Nos Trilhos da Independência: 90 dias pelo Leste de Angola
Neste fim de cacimbo, acompanhamos a viagem realizada no âmbito do projecto “Angola - Nos Trilhos da Independência”, promovido pela Associação Tchiweka de Documentação (ATD) com produção audiovisual da Geração 80 (G80). O seu objectivo principal é o registo em suporte audiovisual de depoimentos sobre a luta de libertação e locais com ela relacionados. O resultado de projectos deste tipo dependerá sempre do interesse da sociedade em geral e da participação activa dos protagonistas da luta pela independência. Que, além de partilharem as suas memórias, podem guiar-nos aos locais tornados históricos pela sua acção ou a dos seus companheiros.
Vamos seguir mais um troço desta viagem em jeito de reportagem fotográfica. Mais uma vez é justo referir o apoio dos Governos Provinciais, Administrações municipais e comunais, Delegações dos Antigos Combatentes, das Forças Armadas Angolanas e da Polícia Nacional, assim como de autoridades tradicionais.
II - MOXICO E BIÉ
A partir de 1966, a luta pela independência de Angola teve como um dos principais cenários a região que se estende pela Lunda-Sul, Moxico, Kuando-Kubango e parte do Bié. O MPLA abriu a Frente Leste em 1966, desdobrando-se progressivamente em regiões e zonas várias. A UNITA começou a sua acção no mesmo ano, estabelecendo-se principalmente no Moxico entre os rios Luanguinga e Lungué-Bungo. A FNLA também actuou, em menor escala, no Alto Chicapa.
Naquele espaço de grande diversidade etnolinguística e histórica, onde a fraca densidade populacional torna as distâncias geográficas ainda maiores, foi enorme o esforço para a implantação da guerrilha anticolonial. A mobilização das populações, os problemas logísticos causados pelas longas distâncias e as características do terreno, os sucessos e insucessos militares, as desconfianças e confrontos entre as próprias organizações nacionalistas angolanas (habilmente utilizados pela contra-insurreição portuguesa) são aspectos que ganham nova dimensão quando explicados pelos que viveram os acontecimentos. São vozes únicas que é urgente continuar a registar.
MOXICO
Depois do trabalho na Zâmbia, o regresso a Angola fez-se pela comuna do Ninda, província do Moxico, rumo ao Luena via Lumbala-Nguimbo e Lucusse.
Daniel Kativa “Berlim” reside no Ninda. Antigo comandante na guerrilha em diferentes zonas militares da designada 3ª Região Militar do MPLA, partilhou as suas memórias e dispôs-se a ser o guia dos “Trilhos” nas deslocações ao Sete (local de um ataque do MPLA) e às bases Hanói I e Hanói II, incluindo o local onde se realizou a primeira assembleia regional do MPLA, em Agosto de 1968. Foram as primeiras bases guerrilheiras no sudeste da província do Moxico e serviram para a expansão da luta para o Kuando-Kubango e do Bié.
Nalguns casos foi possível filmar o que resta dos locais de ataques a quartéis ou casas comerciais. O ataque do MPLA ao Sete (Monteiro), dirigido pelo Comandante Monimambo e onde morreu o comandante Kakueji, marcou em 1966 a abertura da luta armada na Zona C da 3ª Região Militar do MPLA.
Outro local histórico filmado foi o da assinatura do acordo de cessar-fogo entre a direcção do MPLA e representantes do governo e exército portugueses, a 21 Outubro de 1974, no Lunyameje, pondo fim à guerra de quase 14 anos. Acordos similares tinham já sido assinados com a UNITA e a FNLA.
Na história da luta armada, é bem conhecido o papel das mulheres no apoio logístico aos guerrilheiros, mas não só. Maria Vitumbo Kaunda, entrevistada no Lumbala-Nguimbo foi guerrilheira do MPLA na Zona E da 3ª Região Militar.
