Quem somos, conversa com Paula Cardoso

Habituei-me a vê-la de longas tranças, qual Rapunzel, mas é através do Afrolink e da Força Africana que Paula Cardoso, jornalista de profissão, estende a mão à comunidade, seja criando uma rede de emprego para ligar colaboradores e empregadores, potenciando o emprego da mão de obra qualificada africana e afrodescendente, seja através da publicação de livros infanto-juvenis diversos e inclusivos, dirigidos a quem muitas vezes continua sem se reconhecer na literatura. Já eu reconheço-a sempre, mesmo se, nos meses que separam esta conversa da sua publicação, o seu visual se foi alterando, e o Natal veio e foi e demos por nós a relembrar os cobiçados brinquedos ou mesmo os folhetos, talvez igualmente cobiçados ou até mais, por ambas nos imaginarmos iguais, um dia, às crianças que neles figuram. 

Gisela Casimiro: Qual foi a última vez em que alguém te tocou o cabelo? Pedindo, ou não, autorização.

Paula Cardoso: Foi recentemente, e não pediram. Eram crianças. As crianças têm esse instinto, não tem os filtros dos adultos, avançam logo. Quando vivia em Angola, e estava com o cabelo desfrizado, era muito usual serem os homens a quererem tocar, pois a regra é as mulheres usarem postiços. Era muito difícil, ao início, encontrar cabeleireiras que tratassem de cabelo natural. Puxavam muito, a temperatura do secador sempre demasiado elevada… uma tortura. Até encontrar alguém que tratasse do cabelo como em Portugal, tive de passar por vários processos de experimentação. Os homens perguntavam se era mesmo o meu cabelo, e queriam tocar, para se certificarem de que era natural. 

Essa era a minha experiência em criança, com os colegas da escola primária que puxavam e questionavam. E encontras mais perucas ou extensões, nessas mulheres? O que há por baixo?

Zambujal, LouresZambujal, LouresAs mulheres usam mais peruca. Por baixo da peruca há muitos problemas capilares. Não me assusta mas impressiona-me o modo como prejudicamos a nossa saúde capilar por um ideal de beleza, o das extensões lisas estilo Barbie. Hoje vemos peladas no couro cabeludo, mesmo com extensões de tranças. Quando via as mulheres nos salões sentia que havia vergonha. É como se estivessem nuas ou mais vulneráveis ainda, sem as perucas e as tranças. Quando tiro as tranças, antes de fazer novas, deixo o cabelo respirar, descansar. Mas essas mulheres não, elas chegam à cadeira como saíram dela, sempre de tranças. Como se não houvesse um assumir das suas raízes. Como se não se conseguissem ver sem elas. 

Como foi o teu desenvolvimento capilar?

Não passei da infância para uma existência de cabelo liso. Eu quis ter caracóis. Comecei a esticar o cabelo aos 26 anos. Antes já o desfrizava, porque a permanente afro implicava desfrize, mas o do curling era diferente do desfrize normal. Tanto que não se podia passar de um para o outro, era preciso um período de transição. Depois começaram a aparecer uma série de produtos.  Acho que todas corríamos para o desfrize porque era mais prático. Envoltas na lógica do que é um cabelo arrumado, se nós, naqueles tempo, em que éramos adolescentes e depois entrávamos no mercado de trabalho, fôssemos de afro para o trabalho, poderia não correr bem. O processo já era difícil e esse processo capilar iria acrescentar mais um grau de dificuldade. Empregadores de amigas minhas disseram-lhes: o teu cabelo não dá, tens de fazer aí alguma coisa, ou apanhas, ou cobres. Nos EUA já existe regulamentação nesse sentido porque a discriminação era já muito evidente. Teve de ser alguém com essa experiência, neste caso com tranças, a fazer pela aprovação desse decreto-lei, o Crown Act, que esperemos que chegue a todos os estados um dia.

Estiveste em Angola e esses homens negros têm a mesma atitude que homens, mulheres e crianças não-negras têm. Como chegámos aqui, quando em África o cabelo natural parece ainda uma miragem?

Na realidade angolana, para além de as mulheres negras serem a maioria da população, a maior parte do cabelo também é fake. Tudo o que é natural é diferente e causa maior curiosidade. Não estão habituados a ver o cabelo natural a circular. Cá, o cabelo é minoritário tal como nós. É uma curiosidade infantil que os move.

