80 anos de Chico Mendes
Francisco Alves Mendes Filho, conhecido como Chico Mendes, é um ícone na luta pela preservação da Amazônia e pelos direitos das populações extrativistas. Se estivesse vivo, celebraria 80 anos hoje. Nascido em 1944 no seringal Porto Rico, em Xapuri, no Acre, Chico Mendes passou sua infância cortando seringa ao lado do pai, enquanto testemunhava a exploração e injustiças impostas aos trabalhadores da floresta.
Alfabetizado apenas aos 16 anos, ele fez de sua vida um propósito: proteger os povos da floresta e o meio ambiente. Essa missão o levou a liderar sindicatos, mobilizar seringueiros e criar uma rede de resistência que ganhou reconhecimento nacional e internacional. Sua luta, entretanto, o tornou um alvo.
Chico Mendes organizou os seringueiros para resistir ao avanço do desmatamento, que acelerou exponencialmente durante a década de 1970, quando o preço da borracha despencou e, incentivados pelo governo federal, fazendeiros do Sul e Sudeste começaram a adquirir terras no Acre para transformá-las em pastos. Essa exploração resultou no desmatamento de florestas nativas e na expulsão violenta de populações extrativistas, que viam suas casas e meios de subsistência serem destruídos.
Como forma de resistência, ele criou os “empates” — manifestações pacíficas em que trabalhadores se posicionavam entre tratores e árvores, bloqueando o desmatamento. Em 1977, ele foi eleito vereador em Xapuri pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), e tornou-se uma voz política em defesa dos direitos dos seringueiros e das populações amazônidas.
Em 1985, Chico Mendes organizou o 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, onde surgiu o Conselho Nacional dos Seringueiros e a proposta de criação das reservas extrativistas. Essas áreas protegidas permitem o uso sustentável dos recursos naturais pelas populações locais, ao mesmo tempo em que preservam o bioma.
Chico também foi fundamental para a criação da Aliança dos Povos da Floresta, que uniu seringueiros, ribeirinhos, pequenos pescadores e outros grupos tradicionais para fortalecer a luta contra o desmatamento. Em 1987, seu discurso no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) levou à suspensão de financiamentos para a expansão da BR-364, por causa dos alertas sobre os impactos socioambientais da obra.
O ativismo expressivo rendeu a Chico Mendes prêmios internacionais, como o Global 500 da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Medalha de Meio Ambiente da Better World Society. Ele foi o único brasileiro a receber essas honrarias em reconhecimento à sua luta pela preservação da Amazônia.
O reconhecimento internacional despertou a ira dos poderosos, interessados nos ganhos financeiros proporcionados pela destruição da floresta. As ameaças de fazendeiros e políticos locais que viam suas ações como um obstáculo ao avanço econômico na região cresciam cada vez mais. Em 22 de dezembro de 1988, ele foi assassinado na cozinha de sua casa por Darci Alves Pereira, a mando do fazendeiro Darly Alves da Silva.
A morte de Chico Mendes gerou comoção nacional e internacional, transformando-o em símbolo de resistência e preservação ambiental. Seu velório em Xapuri atraiu multidões.
Dois anos após sua morte, em 1990, foi criada a Reserva Extrativista Chico Mendes, com 970 mil hectares, que abrange vários municípios do Acre. Ele foi reconhecido como Herói da Pátria em 2004 e declarado Patrono Nacional do Meio Ambiente em 2013.
Em dezembro de 1990, os fazendeiros Darly Alves da Silva e seu filho, Darci Alves Pereira, foram condenados a 19 anos de prisão pelo assassinato de Chico Mendes com base no depoimento de Genésio Ferreira da Silva, um “empregado” de 13 anos da fazenda de Darly. Apesar de conseguirem um novo julgamento em 1992, sob alegação de viés da promotoria, a condenação foi mantida. Ambos fugiram da cadeia em fevereiro de 1993, mas foram recapturados em 1996 — Darly em junho e Darci em novembro.
