“Essa dama bate bué!” - PRÉ-PUBLICAÇÃO

“Essa dama bate bué!” - PRÉ-PUBLICAÇÃO Sonhou que via Luanda lá de cima. No alto do Morro da Cruz, um mpungi gigante de marfim equilibrava-se na sua ponta. No Morro da Fortaleza, outro mpungi igual. Da terra chegou um sopro grave que subiu pelas pontas maiores dos mpungis. Este alcançou as nuvens, e o céu palpitou em resposta. O barulho feito pelo céu espalhou-se por onde lhe levou a vontade. Depois juntaram-se marimbas a tocar na Corimba e mukupelas na Samba.

Mukanda

29.11.2018 | por Yara Monteiro

A cidade o tornou reticente e sombrio

A cidade o tornou reticente e sombrio a história deles se torna a história habitual de muitos imigrantes que vieram das antigas colônias em busca de um tratamento médico ou de uma vida melhor. Em Angola, Cartola era parteiro. Em Lisboa, virou servente de obra, e a cidade o tornou reticente e sombrio. Aquiles, que ainda era adolescente ao mudar de país, deixou de se sentir angolano: “Esse olhar de quem vê o mundo da cama, contrariado, a morder-se de raiva porque ninguém o ouve, ninguém acode, foi a sua nacionalidade assim que pisou em Lisboa.”

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29.11.2018 | por Tatiana Salem Levy

Veio o tempo em que por todos os lados as luzes desta época foram acendidas

Veio o tempo em que por todos os lados as luzes desta época foram acendidas A luz negra, que havia encarnado em tudo com toda intensidade, foi aos poucos escorregando por entre os cantos do labirinto, banhando nosso corpo e se cravando outra vez no profundo. Estivemos ali por muito tempo, cozinhando junto com a terra. Pouco a pouco, à medida que nossos corpos foram recuperando o acesso às pernas, decidimos nos separar e mover pelo labirinto de túneis, a tentar captar as repercussões do nosso ataque, e estudar as implicações do que havíamos feito.

Corpo

26.11.2018 | por Jota Mombaça

Jovens negros portugueses levam brutalidade policial a tribunal

Jovens negros portugueses levam brutalidade policial a tribunal O novo caso, actualmente a ser julgado em tribunal, rejeita a versão dos acontecimentos tal como foi transmitida pelos agentes da polícia, e acusa-os de agressão física, rapto agravado, tratamento desumano, e de incitamento à discriminação, ódio e violência por motivos raciais – bem como de injúria e falsificação de testemunhos e documentação.

Corpo

25.11.2018 | por Ana Naomi de Sousa

Pedra, algodão ou petróleo

Pedra, algodão ou petróleo Os sacos de algodão apertados na camioneta, numa alta muralha, escorrem água em fio. A carga já não pesa somente oito toneladas, pesa bem mais, mas as contas estão feitas, agora pouco importa. Na minha camisola, nas minhas peúgas, as fibras de algodão entrelaçam-se em fios de petróleo. Se a verdade é leve e a mentira pesa chumbo, o camião, a bambolear-se a dez à hora pela estrada ensopada, traz agora no dorso uma grande carga de mentira. Mas talvez seja ao contrário, a mentira leve e a verdade pesada. Nas oito horas que passei na aldeia, o preço do barril de petróleo desceu um dólar.

Mukanda

24.11.2018 | por Paulo Faria

Quando nem sequer os mortos veem o fim da guerra

Quando nem sequer os mortos veem o fim da guerra Na obra Soliloquios en Inglaterra e Soliloquios Posteriores, escrita entre 1914 e 1921, o filósofo espanhol George Santayana disse: “Apenas os mortos viram o fim da guerra”. De facto, quando as guerras terminam, nem tudo aquilo que elas destruíram, criaram, violentaram e profanaram parece ter fim. Contudo, entre os muitos restos, destroços e heranças que as guerras vão deixando, e que inevitavelmente contaminam várias gerações, por vezes nem sequer os mortos parecem ver o seu fim.

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17.11.2018 | por Fátima da Cruz Rodrigues

Mitologia e memória

Mitologia e memória O mito, ao mesmo tempo que dissimula também revela a ideologia em que se inscreve. É oportuno lembrar que a memória também se configura como um simulacro onde a questão não é a do falso ou do verdadeiro, mas a do acesso subjetivo, o mais amplo possível, à fruição do tempo passado.

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12.11.2018 | por Roberto Vecchi

“Frente, Verso, Inverso”

 “Frente, Verso, Inverso” Quando pensamos no universo da lusofonia somos remetidos para uma comunidade internacional de pessoas que partilham a língua portuguesa e que comungam aspetos culturais semelhantes. Porém, há que ter presente que a lusofonia congrega identidades culturais diversas, bem como diferentes perspetivas do real comum e particular, que importa dar a conhecer na sua pluralidade. O conceito desdobrado “Frente, Verso, Inverso” que denomina esta mostra pretende dar uma visão alargada da arte desenvolvida por artistas de várias gerações do século XX que, em momentos e contextos díspares, com recurso a múltiplas linguagens da criação artística, da pintura ao desenho, da escultura ao vídeo e à instalação, nos trazem abordagens distintas sobre o mundo lusófono.

