O Andanças fala sempre muitas línguas
Organizado pela Pé de Xumbo - Associação para a Promoção da Música e da Dança o Festival Andanças já ultrapassou a maioridade, sendo esta a sua 19ª edição.
De 4 a 10 de Agosto, entre noites luminosas de lua cheia e dias quentes próprios do interior alentejano, decorreu mais um encontro anual de bailadores, tocadores, gentes diversas que experimentam palavras, terras e formas de estar. Pelo segundo ano, o Festival realizou-se na Barragem de Póvoa e Meadas, organizado em colaboração com a Câmara Municipal de Castelo de Vide. Foram convidadas quatro Associações e uma Escola de Dança para colaborar na seleção de bandas e atividades do Festival.
A Comunidade é um dos quatro pilares deste encontro. O festival pretende criar uma relação próxima com a população, levando-a a participar e desenvolvendo riqueza humana e económica para a região. Nas atividades programadas realizaram-se oficinas sobre gastronomia e ofícios da zona, danças e bailes de tradição local, passeios e visitas culturais. Uma percentagem dos espaços de venda foi reservada para propostas locais. Na comida do refeitório vários ingredientes foram selecionados na zona, assim como nos produtos vendidos na mercearia. Os outros pilares: música e dança, voluntariado e ambiente/sustentabilidade também contribuem para que este seja um espaço de encontro anual muito distinto de tantos outros festivais.
E onde está África no Andanças? Essa África imensa, negra e clara como as manhãs da amizade, de que nos falava Agostinho Neto no seu poema “Sangrantes e Germinantes”. África da ancestral cultura das percussões, das raízes dos antepassados que fincavam o pé no chão e levantavam bem alto saltos e máscaras.
Culturas não coincidem com linhas de nações e continentes. Culturas são formas vivas, mutáveis e transcedem fronteiras fazendo encontros. No Andanças sente-se África entre a Europa, a América, a Oceânia, a Ásia. A integração de ritmos, danças e instrumentos de origem africana é feita por pessoas que se ligam a África, não se centrando exclusivamente em identidades de cores da pele e heranças familiares, mas também nas vivências pessoais, nas dedicações ao estudo e à pesquisa, por vontade de mergulhar numa cultura, de descobrir e encontrar o outro. Há quem se aproprie, há quem recrie, há quem continue a tradição que lhe foi passada… Há muitas formas de sentir África na música e nas danças do Andanças.
Também presentes no Andanças, diversos projetos de origem brasileira trazem o forró, o samba e outros ritmos mais desconhecidos deste lado do atlântico. Sente-se esta recriação feita em séculos de história, de encontros e desencontros de músicos, cantores, bailarinos e instrumentos. Podemos procurar categorizar as danças por nações e continentes, procurar-lhes o rasto dos anos e dos séculos mas, para além da raiz histórica, há a força imensa da vida presente, a intensa energia de se tocar hoje, de se harmonizar vozes, de esticar peles e cordas…
Diversos projetos ligados às raízes africanas apresentaram-se nesta edição de 2014.
Mais uma vez, esteve presente Waty Barbosa, com danças de Cabo Verde, acompanhado por alguns amigos como Hélio Santos e Eza Barbosa. Dançando mornas, coladeras e a dança tradicional dos festejos de São João, o Kola San Jon, salientando que, para além dos passos e dos movimentos ensinados em coreografia, o mais importante é o improviso, a brincadeira, sempre no espírito da alegria e do encontro festejado dos corpos.
O grupo Slap Hand to Hand trouxe os ritmos da costa ocidental africana, em vários workshops de percussão de djembé e dumbas. No Sábado fecharam o palco X em grande, com uma longa noite de percussão e diversos convidados.
A Escola Dundumba trouxe o interessante projeto Tronkar, em que longos troncos são usados para transmitir ritmos simples envolvendo dezenas de pessoas.
Este ano notou-se a ausência do Mestre Petchu, esse grande bailarino angolano, que arrebata multidões com o seu carisma e alegria.
O grupo Semente, orientado por Eva Azevedo e Paulo das Cavernas, trouxe a dança e a percussão africana em espetáculo e ateliers que contaram com muitos parceiros e convidados.
O grupo musical de origem caboverdeana, BombakDoce, animou o baile em diferentes noites e palcos, trazendo grandes canções do arquipélago africano combinando diversos estilos de música como o funaná, a coladeira, a morna, o batuque, a mazurka, o cabozouk, etc.
O grupo Nação Vira Lata dinamizou ateliers de Ópera Tribal baseando-se nos ritmos afro-brasileiros e portugueses, pondo toda a gente a cantar e vocalizar sons mestiços.
Do Brasil, continente de mestiçagens, chegaram diversos projetos. O grupo musical Luso Baião com o projeto Forró do Lampião, forró universitário com Pablo Dias, música com Guri e ainda danças brasileiras com DOmingos Valeski Junior que apresenta um cheirinho das misturas e influências que vão cruzando o país apresentando um percurso de norte a sul com danças como: Araruna, Carimbó, e Boi de Parintins; ao Nordeste: Maracatú, Xote, Coco, Cirandas, Bumba-meu-boi, outras do Centro Oeste como Catira e Siriri, do Sudeste a Ciranda de Paraty, o Samba e tantos outros.
No fim de semana passado, o Festival Sete Sóis Sete Luas com colaboração da associação Pé de Xumbo organizaram o Festival Planície Mediterrânica, em Castro Verde-Alentejo.
Para o ano há novas Andanças de 3 a 9 de Agosto, consolidando raízes na Barragem de Póvoa e Meadas, concelho de Castelo de Vide. Marquem na agenda, envolvam-se, apresentem propostas, candidatem-se para voluntários!