Com BIXIGA 70 gritámos bem alto: FORA TEMER! e depois dançámos até ao alvorar na companhia de DJ SATELITE (28 de Julho)
Quinta-feira começou com RETIMBRAR e A JIGSAW & THE GREAT MOONSHINERS BAND (ambos grupos de PORTUGAL) e DANIÈL WARO (Reunião-França).
Pelas 23h15 NOURA MINT SEYMALI (Mauritânia) dá um concerto peculiar, onde a sua voz se mistura com um rock psicadélico muito próprio. Contou ao BUALA que a sua maior ambição é fazer da música mauritana tão conhecida como é a de outros países: “É por isso que quero cantar e misturar instrumentos modernos com instrumentos tradicionais da nossa terra. Para fazer alguma coisa nova e para mostrar a música a partir de novas propostas.”
Noura é descendente de uma família de griots mouros da Mauritânia. Aos 13 anos começou a tocar ardîn, uma harpa de nove cordas reservada às mulheres. “Há instrumentos que são apenas para mulheres e outros para homens.” Quando perguntámos o que pensava sobre essa divisão, disse-nos “é apenas uma questão cultural, como tantos outros hábitos. Mas todos cantam – homens e mulheres – aí não há diferenças”.
À 00h45 sobem ao palco os BIXIGA 70, grupo paulistano que segue uma via afro-latina, onde o afrobeat e a música guineense se fundem com o candomblé, o samba e a cumbia. Numa conversa descontraída com o BUALA, Décio Cecci Silva (bateria) e Marcelo Autuori (baixo) contaram que a banda começou no estúdio Traquitana (estúdio onde ainda hoje trabalham), onde passam muitos músicos, que colaboram uns com os outros. Um dia surgiu a ideia de se juntarem e acabaram por ficar 10. Dizem que o encontro desses géneros todos foi muito natural, pois a própria cidade proporciona essa mistura: “São Paulo reúne músicos do país inteiro, então fica muito fácil juntar todos estes elementos, porque todos os ritmos vão lá parar”. Falaram ainda da influência que a própria geografia e vida da cidade têm no seu trabalho: “É uma cidade muito caótica, gigante, com todos os seus problemas… e a nossa música reflecte isso mesmo. São Paulo é uma cidade ingovernável. O bairro Bixiga já é um fractal do Brasil, é um bairro complicado, com gente de todo o mundo.” Sobre o processo artístico dizem ser um processo colaborativo geral, “a gente tinha um papel em branco e construímos todas as ideias do zero. Hoje em dia chegámos a um ponto em que compomos e arranjamos juntos”.
Quando perguntámos aos BIXIGA 70 se a música reflectia a tensão política que se vive no Brasil hoje, afirmaram logo que “o que vem acontecendo desde o golpe, desde o governo de Temer - um governo que a gente não reconhece - é um governo ilegítimo (…) A nossa música quer resistir a este momento político! A gente participa bastante nos movimentos sociais, sempre tivemos juntos. Tocámos nas escolas ocupadas e estamos juntos contra este governo”. Durante o concerto gritaram bem alto: FORA TEMER! e o público acompanhou com assobios e palavras de protesto.
Directamente do Cosmos para a praia Vasco da Gama, THE COMET IS COMING, um trio surgido em Londres que nos propõe uma viagem entre a eletrónica, o funk e o jazz, numa estética apocalíptica habitada pela ficção científica e o espaço sideral.
Para fechar a noite, DJ SATELITE, natural de Luanda, um dos principais impulsionadores do afro-house e do kuduro angolano. Contou-nos que começou muito novo a experimentar gravar música: “Ouvia-se muita música na minha família. Na minha casa estava sempre a tocar qualquer coisa. Um dia numa brincadeira comecei a gravar coisas com amigos.” Satelite começou como DJ produtor por volta de 2000 e desde aí se tem dedicado exclusivamente à música. “Nas viagens tenho oportunidade de conhecer muitos artistas mas a maior parte da pesquisa é na internet. Oiço muita música, vou andando por todo o lado à procura de sons. O mundo gira e a música está a girar com o mundo. A música conecta pessoas e isso é que é importante. Eu estou sempre a “vasculhar” (risos) Perco o meu tempo todo aí. É isto que eu gosto de fazer. E estou sempre a pedir para me enviarem. Estou sempre disponível a ouvir”. Entre risos e boa disposição – que marcaram toda a nossa conversa – contou que o seu processo criativo tem vindo a altera-se: “Parece que levei uma pancada ou assim. Antes, quando fazia música em Angola, conseguia trabalhar com imenso barulho à volta e curtia, até podia samplaralguns barulhos, os pássaros, os carros… Mas hoje não consigo, só consigo trabalhar à noite, em silêncio… Deve ser a minha cabeça que ‘tá a mudar (risos). Mas é à noite que oiço muita música, horas e horas… É à noite que encontro a minha inspiração”. Falou-nos ainda do orgulho que tinha em estar no Festival Músicas do Mundo e de que queria “fazer magia!”, “dar energia positiva às pessoas, alegria. É isso que quero transmitir com a música. Quero que o pessoal saia daqui satisfeito. Bem, se alguém não sair também não faz mal, é normal que a minha música não agrade a toda a gente, ‘tá tudo fixe! (risos). Eu quero é tentar dar o melhor do que tenho”.