Durante o período foragido, Darly se escondeu em um assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) no Pará e obteve financiamento público do Banco da Amazônia usando uma falsa identidade, o que lhe rendeu uma segunda condenação de dois anos e oito meses por falsidade ideológica.
Em janeiro de 2024, Darci Alves Pereira, sob a alcunha de “Pastor Daniel”, assumiu o comando do diretório municipal do PL em Medicilândia, oeste do estado do Pará. Em fevereiro, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, recomendou a imediata destituição de Darci depois que sua nomeação foi repercutida e, no dia 28 de feveiro, o assassino de Chico Mendes, que era pré-candidato a vereador do município, foi destituído do cargo.
Segundo reportagem do Sumaúma, Darci Alves Pereira é apontado por moradores de Medicilância como um dos possíveis financiadores dos atos antidemocráticos que ocorreram no início de 2023. Ele e sua esposa participaram de manifestações pró-golpe e, na véspera do 8 de janeiro, teriam vendido uma grande quantidade de bois e vacas. Ele nega as acusações, assim como o assassinato de Chico Mendes — crime do qual foi réu confesso e descreveu detalhadamente à polícia na altura.
Chico Mendes completaria 80 anos em 15 de dezembro de 2024, um pouco menos de um ano antes da 30º Conferência das Partes (COP30) ser sediada na Amazônia, em Belém, capital parauara. O evento, organizado pela ONU, é o principal encontro global dedicado às questões ambientais, especialmente relacionadas às mudanças climáticas e reúne representantes de governos, organizações internacionais, sociedade civil, empresas e especialistas para discutir estratégias e tomar decisões coletivas sobre a mitigação, adaptação e financiamento relacionados às mudanças climáticas.
A preservação da Amazônia é uma causa global, porém é fundamental e não-negociável que sejam ampliadas as vozes de quem tem lugar de fala: nós, Amazônidas. O legado de Chico Mendes e de tantos outros que dedicaram suas vidas para proteger a Amazônia e as suas populações, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, rurais, urbanas, caboclas, enfrentando os desafios impostos por interesses econômicos e políticos, deve ser respeitado e continuado.
As melhorias de infraestrutura que o evento proporciona à cidade e ao estado são mais do que bem-vindos, são necessários, porém a população – e quando me refiro à população, incluo todas e quaisquer ocupações profissionais e políticas, e níveis socioeconômicos) não pode se comportar como doces gentis que apenas estão prontos para servir aos visitantes, caladinhos nos seus papéis de colonizados do Brasil.
Não podemos achar que o país que sempre nos explorou e nos oprimiu, do nada, é nosso amiguinho e está interessado no bem estar dos nossos lares externos e internos. Não podemos cair na lorota que o Brasil interessado apenas de arrancar as riquezas de nossas entranhas agora gosta de nós só porque viramos temas de samba-enredo de escola de samba do carnaval carioca. Aliás, outro dia vi a Midia Ninja ter o disparate de publicar em suas redes que os “parawaras” são “figuras tradicionais”, sem ter sequer o trabalho mínimo de pesquisar o termo com o qual nos identificamos.
Sim, somos figuras tradicionais, das nossas ricas culturas, tão massacradas e propositalmente atacadas por esse colonialismo interno violento. Mas não estamos aqui para entreter apenas quando e da forma que for conveniente para vocês.
É preciso assumirmos o nosso papel de guardiões da Amazônia, floresta, rios e urbe. É fundamental que exijamos o nosso papel intelectual, científico, técnico nesta missão impossível que é adiar o fim do mundo, parafraseando Ailton Krenak. Não só temos a total e completa capacidade de assumirmos o protagonismo das ações necessárias para frear a devastação na nossa terra: temos o direito de assim fazer. Não porque a Amazônia nos pertence e sim porque nós pertencemos a ela. E não há heróis salvadores. Depois de séculos de ecocídio e genocídio, só nós mesmos é que poderemos nos salvar.