Ganhar-lhe o gosto

O que juntou no calor do verão um ourives, duas médicas, um cozinheiro, um cineasta, um engenheiro florestal, uma professora do primeiro ciclo, dois operadores de câmara, um mecânico de aviões, uma guia turística, uma blogger, seis engenheiros informáticos, um professor de música, uma massagista, duas professoras de yôga, uma advogada, e tantos outros…?  PEDALANÇAS, Pedalar até ao Andanças!

Um grupo de 50 pessoas pedalou durante 3 dias da Azambuja a Castelo de Vide, atravessando o Ribatejo e o Alto Alentejo. São cerca de 180 quilómetros divididos em três suaves etapas de liberdade e encontro organizadas pela CICLOFICINA DOS ANJOS em parceria com o festival Andanças.

A primeira edição do Pedalanças foi realizada em 2016 e teve cerca de 20 participantes. Já esta segunda teve muito mais inscritos do que o apoio logístico permitia e constituiu-se um grupo de 50 pessoas.

O Pedalanças é uma espécie de massa crítica em longa distância, proporcionando segurança e apoio para andar na bicicleta. Houve um trabalho prévio da Cicloficina para estudar o percurso, identificar pontos de água e locais para banhos, contactar restaurantes, Câmaras e outros parceiros, encontrar lugares gratuitos para dormidas. A Cicloficina providenciou também uma carrinha que permitia que cada um levasse uma mochila e uma tenda diretamente para o festival. Ao longo do percurso distribuíam-se as pessoas com conhecimentos de mecânica e um atrelado com ferramentas e peças de substituição acompanhou todo o percurso.

Durante três dias atravessámos a paisagem começando entre as planícies ribatejanas da agroindústria. Campos imensos de tomateiros, arroz, girassóis, vinhas… Observámos as debulhadoras que separam a rama do tomate, desta intensa agricultura capitalista sobram anualmente muitos metros de tubos de borracha da rega gota a gota, alguns serão reciclados outros ficam por terra abandonados. Cruzam-se connosco os camiões de caixa aberta carregados até quase transbordar de vermelho tomate. A paisagem varia muito e grava-se nos olhos, nos sentidos todos. Muitos momentos ao longo do rio Tejo, serpenteando os seus meandros. Alguma terra queimada, negra paisagem de fogos. Granitos a brotar do chão. Parámos para dormir na Chamusca num antigo convento gentilmente cedido pela Câmara Municipal. No Gavião desfrutámos e animámos a festa da vila e dormimos no Quartel de Bombeiros. E por fim chegámos a Castelo de Vide, a bela “Sintra do Alentejo”, para a 22ª edição do festival Andanças desta vez “Andanças em redor da Vila”. Durante o Festival, houve ainda tempo para a dinamização de Oficinas diversificadas, concursos sobre bicicletas, conversas à roda das bicicletas.

foto de Manuel Costa Henriquesfoto de Manuel Costa HenriquesApesar da viagem ter pontos de encontro, de almoço e para dormir previamente definidos, sentiu-se sobretudo uma grande liberdade na concretização das etapas. Uma orgânica em que cada um seguiu o seu ritmo. Alguns acompanharam os que seguiam em maior esforço e, de modo geral, todos se sentiram acompanhados, ajudando-se quando havia um cansaço, um furo, uma corrente fora do lugar. Uma forma fluida de movimentar 50 pessoas diminuindo, até à inexistência, as desavenças.

Para além da clara redução da pegada ecológica resultante da não utilização dos automóveis evidencia-se o lado humano da experiência, a arte do encontro humano formada a partir da resiliência e da partilha.  

A maioria das pessoas não se conheciam previamente e, em três dias, elevou-se o espírito de entreajuda, trocaram-se conversas e biografias, passaram-se momentos a sós com o silêncio da paisagem e a canção do vento entre as folhagens.

Para muitos foi mais uma viagem de bicicleta, para outros a primeira vez em longas distâncias e foi ganhar-lhe o gosto, redescobrir a bicicleta, sentir vontade de a tornar o seu meio de transporte quotidiano, sonhar com viagens pelo mundo.

 

 

por Maria Prata
Vou lá visitar | 7 Julho 2017 | Andanças, bicicleta, pedalar