Quando a liberdade é questão de vida ou morte, a Humanidade supera-se sem filtros. Há 170 anos, escravos africanos e tribos de índios uniram-se numa fuga desesperada dos Estados Unidos para o México. Em serras áridas na linha de fronteira, construíram uma comunidade com língua e cultura próprias. El Nacimiento é ainda hoje a casa dos Mascogo, os índios negros com blues na voz.
Jogos Sem Fronteiras
10.05.2020 | por Pedro Cardoso
Apenas a lente intersecional, assumindo a realidade de uma opressão racial, pode combater a narrativa patriarcal branca, pois o sexismo e o racismo não são dois sistemas de opressão de génese e agressões comparáveis, mas dois fluxos opressivos distintos, produzidos pelo mesmo sistema, que agridem em uníssono a mulher negra.
Corpo
09.05.2020 | por Catarina Valente Ramalho
Este duplo processo pode designar-se como de descolonização das artes, e é uma prática corrente, que condiciona a pertença de um artista a esta condição da pós-memória. A este primeiro atributo que estas produções detêm, outras particularidades artísticas se reconhecem nestas obras tais como: a presença de tradições culturais oriundas das ex-colónias (ritmos, tapeçaria, pintura sobre areia, escultura em couscous, formas de canto griot ou Rai), traços dos modernismos alternativos (fotografia do Mali, de Moçambique, pintura dos modernismos marroquinos) a desconstrução sistemática da iconografia e estatuária pública nos países europeus como nas ex-colónias, a revisão e desconstrução da história de arte universal, a crítica ao afro-pessimismo, a denúncia e luta contra o racismo, o questionamento sobre as identidades e sobre a possibilidade/impossibilidade do regresso, o tema e a urgência da reparação e a assunção clara de que o contexto da produção artística é a relação Europa-África, mas o tema não é África.
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09.05.2020 | por António Pinto Ribeiro
Não podemos deixar que o atual momento sirva para causar um apagamento da nossa memória histórica. Se isso acontece, nem a situação atual estaremos aptos para compreender, e ainda menos o passado e o futuro. O direito à memória não pode ser alienável. A memória é intrínseca à nossa humanidade, é parte inerente à nossa própria existência. O colonialismo, desde sempre, tentou controlar e apagar a memória histórica dos povos colonizados. Lembrar Emmett Till, Pedro Gonzaga e Giovani Rodrigues é um ato de resistência!
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08.05.2020 | por Alexssandro Robalo
No início da quarentena, tive a ideia de comprar comida para pássaros e deixá-la no parapeito da minha janela. Talvez achasse que iria atrair as aves e fazer descobertas e me sentir menos só, assim. Mas me enganei, e acabei encomendando pela internet mais comida do que aquela que imaginava, e fiquei com quilos de pacotes de mistura para beija-flor, papagaio, e alpiste comum. Nenhum pássaro apareceu. Como choveu passado uns dias, a comida empapou sobre o mármore branco, e assim continua esperando que alguma alma da floresta da Tijuca se lembre de alcançar esta janela do 14º andar do Shopping Cidade para me dizer olá.
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03.05.2020 | por Rita Brás
Nas obras artísticas da pós-memória, são comuns os casos em que o artista revisita o passado colonial fazendo apelo a uma reinterpretação dos arquivos históricos marcantes, muitos deles silenciados ou esquecidos pelas gerações seguintes. Um dos eventos que tem dado lugar a uma série de fecundas representações artísticas é o das mãos cortadas, um dos episódios mais medonhos do período colonial da Bélgica no Congo, em que os colonizadores cortaram as mãos dos africanos, especialmente as crianças, como castigo e exemplo de autoridade.
