Residências artísticas em debate: a rede "Triangle Arts Trust"
Xerem recebe Triangle Art Trust – passagem de testemunho
No passado dia 28 de Junho, o Atelier RE.AL conhecido pela sua larga experiência na programação e acolhimento de residências artísticas em Lisboa, decorreu o seminário “Home and Abroad – International Artist’s Workshop”, promovido pela recém-formada associação cultural Xerem. Na véspera tinha chegado a Lisboa para participar neste seminário, e passar o testemunho desta grande rede, a Triangle Art Trust que, desde 1982, vem acompanhando artistas de todo o mundo e apoia a mobilidade como forma constitutiva da experiência artística.
O almoço fez-se à volta de uma grande panela de “xerem”, receita que conhecemos como pertencente à gastronomia algarvia, mas que também se assemelha à “polenta” italiana, ou a muitos pratos da gastronomia africana e brasileira, símbolo das trocas realizadas no eixo afro-atlântico. Um almoço como pretexto de partilha de experiências, no espaço privilegiado da RE.AL.
Jorge Rocha (artistas e produtor), Catarina Simão (arquitecta e investigadora) e Mónica de Miranda (artista), da Associação Xerem, são os anfitriões portugueses do projecto Triangle Arts Trust (sediado em Londres, Reino Unido), com um conjunto de colaboradores e amigos que se juntam a este desafio.
Com uma larga e continuada experiência de apoio a projectos de residência em todo o mundo, a “Triangle” é um projecto voltado para os artistas que trabalham no local, para as suas necessidades, e encoraja a mobilidade, a troca e o “fresh thinking”, com ênfase no processo e no desenvolvimento. Uma rede em contínua expansão e mutação, com mais de três mil artistas participantes nos últimos 25 anos.
“Home and Abroad” – Open Call e Conferência de Imprensa
Nicolas Bourriaud serve-se da expressão de homo-viator (“Altermodern Manifesto – postmodernism is dead”, 4ª Tate Triennial, Londres, 2009) para descrever o viajante contemporâneo e a experiência de mobilidade contemporânea, as quais resultam num conjunto de novas formas de habitar o mundo. As residências artísticas, inscrevem-se neste novo paradigma teórico proposto por Bourriaud, como “espaços-tempo” em que os artistas têm a capacidade de pesquisar, produzir e criar fora de seu contexto habitual. “Home and Abroad”, Open Call e a conferência de imprensa constituem a primeira iniciativa da associação cultural Xerem, e um momento para reflectir sobre o facto de as “residências serem numa marca do mundo da arte contemporânea”. Neste sentido, quais os desafios que se colocam aos artistas de todo o mundo?
Alessio Antoniolli (Triangle Arts Trust) apresentou esta rede internacional e as suas especificidades, dando enfoque à experiência real da residência, momentos que confrontam pessoas e modelos culturais de origem bastante diversificados, muitas vezes antagónicos. E refere a oportunidade de confirmar ou questionar no terreno aquilo que vem escrito nos livros, aludindo aos autores sobre pós-colonialismo.
No mesmo sentido foram as intervenções dos artistas Jorge Rocha e Mónica de Miranda (Xerem) e Martinha Maia. Sublinhando a diversidade de experiências que uma residência pode potenciar, e principalmente o confronto de modelos artísticos, culturais ou sociais distintos, os artistas contaram o seu testemunho em residência no Gana e em Moçambique, também estas sob o modelo da Triangle Arts Trust.
José Fernandes Dias, director do projecto Africa.cont, falou da linha de programação prevista para o espaço das Tercenas do Marquês que aguarda o início das obras, acentuando a importância que o formato das residências artísticas poderá ter para diálogos culturais diversificados. Propôs o debate sobre “modelos para residências em Portugal como um meio para implementar o intercâmbio cultural e artístico, as práticas pós-coloniais, e após”, e sublinhou a questão da dependência Sul-Norte, no que respeita aos projectos culturais em África, e a necessidade de equilibrar forças desiguais. Sobre este assunto, Alessio Antoniolli explica que ainda assim, a Triangle Art Trust actua com fundos de instituições do ocidente (Ford Foundation, Prince Claus, entre outras). Porém sublinha exemplos de projectos da Triangle em todo o mundo, onde o financiamento na produção de residências são e podem ser equilibrados. Como diz Alessio, “Não passará tanto por pensarmos que pequenas estruturas locais, de países com poucos recursos tenham de pertencer à rede Triangle nas mesmas condições, mas outros recursos muito significativos tais como, cedência de espaços de trabalho, facilitação de vistos e burocracias, mobilização de colaboradores locais, divulgação, etc., são formas de equilibrar estas desigualdades”.
O Concurso Público e o Workshop internacional “Home and Abroad”, em Sintra
Até dia 20 de Julho de 2010 está aberto o concurso para a selecção final de seis artistas que irão estar em residência, num total de 10 artistas estrangeiros e 10 artistas nacionais. No regulamento do concurso enquadra-se o perfil dos candidatos: “…deverão ser artistas de nacionalidade portuguesa que vivam em Portugal ou no estrangeiro, assim como artistas estrangeiros, desde que sejam residentes em Portugal”. “Os candidatos deverão querer trabalhar com recursos materiais limitados, estar interessados numa abordagem relacional com o espaço e os outros participantes e entender a experiência do workshop como uma oportunidade para desenvolver processos criativos originais e experimentais”. A associação cultural Xerem providenciará a todos os artistas “acomodação em regime dormitório e refeições; espaço para desenvolver o trabalho, um programa de conversas, seminários e Open Day; um fee de 500 € e apoio à produção, e o apoio criativo, curatorial e técnico durante o workshop. Os resultados serão divulgados no dia 10 de Agosto de 2010.
O que se irá passar na residência “Home and Abroad”, em Sintra?
Durante duas semanas, de 24 de Outubro a 6 de Novembro de 2010, artistas de todo o mundo terão um espaço privilegiado de trabalho, com condições de criação, pesquisa e produção para os seus trabalhos. Tendo em vista o modelo descentralizado deste tipo de iniciativas, o Monte dos Ciprestes, em Sintra, será a paisagem deste encontro, que reunirá um grupo dos artistas locais e internacionais para trabalharem em conjunto e desenvolverem intercâmbios artísticos. Um programa de apresentações dos artistas, eventos, e “Open Day” está a ser elaborado para o acolhimento dos participantes.
Como tema de reflexão, “Home and Abroad” que, segundo a associação, pretende reflectir “a globalização e o relacionamento entre identidade e as múltiplas heranças culturais”. Segundo a Xerem, “o workshop criará um olhar sobre o modo como a experiência de viajar (…) e poderá informar as nossas percepções da identidade, de cultura e de nação”. Ao fim e ao cabo somos todos “nómadas globais”, em busca de uma caracterização para noções de “pertença”, lugar” ou “deslocação”. No final do workshop, os 20 artistas apresentarão o seu trabalho ao público “Open Day” (Dia aberto) reunindo-se para isso, artistas, instituições culturais e estudantes.
Com certeza haverá uma panela de “xerém” à nossa espera…
Marta Mestre (Buala) conversa com Jorge Rocha (Xerem)