Outro dia, um colega de trabalho, indiano, aproximou-se e pediu-me, dois dias seguidos, que lhe deixasse tocar o meu cabelo. Acedi, com a promessa de que em troca venha para o trabalho sem o turbante, de cabelo solto. Ainda assim nunca senti vontade de tocar o cabelo de alguém com quem não tenha uma estreita intimidade. Mesmo ao do meu colega, que tem uma barba invulgarmente ondulada, trata-se de uma questão de ver, mas sempre ciente do espaço do outro. Alguma vez sentiste vontade de tocar o cabelo de alguém?

Não tenho vontade de tocar o cabelo de ninguém, talvez por ter crescido sobre esse olhar. Somos três irmãs, todas as semanas havia o paciente ritual em fila de lavar o cabelo, deixar o amaciador, sentar no meio das pernas da mãe ou da tia. Na escola, notava-se, embora eu sempre tenha tido a protecção de viver em comunidades africanas, esse olhar de diferença, de descoberta do outro. Eu não gostava de sentir a diferença, até porque ela não foi feita para me incluir, por isso acabei por não ter nenhum instinto ou vontade de tocar o cabelo do outro. 

De onde vem o cabelo que as mulheres em Moçambique e Angola usam? O cabelo humano vem sobretudo da Índia, mas a mulher negra tem, de facto, acesso a esse produto final caríssimo a que acedem as celebridades? A mulher negra acaba por ser quem precisa mais desse cabelo, mas que tem menor capacidade financeira para tal, numa indústria de biliões.

Não tem acesso, e o que me inquietava em Angola era a velocidade com que se trocava de look. Isto é caro. Aqui, nem tanto. Mas em Angola não há mercado, tudo vem de mais longe, existe a questão da moeda e, ainda assim, eu via uma série de colegas, não obstante queixarem-se do custo de vida, terem sempre dinheiro para cabelos. Em Moçambique também existe uma febre do cabelo postiço e é um negócio que dá bastante dinheiro. Cá, é possível fazer bastante dinheiro a trançar, porque há menos gente a fazê-lo. Certa vez fiz uma viagem a Joanesburgo e a preocupação das minhas colegas jornalistas era comprar e colocar cabelo, mudar o look por ser mais barato do que em Luanda, em vez de aproveitarem a viagem a outro país. Tudo isto demora bastante tempo, o nosso era limitado, e o delas foi passado no salão.

Podemos falar de uma auto-estima descartável? Esse não é o nosso cabelo e nunca será. Temos problemas capilares e em vez de investir o tempo e dinheiro em resolver os problemas capilares, decidimos reinventarmo-nos com algo que já não está vivo, se é que não é apenas sintético, que não é nosso nem nunca será.

Tenho muita dificuldade em generalizar. Tendo em conta as situações que fui observando, sim. Querer correr para um padrão, encaixar. Para mim é como se fossem camadas. Há sobretudo uma negação daquela que é a nossa identidade. Será que as mulheres  que tiram e voltam a pôr conseguem olhar-se ao espelho com cabelo natural? Será que se revêem naquela imagem? O que vejo, quando me vejo reflectida? Estou sempre a projectar uma imagem que não é a que eu tenho mas a que tenho de ter, mesmo dentro da comunidade negra. Mas quando não estamos no bairro ou na família, temos de atenuar essas diferenças. Quando é que conseguimos…

Ser aquilo que somos? Temos fases, conforme estivermos posicionados na nossa vida. Quando saía do cabeleireiro com a minha irmã, o cabelo voava e toda a gente virava a cabeça, era como num filme. Hoje em dia são as nossas afros que recebem os elogios, mas também porque a nossa relação connosco mesmas se alterou.