No regresso ao Luena, muitas entrevistas preencheram a agenda da equipa, graças aos contactos previamente feitos pela delegação local dos Antigos Combatentes e por membros dos diferentes “movimentos de libertação” da época, provando que um trabalho deste tipo pode cruzar as fronteiras partidárias actuais.
João Martins Silêncio Lupassa, antigo combatente do MPLA, acompanhou a equipa até ao Lucusse e a bases da Zona A que albergaram comandantes destacados como Kanhangulo, Pambassangue e outros. Enfermeiro, durante a luta de libertação “Silêncio” passou por várias zonas militares do MPLA. Acompanhou o Dr. Américo Boavida e testemunhou a sua morte, na Base Hanói III. Foi o principal guia da equipa dos Trilhos tanto no Alto Zambeze (Zona A da 3ª Região Militar) como mais a sul, na Zona C. Mas estes foram locais visitados a partir de Menongue, uma outra etapa da viagem.
Tomás Mohongo Saluka era o soba da área de Lungué-Bungo que acolheu Jonas Savimbi e o seu grupo e continuou com ele durante todo o período de guerrilha. Também Paixão Nguvulo Benguela recordou no Luena o seu passado na UNITA, que o levou a ser preso e detido no campo de S. Nicolau (Namibe) de 1967 a 1974.
Uma entrevista inesperada foi a do Padre Estêvão, levado por guerrilheiros do MPLA em Outubro de 1968 e recuperado pela tropa portuguesa quase um mês depois.
NO LUNGUÉ-BUNGO
Quatro dias de trabalho na área do Lungué-Bungo, central na história da luta anticolonial da UNITA, permitiu entrevistar antigos combatentes dessa organização, em Sachimbanda, Catapi e Sachindamba, registar cânticos da época e filmar locais como o do 2º congresso da UNITA em 1969.
O trabalho da equipa dos Trilhos nesta área contou com o precioso apoio de Amadeu Calumbuana “Tira a Mão”, já entrevistado, destacado chefe da UNITA na área nos tempos da luta de libertação. Em Sachimbamba, Mário Baptista Saluhanza recordou o trabalho na linha-férrea e nas serrações de madeira no início dos anos 60. Ouviu falar do MPLA mas juntou-se à UNITA. Relembrou os combates em que participou até ao momento em que foi ferido. Ainda em Sachindamba, entre as mulheres entrevistadas esteve Lotina Tchissola, secretária da LIMA (organização feminina da UNITA) de 1967 a 1971.
Já na rota do Moxico para o Bié, a equipa parou em Cavimbe, estação do CFB onde, num ataque à linha-férrea em Julho de 1970, morreu um dos co-fundadores da UNITA, membro do “grupo dos onze” treinados na China, David Jonatão Chingunji “Samwimbila”.
BIÉ
Entrevistados do MPLA e da UNITA sublinharam a importância do pessoal dos caminhos-de-ferro na circulação de informações e no estabelecimento de redes clandestinas apoiando de várias formas a luta pela independência.
Lote Chivava Guilherme “Sachikwenda”, entrevistado no Kuito, é um dos sobreviventes do famoso campo do Tarrafal em Cabo Verde. Foi preso com o já falecido Jonatão Chingunji em 1969, quando a PIDE detectou a rede clandestina da UNITA com centro no Luena e que se estendia ao longo da linha do CFB.
Ainda nesta parte da viagem, Luciano Muvemba (MPLA) relembrou tempos da clandestinidade no Cuemba; e José Kassanga (MPLA), natural do Ninda, que fez parte do grupo enviado pelo MPLA para a Bulgária em 1966, esteve na Zona B da 3ª Região, referiu como testemunhou a morte de Hoji ya Henda no ataque a Karipande.
O mapa com o esquema da viagem indica o percurso incluindo já o Kuando-Kubango. Em próximo número do Novo Jornal se dará conta dessa etapa da viagem e do regresso a Luanda, pelo Huambo e Kwanza-Sul.
Fotografias de Kamy Lara, Manuel Tomás Francisco “Fininho”, Tchyina Matos, Paulo Lara e do Arquivo de Lúcio Lara.