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02.05.2020 | por Felipe Cammaert
As independências não foram uma concessão deliberada e solidária do novo regime, foram uma conquista que resultou da coragem e determinação de homens e mulheres que lutaram pela libertação e soberania territorial dos seus países e enfraqueceram o regime colonial português até ao limite das suas possibilidades humanas e militares. Além disso, o movimento anti-colonial nunca foi assumido e articulado pelas agendas políticas portuguesas do novo regime (tanto as de esquerda como as de direita) de uma forma assertiva e consequente, e essa negligência histórica tem repercussões e continuidades até aos dias de hoje, no que diz respeito à segregação, exclusão e obliteração racial em Portugal.
Mukanda
26.04.2020 | por Núcleo Antirracista de Coimbra (NAC)
Escrevi o meu romance sobre a guerra para desapossar o meu pai do exclusivo da narrativa bélica, para o destronar, para escrever o livro que ele próprio não foi capaz de escrever. Para reescrever as histórias de guerra dele, para as extirpar da mentira posterior. Para o enobrecer. Fi-lo à custa dos outros veteranos, que viram as suas narrativas reformuladas, subordinadas à infelicidade do meu pai, por mim usurpada. Escrevi o meu romance para, com o engodo da guerra colonial, contar aos veteranos uma outra guerra, a minha. Quem vai à procura da guerra tem já uma guerra dentro de si.
Mukanda
24.04.2020 | por Paulo Faria
O meu maior luxo neste tempo foi escrever este texto e ontem à uma da manhã sentar-me durante meia hora, a revisitar as gravações que fiz no pátio interior do hotel Barbas, a 80 Kms da fronteira com a Mauritânia, no Sahara Ocidental, enquanto uma televisão fazia o relato do jogo da bola em árabe, sempre tão enfáticos nos seus relatos, e um grupo de senegaleses chegava em caravana para comer um thiebou djenne feito pelo cozinheiro do hotel, ele também
Mukanda
22.04.2020 | por Ricardo Falcão
Marcelo estabelece uma ponte entre as seguintes ideias: “eles dizem que fizemos um milagre” + “estamos a fazer o milagre”. E avança a explicação oportuna: estamos a fazer o milagre porque Portugal é um milagre há 900 anos! Com o cansaço derivado de quatro semanas de isolamento, quem então ouviu os telejornais deve-se ter rido dessa ideia um pouco disparatada, ou pode ter pensado que se tratava de um excesso de entusiasmo do Presidente. Mas, conscientes ou não do que estava a acontecer neste discurso, os portugueses foram atingidos por um torpedo silencioso, em directo do Palácio de Belém para suas casas. O milagre explodiu no DNA cultural dos portugueses.
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21.04.2020 | por Ana Pais
Que seja então levada a sério – com o mesmo espírito crítico e exigente com que foi realizada – a obra multifacetada de Ruy Duarte de Carvalho, assim como a das gerações artísticas que lhe sucederam, em Angola e na diáspora, e que, sem terem necessariamente pensado muito no que ele fazia, comungam, “por caminhos tão diversos mas também tão convergentes”, duma mesma prática e duma mesma busca.
Ruy Duarte de Carvalho
20.04.2020 | por Ana Balona de Oliveira
O sujeito da pós-memória pode, no limite, construir para si uma identidade de “pós-vítima” e satisfazer-se com esse estatuto ou pode empreender o esforço de construir uma identidade inteiramente baseada na recusa dessa identidade e na busca de uma articulação muito mais complexa com a inevitável ambivalência da relação entre a geração da memória e a da pós-memória. É entre estas duas posições extremas que se situa a substância empírica da vida concreta de homens e mulheres confrontados/as com a violência da História.
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17.04.2020 | por António Sousa Ribeiro
O barco custa a amarrar. Fico sem sonhos nem energias vivas. Ando por aqui a inventar tarefas e vou procurando trabalho online com outros milhões, agora. O futuro chegou mesmo depressa demais e nada me preparou a mim nem a ninguém para tudo isto. Condições ou doenças mentais, fábricas de comunicação, teletrabalho, hospitais de campanha, 15min de fama a enfermeiros portugueses, presidentes mediáticos, vazios de gente e ruído, concelhos fechados em si, lojas de vidro higiénico e empregados de luvas, filas para tirar senha para o supermercado, desinfetantes tantos quanto precisos e a estranha importância do papel higiénico. Tudo ao mais pequeno pormenor noticiado, como se a vida em si se transformasse num Hiatos e agora Home.