Mesmo entre nós isso acontece, encontrei um conhecido há algum tempo. Perguntou porque é que eu pus tranças se tenho um bom cabelo. Para ele só as carapinhas 4c é que usam tranças. Mas tens caucasianas a colocar extensões também. Ele usa o cabelo rapado, sempre usou. É cabo-verdiano, que se sente como se eu me estivesse a africanizar mais do que sou e isso fosse proibido. Tenho o cabelo que é reconhecido como o de uma africana, ele nunca me viu com os meus caracóis naturais, e no entanto julga.  Não me revejo naqueles discursos de que para seres africana tens de usar a afro. Não me sinto mais africana por usar tranças. E posso, no futuro, voltar a desfrizar o cabelo, se me apetecer.

no Museu da Moeda, em Luandano Museu da Moeda, em Luanda

Como foi a evolução das tuas irmãs?

Hoje em dia usam os caracóis naturais, nenhuma desfriza. Quando era criança usava o cabelo apanhado, depois na adolescência fiz o curling, sou a mais nova e as minhas irmãs já o faziam. Ao início, os bigoudis não pegavam. Antes não havia produtos como hoje. Usávamos um amaciador cor-de-rosa da Palmolive (eu adorava aquele aroma), vaselina, pomada. Mas não íamos comprar produtos especializados, não havia. Agora a dificuldade é escolher. Quando fiz esse reconhecimento, o primeiro passo foi cortar bastante, não fiz o big chop. Gosto de experimentar. Exige disciplina, investimento de tempo e rituais. Dizem que as tranças são protectoras e ajudam o cabelo a crescer porque, na verdade, elas envolvem o cabelo. Porque é que eu desfrizei o cabelo se conseguia apenas esticá-lo quando precisasse? É engraçado fazer essas descobertas todas. Nunca tive uma luta com o meu cabelo, apenas a vontade de cabelo liso. Queria isso mas ele sempre foi domável.

E qual foi o exemplo da tua mãe?

A minha mãe estava sempre impecavelmente arranjada. Como em algumas casas o domingo na igreja era sagrado, em minha casa era o sábado no salão. Elas sempre pintaram o cabelo, mas eu não, embora tenha curiosidade de experimentar tranças loiras, se bem que há cores que associo sempre a mulheres não negras. 

Fazemos piadas com a coisa. E a verdade é que nós, negros, temos um humor muito peculiar que pode, por vezes, chocar quem esteja de fora.

E depois cada um tem os seus processos. Como no caso daquele jogador de futebol, o Conguito. Nós não alcançamos o quão destrutivas estas brincadeiras são. Naquele caso é uma estrela. Mas, no dia-a-dia, o racismo recreativo mina, e de que maneira… A partir do momento em que sai da esfera privada deixa de ser uma brincadeira entre dois amigos. No This is Us, por exemplo, o Randall em adulto e adolescente tem um tom de pele muito mais escuro do que nas cenas de infância. Para quem está a crescer, as nossas características físicas têm um peso enorme excluem ou incluem-nos. Como sempre vivi em comunidades africanas fortes, sempre tive amigas africanas. Nunca fui a única. Aí a Paula já estava construída, por isso aquelas inseguranças adolescentes determinantes vão fazer-te querer ter um cabelo inclusivo. A minha sobrinha desde os 16 anos vive numa sociedade multicultural, em Marselha, tem tantos tipos de pessoas à volta que a pressão de ser igual a toda a gente é quase inexistente. 

As tuas irmãs, tal como tu, também têm tom de pele mais claro? Sentiram diferenças de tratamento ao longo da vida por esse motivo?

