

Flávio Almada (LBC) - músico e ativista

Francisco Bethencourt - historiador

Francisco Frazão - programador do Teatro do Bairro Alto

Françoise Vergès - féministe décoloniale antiraciste, auteure et chercheure indépendante

Gabriela V. Pinheiro - professora universitária

Gisela Casimiro - escritora

Gisela João - cantora

Gonçalo Amorim - encenador

Grada Kilomba - artista interdisciplinar, escritora e teórica

Grupo EducAR

Helena Ferro de Gouveia - investigadora em estudos para a paz e directora de comunicação 

Hugo van der Ding - humorista

Iolanda Évora - psicóloga social e investigadora

Inês Beleza Barreiros - investigadora e historiadora cultural 

Inês Botelho - artista

Inês Cordeiro Dias - professora universitária

Inês Coutinho/Violet - Dj/Música

Inês Grosso - curadora do MAAT

Inês Oliveira - realizadora

Inocência Matta - professora e crítica literária

Irina Neves Ferreira - advogada

Iris Kantor - historiadora, USP

Isabel A. Ferreira Gould - investigadora, EUA

Isabel Llano - pintora

Isabel Louçã - professora

Isabel Pereira Gomes - dirigente ABIC e investigadora

Isabél Zuaa - actriz e performer

Irina Neves Ferreira - advogada

Irineu Destourelles - artista

Ivan Nunes - investigador

Javier Mocarquer -  professor universitário, EUA

Joana Abril Areosa - antropóloga

Joana Barrios - actriz

Joana Bértholo - escritora

Joana Gomes Cardoso - agente cultural

Joana Martins - técnica superior de cultura

Joana Sá - música

Joana Sá - cientista

Joana Sousa - bióloga

João Constâncio - filósofo

João Cunha Serra - dirigente sindical

João Fiadeiro, coreógrafo 

João Laia - curador 

João Mário Grilo - cineasta e professor catedrático

João Mourão - co-diretor kunsthalle lissabon

João Pedro George - escritor

João Pedro Vale - artista 

João dos Santos Martins - coreógrafo

João Salaviza - realizador

Joel Sines - actor

Joel Zito Araújo - realizador

Jorge Fonseca de Almeida - economista

Jorge Jácome - realizador 

José Araújo - professor do ensino secundário e dirigente sindical

José Baessa de Pina - professor e mobilizador social

José Carlos Silva, operário fabril

José Eduardo Agualusa - escritor

José Falcão - dirigente do SOS Racismo

José Gaspar Neves - vigilante

José Luís Peixoto - escritor

José Maria Vieira Mendes - escritor

José Neves - historiador e professor

José Nunes - encenador

José Semedo Fernandes - advogado

Josina Almeida - funcionária pública saúde

Juan Araújo - artista venezuelano residente em PT

Kalaf Epalanga - músico e escritor

Katalin Muharay - jornalista

Kiluanji Kia Henda - artista

Kitty Furtado (Ana Cristina Pereira) - investigadora 

Kristin Bethge - fotógrafa

Lara Longle - jornalista

Leopoldina Fekayamale Fekayamale - estudante e feminista

Lígia afonso - historiadora de arte 

Liliana Coutinho - professora universitária e curadora

Lisa Voigt - investigadora e professora 

Lúcia Gomes - advogada

Luiz Felipe de Alencastro - historiador 

Luís André Sá - bailarino e director artístico

Luís Miguel Correia - realizador

Luís Trindade - investigador e professor

Luísa Homem - realizadora

Luísa Semedo - docente universitária e dirigente associativa

Luísa Sequeira - realizadora 

Luiza Teixeira de Freitas - curadora independente 

Lurdes Macedo - investigadora

Luzia Gomes Ferreira - professora na Univ. Pará

Luzia Moniz - jornalista e dirigente da PADEMA 

Madalena Braz Teixeira - museóloga.