Mukanda
16.04.2020 | por Adin Manuel
Ora, que este estado de coisas ande de par em par com o regresso das formas mais xenófobas de nacionalismo e de movimentos de extrema-direita, não deve surpreender ninguém. Pode dizer-se que a cultura do medo propagada até por políticos ainda alinhados a um centro convencional um pouco por todo o lado, e a suspeita em relação a intelectuais, peritos e profissionais em geral, são responsáveis, em parte, por gerar as condições necessárias para a afirmação do sentimento de desamparo que vivemos atualmente. É a esta luz que faz sentido hoje, talvez mais que nunca, ler Adorno.
A ler
16.04.2020 | por Paulo de Medeiros
No auge do movimento, o Harlem foi o epicentro da cultura americana. O bairro fervilhava com editoras e jornais afro-americanos, companhias de música, teatros, casas noturnas e cabarés. A literatura, a música e a moda criaram uma cultura definida e “cool” para negros e brancos, tanto na América quanto no mundo.
Cidade
15.04.2020 | por vários
O filósofo Severino Ngoenha questiona em que momento teria surgido a arte e literatura moderna moçambicana e sugere influências do Movimento do Renascimento Negro. Este artigo dá seguimento a este exercício a partir da obra de José Craveirinha.
A ler
15.04.2020 | por Leonel Matusse Jr.
No contexto da produção internacional de um cinema político, engagé, Sarah Maldoror criou e manteve - desde Monangambé a Sambizanga, sobre a luta anticolonial em Angola, passando por Des fusils pour Banta, filmado entre os guerrilheiros da Guiné-Bissau - uma prática singular. Compôs um cinema político, servido por um olhar esteticamente cuidado, e em que, através de elementos ficcionais - e não através das opções documentais e do recurso ao cinema direto então característicos do cinema militante -, a ação não é tão central quanto a composição psicológica das personagens.
Afroscreen
14.04.2020 | por Maria do Carmo Piçarra
'Sambizanga' foi filmado durante sete semanas em Brazzaville, no Congo. Abordando a guerra colonial/de libertação, no período 1961-1974, tornou-se um dos mais importantes filmes sobre a resistência africana. A história centra-se na procura de uma jovem mulher pelo seu marido preso e culmina num conto de separação e brutalidade que, através da perícia de Maldoror, torna-se muito afirmativo.
Afroscreen
13.04.2020 | por Marta Lança
Nas águas quentes das Venezuela, lançaram âncora navios de guerra norte-americanos. Prontos para desmantelar a rota de cocaína que sai deste país para os EUA, via ilhas caribenhas. Os piratas ou cowboys do século XXI, como lhes chamou Nicolás Maduro, cercam de mansinho o regime venezuelano. Distraído, confinado e monotemático, o mundo quase nem deu por isso.
Mukanda
11.04.2020 | por Pedro Cardoso
A ideia de que os peixes fogem das águas do Delta do Saloum por causa do ruído não é minha. É a ideia usada por Lamine, um piroguier, para me explicar parte das mudanças em curso nesta zona costeira do Senegal. O ruído a que se refere é sobretudo o dos motores das pirogas, dos muitos pescadores que acorrem para tentar a sua sorte aqui. Mas há mais ruído. Esta paisagem sonora começa às 5 da manhã, onde a insónia é alimentada pelo forte rumorejar das águas, num pequeno hotel à beira do rio, os melhores registos sonoros parecem acontecer sempre às cinco da manhã.
Afroscreen
11.04.2020 | por Ricardo Falcão