Nenhuma de nós passou por situações associadas a pele mais escura mas eu sei que é diferente. Já passei por outras, tantas, como acharem que queria roubar numa loja de roupa, ainda no tempo em que não nos davam a placa com o número de peças. O alarme caiu de umas calças, continuei a experimentar roupa e, quando saí do provador, dirigi-me à primeira colaboradora que encontrei e expliquei o que aconteceu. Tinha dezassete ou dezoito anos, três ou quatro funcionárias à minha volta e no dia seguinte o meu pai foi falar com o gerente, que lamentou o sucedido. No autocarro, entrar pela frente, ter passe, o motorista sair do seu lugar para insistir que eu entrara por trás e querer que eu saísse do autocarro, isto à frente dos meus colegas e amigos de escola. Falam em micro-agressões mas para quem as sente é extremamente agressivo. Um segurança, nas Amoreiras, veio ter connosco ao sairmos da casa-de-banho e informou-nos de que, segundo uma senhora, tínhamos roubado os seus pertences. Em grupo, um grupo de raça mista, tínhamos força e recusámos que nos revistassem. Estávamos ali para ir ao cinema e comer fast food, apenas isso. Outra vez, aos dezasseis anos, quando me candidatei a um emprego de Verão como babysitter durante duas semanas, para ir com uma família para o Algarve, liguei e marquei logo para o dia seguinte a entrevista. A senhora ficou muito contente porque procurava uma estudante e apenas fora contactada até então por pessoas mais velhas. No dia seguinte, feliz, assim que cheguei a casa da senhora, percebi pela sua linguagem corporal e olhar, que nunca seria contratada. Ela disse que houvera um equívoco, que a vaga já fora preenchida, olhando para mim de cima abaixo, por uma fresta da porta. Senti revolta e injustiça mas também impotência. Hoje em dia tudo se filma, mas não é fácil testemunhar e ser o objecto destas situações. Existe sempre crítica e julgamento quando vemos pequenos fragmentos de vídeos, mas não sabemos tudo e muitas vezes não sabemos se a pessoa reagiu em seguida ou como reagiu antes, mas a verdade é que nos vemos, muitas vezes, paralisados.

As negras são conhecidas por serem maternais, cuidadoras, servis. Ela poderia, até, ter beneficiado desse cliché, sendo tu tão nova e incauta.

Iria fazer uma viagem com a família. Depois pensei que talvez a forma como eu estava vestida não encaixasse no estereótipo da negra, talvez estivesse demasiado bem vestida. 

Nada do que tu disseste ao telefone a fez pensar que tu serias uma negra nascida em Moçambique. 

Nessa imagem continua a existir uma ideia de português branco, os outros não existem enquanto portugueses. Se se tem sotaque, é-se estrangeiro. É assim que o colectivo lida com as diferenças. Se não me vêem e eu falo sem sotaque, sou portuguesa. 

Sem sair de um imaginário branco. Como em BlacKkKlansman (Spike Lee). Ao telefone vais passando às próximas fases. A coisa muda frente a frente.

O afrodescendente é mais uma discriminação que chega porque não te querem dar essa identidade. Eu sou africana, nasci em África e os meus pais são africanos nascidos em África. O termo afrodescendente resolve uma série de questões para esta maioria que não quer reconhecer esse lugar de igualdade a esses africanos de segunda e terceira geração. Se viesse de nós tentarmos encontrar qualquer coisa para salvaguardar a nossa identidade seria diferente, mas assim a afrodescendência dá para tudo. Eu enviava currículos com foto porque a maioria dos anúncios requisitava. No Afrolink tenho tido contacto com muitas pessoas que dizem que, comparando com as vezes em que enviam cv com foto, sem foto são chamadas muito mais vezes para entrevista. Claro que, quando chegas, tens de lidar com a estranheza do empregador. Por vezes o embaraço é tal que sai a expressão “Ah. Você é que é a/o…”. A mentalidade da maioria das empresas em Portugal é muito fechada excepto se se tratarem de multinacionais, que já assumiram e comprovaram que a diversidade cultural aumenta os rendimentos até 35%. 

Qual é  a maior dificuldade? O que nos limita?

A maior dificuldade no mercado empresarial para as minorias é a nossa auto-estima. Acabamos por excluir-nos de processos de recrutamento com base na crença de que nunca seremos escolhidos. Não duvidamos não das nossas capacidades, mas sim da possibilidade de sermos excluídos, pois já passámos por demasiadas rejeições com base nessas características. Eu acredito muito na produção própria, negra.

Hoje em dia oscilamos entre o policiamento e a pedagogia. Como não cair nos excessos e colocarmos mais uma camada de vitimização em cima dos pesos que já carregamos?