Mamadou Ba - activista anti-racista, investigador

Manuel Bívar - agricultor

Manuel Loff - historiador 

Manuel dos Santos - sociólogo

Manuela Ribeiro Sanches - investigadora e professora

Marcos Cardão - investigador

Margarida Silva - trabalho social

Maria Paula Meneses - investigadora Coordenadora CES

Maíra Zenun - artista visual 

Mariana Candido - historiadora. EUA

Mário Moura - crítico

Mario Dujisin - jornalista

Margarida Paredes - antropóloga

Margarida Rendeiro - professora universitária

Maria Emília Castanheira - atriz 

Maria do Carmo Piçarra - investigadora em cinema e professora universitária

Maria Prata - professora

Mariana Riquito - estudante de mestrado

Mariana Silva - artista

Maria João Cantinho - professora

Maria João Revez - conservadora-restauradora

Marissa Moorman - investigadora

Marta Araújo - investigadora 

Marta Lança - editora Buala

Marta Mestre - curadora e crítica de arte

Marta Raquel Fonseca - produtora

Matamba Joaquim - ator

Michelle Sales - investigadora

Miguel Cardoso - poeta e tradutor

Miguel Carmo - engenheiro do ambiente

Miguel Castro Caldas - dramaturgo

Miguel Chaves - sociólogo

Miguel Lobo Antunes - reformado

Miguel Lucas Mendes - sonoplasta

Miguel Ribeiro - director DocLisboa 

Miguel Sermão - ator

Miguel Somsen - jornalista freelance e copywriter

Miguel Vale de Almeida - antropólogo

Myrian Taylor - empresária e ativista

Mónica de Miranda - directora artística do Hangar, artista e investigadora 

Nicholas Mirzoeff - teórico, professor universitário e activista

Nuno Alexandre Ferreira - artista 

Nuno Crespo - professor universitário e crítico de arte 

Nuno Dias - sociólogo

Ondjaki - escritor

Oriana Alves - editora Boca

Patrícia Azevedo da Silva - antropóloga 

Patricia Martins Marcos - historiadora

Patrícia Lino - professora universitária

Paula Cabeçadas - pré reformada da EDP

Paula Rodrigues - técnica superior admin. pública

Paula Sá Nogueira - encenadora

Pauliana Valente Pimentel-  fotógrafa

Paulo Fidalgo - médico

Paulo Freire Monteiro - engenheiro

Paulo Pascoal - actor 

Paulo Raposo - antropólogo

Pedro Aires Oliveira - historiador

Pedro Barateiro - artista

Pedro Cardim - historiador

Pedro Cerejo - jornalista e revisor

Pedro Faro -  historiador da arte 

Pedro Filipe - jurista

Pedro Neves Marques - artista

Pedro Penim - encenador

Pedro Pinho - realizador

Pedro Schacht Pereira- investigador e professor 

Pedro Vieira - apresentador, escritor

Piménio Ferreira - engenheiro físico e ativista

Rachel Korman - agente cultural

Rafael Esteves Martins - leitor de português

Rahiz - artista

Raphael Durão - designer gráfico

Raquel Ermida - doutoranda História de Arte

Raquel Freire - realizadora

Raquel Lima - artista, poetisa e investigadora

Raquel Ribeiro - escritora, professora universitária e jornalista

Raquel Schefer - investigadora 

Renée Nader Messora - realizadora 

Ricardo Conceição - DJ

Ricardo Ramos - arquitecto

Ricardo Falcão - investigador

Ricardo Vasconcelos - professor universitário

Rita Bataglia - bióloga

Rita Natálio - investigadora e performer

Rodrigo Lacerda - antropólogo

Rodrigo Vaz - fotógrafo

Rogério Nuno Costa - artista, professor e investigador

Rosangela Sarteschi - professora e investigadora, USP

Rosário Severo - mediadora cultural

Rita Ascenso - editora

Rita Brás - documentarista e antropóloga 

Rui Gomes Coelho - arqueólogo

Rui Lopes - historiador

Rui Maria Pêgo - apresentador de rádio e televisão

Rui Tavares - historiador

Rui Vieira Nery - musicólogo 

Rui Zink - escritor

Rute Serôdio - jurista

Salomé Lamas - artista, cineasta

Samira Pereira - produtora

Samuel F. Pimenta - escritor

Sara Goulart - produtora

Sara Serpa - cantora-compositora

Shenia Karlsson - psicóloga clínica e social

Sílvia Roque - investigadora

Soraia Simões de Andrade - historiadora musical

Susana Mendes - trabalhadora do comércio

Susana Menezes - directora Teatro Lu.Ca

Susana Peralta - professora de economia 

Susana Pomba - curadora 

Susana Matos Viegas - antropóloga, investigadora

Teresa Castro - professora universitária

Teresa Almeida Cravo - professora universitária

Teresa Fradique - antropóloga

Tiago Baptista - músico

Tiago Cação - global talent assistance

Tiago Ganhão - técnico de restauro fílmico

Tiago Guedes -programador cultural

Tiago Hespanha - realizador

Tiago Lila - fadista

Tiago Rodrigues - diretor teatro D. Maria

Valter Hugo Mãe - escritor 

Valter Ventura - fotógrafo e professor universitário

Vanessa Rato - jornalista e investigadora 

Vânia Gala - coreógrafa e investigadora

Varela K. Kadu - artista

Vasco Araújo - artista 

Vasco Pimentel - diretor de som

Vera Tavares - designer gráfica

Victor de Sousa - investigador de ciências sociais 

Vítor Oliveira Jorge - arqueólogo

Victor Pereira - historiador

Welket Bungué - cineasta e actor

Wilson Vilar Celeste Mariposa -  DJ

Yara Costa - realizadora

Yara Monteiro - escritora

Yen Sung - DJ 

Yonamine - artista 

por vários
Mukanda | 9 Novembro 2019 | anti-racismo, democracia, feminismo, Joacine Katar Moreira, ódio, Parlamento, pessoas racializadas, solidariedade