Passo de Caracol
Cara Marta,
Desculpa o atraso na crónica, mas estive muito ocupado a ver as eleições no Estados Unidos e a fazer uma proposta de documentário sobre a transição. Foram dias a fio à espera dos votos contados e a escrever o projeto.
Senti-me, como todos nós, pessoas, bem a ver o Trump perder as eleições e mais ainda com a resposta dos mercados ao evento. Biden afinal é bom para os mercados económicos e não Trump como se auto proclama Rei dos Mercados. Foi por um fio de navalha, mas a afluência de votos levou a uma vitória democrata e o mundo respirou de alívio, incluindo os mercados.
Será que começamos a ver a onda de líderes populares a quebrar? Um retorno ao bom senso e bom nível público? Será? Espero que sim porque isto já não se aguentava de estourados do miolo a liderar agendas mundiais. Segue-se Bolsonario? Hope so! A festa foi democrata e lá vimos as bandeiras LGBT na praça a gritar de alívio. Que anos de retrocesso foram estes, difíceis de contemplar. O medo em que as pessoas estavam a viver e os testemunhos na TV foram comoventes. O dito cujo deixou a América dividida compete a Biden agora fechar esse fosso com diplomacia e bons modos. Vamos ver quanto tempo irá levar a curar estas feridas. Já vou sentindo outro alento com a vinda do novo presidente. Sentimos todos, aquele lugar é mesmo importante para o Ocidente. Um lugar de poder discursivo que a tudo desacata ou pacífica. O Trump foi um desacato e apesar de sabermos perfeitamente que não se irá retirar da vida pública e política, pelo menos sentimos resistência nas ruas da América e nas urnas. Que mundinho caótico este que vamos habitando.
A Monika apanhou Covid, mas sobreviveu e eu estava em Lisboa não lhe pude valer. Estão os Suecos também com mais restrições e com as taxas em crescimento. Nós aqui com corfu o que nem lembra a ninguém equacionar na modernidade, mas é o que temos. Recolha obrigatória pelo Covid19. Parece esta pandemia não ter fim, mas terá com a vacina. Que vacina irão aplicar na economia? Essa soma recordes de catástrofe e ainda vamos a sua retoma real e não esta amostra de verão que tivemos. Fiquei numa preocupação durante dias, pela Monika, mas ela venceu a crise e o vírus. Fiquei a espiralar de preocupação durante um período. Isto do Covid19 já assusta mesmo porque vamos vendo que não acontece só aos outros. Ela resistiu, felizmente. Está em casa a recuperar devagar.
Vim a Portugal fazer umas consultas de psiquiatria e transição e fiquei por cá mais tempo que esperava. Fui fazendo o projeto de documentário sobre a transição que entreguei a concurso no ICA – vamos ver que decidem os juízes. Era uma solução de trabalho para mim bem interessante fazer um doc sobre tudo isto. Fiz os testes e está tudo bem. Sigo com a Testosterona. Na próxima consulta de terapia já iremos falar sobre os procedimentos da cirurgia de topo. Isto leva muito tempo e eu já esperei muito também, é dose de cavalo. Junto o corfu do Covid não ajuda a passar o tempo. É uma espera.
Que fazemos enquanto esperamos? Reparo que me preocupo acima de tudo com tudo. Trabalho. A transição. A Monika. Passo muito tempo a preocupar-me com tudo e fumo mais como resultado o que não é bom. Não sei muito bem esperar. Vou aprendendo agora, tarde. Não vejo Netflix nem ando a ler. Ponho-me em modo preocupação e não faço quase nada. Que raio de estratégia tão fraca para a espera. Tenho de descobrir o que fazer para além de me preocupar. Temos todos. Fiz um projeto de filme o que foi bom também, sinal de vida interior ainda e vontade de voltar a existir. Chama-se WHOAMI? Que sou eu. É uma pergunta que me tenho que colocar em relação ao grupo que habito pois pouco sei sobre ele. Tenho as reuniões do GRIT mas pós covid quero ir visitar pessoas que como eu tem disforia de género. Vim gradualmente a desenvolver este projeto desde que voltei a contatar com a Monika. Deu-me alento e esperança. O amor faz disso, aviva a vida e os desejos. Tive sorte.
O meu corpo já vai expandindo um pouco sinto. Tenho uns pelos escassos no queixo e de seguida já lá vão 10 meses de Testosterona, mas acho que tenho daquelas constituições em que a transição é mais lenta. Vou aguardando saltos, que dizem muitos se dão na transformação. Olho-me ao espelho mas só me parece tudo muito vagaroso. Enfim, paciência.
Isto anda tudo a passo de caracol lately. Temos que esperar por Janeiro também para ver o Trump fazer as malinhas. Espero que alguém grite a plenos pulmões “You’re fired!”.