Sou apologista acérrima de quotas, porque a igualdade que está consagrada na constituição não existe sem equidade. As  circunstâncias em que nascemos retiram-nos muitas possibilidades. Nenhuma das pessoas que ficou para trás ficou por algo que tenha feito. Há candidatos negros mas não ficam, como me dizia um inspector da polícia judiciária, sem explicar porquê. Não temos de facilitar processos, apenas adequá-los. Como no caso do Google Brasil, em que perceberam que a língua era mais um factor de exclusão. Então aceitaram os candidatos, ignoraram esse critério mas depois deram essa ferramenta adicional aos candidatos que, por exemplo, não falavam inglês. Claro que existem diferentes competências e são exigíveis. Normalmente os estágios profissionais, pós universidade, duram entre seis meses a um ano e dão o subsídio de alimentação. Mas estamos a falar de pessoas que tiveram de trabalhar para estudar e são contribuintes para o rendimento da família. Quando se deparam com essa realidade adiam a sua vida e depois o momento não chega. No décimo segundo ano, estudei com malta que vinha dos PALOP com bolsas de cooperação mas depois desaparecia. Quando cheguei a Angola, duas realidades permitiram-me despertar: encontrar profissionais negros extremamente qualificados com a passagem por Portugal em comum. Por outro, ocupar posições de chefia, mais sénior, porque em Angola os angolanos contratam profissionais portugueses brancos para posições diferenciadas.

no Méxicono México

Quem admiras? Com quem gostarias de conversar?

Sempre gostei muito da Tina Turner. Gostaria de conversar com Mandela porque saiu de um lugar de ódio, passou por vários lugares até chegar ao perdão, e perdoou mesmo, o que se viu na equipa que constituiu depois. Todos nós, nestes processos, passamos por estágios de querermos partir tudo, sermos suaves, querermos partir tudo novamente e perceber que nada disso leva seja ao que for. Não se reconhece que se está mal e quando finalmente se reconhece que se esteve mal, já passou, não é preciso pedir desculpa porque…

Nem eu a fiz nem tu a viveste.

Exacto, tudo isto está no nosso ADN, na nossa história e que se isso se vai renovando. Admirei e segui sempre o Obama desde antes do seu mediatismo, e recordo-me de querer fazer peças sobre ele e não me deixarem por não acreditarem que ele alguma vez chegasse a presidente. De resto, pensei que o Yes we can! pudesse ser agregador, mas existem elites que, se reconhecerem isso, têm de dividir poder e aceitar que aquele lugar não é assim tão seu, confrontarem-se com o que foi preciso para chegarem lá. 

Idris Elba como James Bond, Halle Berry no papel de uma Bond Girl, Ariel em modo pequena sereia negra ou Julia Roberts como Harriet Tubman: surrealismos unilaterais, aparentemente. Fazemos piadas com a coisa. Com as coisas que nos assolam. E a verdade é que nós, negros, temos um humor muito peculiar que pode, por vezes, chocar quem esteja de fora. O que é que ainda te ofende?

No dia-a-dia, o racismo recreativo mina e de que maneira. A partir do momento em que sai da esfera privada deixa de ser uma brincadeira entre dois amigos. Algumas jornalistas, das que até nasceram em África e até têm pretos na família, que se acham no direito de propagar barbaridades em artigos de opinião, são outras das coisas que me incomodam actualmente.

O que estás a ler? 

Agora estou a ler Afropean: Notes from Black Europe, de Johny Pitts.

na África do Sulna África do Sul

 

O tempo nunca sobra para se conversar sobre o que não se esgota mas, por vezes, nos esgota. Ainda não li “Afropean”, mas chego a um primeiro intervalo desta conversa com o livro de Trevor Noah, “Born a Crime” na cabeça:

“As pessoas adoram dizer: «Dá um peixe a um homem e terá alimento para um dia. Ensina um homem a pescar, e terá alimento para o resto da vida.» O que não dizem é: «E, já agora, era bom se lhe déssemos uma cana de pesca.» Essa é a parte da analogia que falta. Trabalhar com Andrew permitiu-me tomar consciência, pela primeira vez na vida, de que precisamos que alguém privilegiado venha ter connosco e diga: «Aqui está aquilo de que precisas e é deste modo que funciona.» O talento por si só não me teria levado a lado nenhum se Andrew não me tivesse dado o leitor de CD. As pessoas podem dizer: «Oh, mas isso é uma esmola.» Não é, Tenho de trabalhar à mesma para beneficiar da dádiva; mas sem ela, não tenho hipótese.”

por Gisela Casimiro
Cara a cara | 23 Janeiro 2020 | cabelo, Gisela Casimiro, literatura infanto-juvenil, privilégio negro