Vou lá visitar

09.11.2018 | por Adelaide Ginga

Não é uma caravana de migrantes, mas um novo movimento social que caminha para uma vida suportável

Não é uma caravana de migrantes, mas um novo movimento social que caminha para uma vida suportável Quando os líderes de opinião e os especialistas em mobilidade humana e relações internacionais descartaram a autoridade e a autonomia política de quem se move em colectivo, desafiando os trajectos do terror, perdemos a preciosa oportunidade de construir - replicando a imaginação política do que são os migrantes e os deslocados - um movimento político anti-racista no México.

Jogos Sem Fronteiras

07.11.2018 | por Amarela Varela

Um arquiteto Abaporu a desenhar “The Monumental Lighthouse Which the Nations of the world will Erect in the Dominican Republic to the Memory of Christopher Columbus”

Um arquiteto Abaporu a desenhar “The Monumental Lighthouse Which the Nations of the world will Erect in the Dominican Republic to the Memory of Christopher Columbus” Odiaria fazer qualquer discurso pós-colonial ou adotar qualquer outra estratégia para dar lugar de consolo a um troço qualquer, pois o que teríamos que aceitar aqui é uma evidência desconhecida apenas pela própria ignorância dos livros; sabe-se lá quais são as tantas razões que há. Prefiro não pensar no quanto nos tornamos preguiçosos e nos desvencilhamos da análise de fontes primárias, neste conforto teorizante de citar livros para provar aquilo que os novos livros querem escrever e buscam atualizar da historieta toda. Nada disso vem ao caso pois no achado do artista só vale entender a sua potência própria.

Vou lá visitar

07.11.2018 | por Afonso Luz

“A esquerda tem mostrado uma maturidade enorme para engolir sapos.”

“A esquerda tem mostrado uma maturidade enorme para engolir sapos.” É perigoso porque toda a diferença é estigmatizada. Se eu me considero superior moralmente e penso que uma família é um homem e uma mulher, tenho toda a justificação para liquidar os homossexuais. É uma lógica repressiva. O Brasil, ao contrário de outros países da América Latina, tem uma sociedade civil bastante organizada, com muitos movimentos sociais. É evidente que vai haver resistência. Há uma sociedade civil que não está desarmada social e politicamente. Nas últimas semanas houve uma mobilização extraordinária, que não foi suficiente, mas mostra um apego à democracia que o Latinobarómetro não previa.

Cara a cara

06.11.2018 | por Boaventura de Sousa Santos

Liberdade /diáspora a cronologia universal da descolonização da História

Liberdade /diáspora a cronologia universal da descolonização da História A presença assertiva, quase arrogante, e o dandismo performado pelos/as personagens retratados/as, demarcam as fotografias de Diop de uma qualquer humilde dignidade, expressão imagética da subjetividade colonizada que o racismo consente. Trata-se, sim, da mimese (mimicry) de que nos falava Homi Bhabha, aquela em que o fracasso na identificação narcísica com os modos de representação do colonizador, o carácter sempre inapropriado dos sujeitos coloniais, cria uma ambivalência que, num espelho cómico e trocista, perturba a autoridade encenada pelo discurso colonial.

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04.11.2018 | por Bruno Sena Martins

Irmãos de língua, a cultura brasileira ganha terreno em África

Irmãos de língua, a cultura brasileira ganha terreno em África No campo das artes procura-se atualizar as relações entre Brasil e África nesse olhar contemporâneo. E os artistas serão sem dúvida o maior veículo, como disruptores de uma mentalidade fechada, pouco descolonializada e preconceituosa, quebrando estereótipos e outra amarras, com a força criativa e resistente que se encontra em várias manifestações da cultura brasileira e africana.

Palcos

01.11.2018 | por Marta Lança

Manifesto do pau-brasil

Manifesto do pau-brasil A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos. O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança. Toda a história bandeirante e a história comercial do Brasil. O lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos. Comovente. Rui Barbosa: uma cartola na Senegâmbia. Tudo revertendo em riqueza. A riqueza dos bailes e das frases feitas. Negras de jockey. Odaliscas no Catumbi. Falar difícil. O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas selvagens. O bacharel. Não podemos deixar de ser doutos. Doutores. País de dores anônimas, de doutores anônimos. O Império foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gavião de penacho.

Mukanda

31.10.2018 | por Oswald de Andrade

Eleger tiranos democraticamente

Eleger tiranos democraticamente Resistir à tentação de trocar humanidade por segurança, de trocar disparidade por homogeneidade, de trocar o desencanto da modernidade pela canção das sereias fascistas. E essa luta travamo-la na nossa cabeça todos os dias. Travamo-la quando sentimos a tentação de falar em deportar brasileiros que votaram Bolsonaro ou quando sentimos a tentação de o defender porque ganhou umas eleições democráticas.

Mukanda

31.10.2018 | por Simão Cortês

A dissociação entre a verdade e a memória

A dissociação entre a verdade e a memória Quando a história e o dever de memória não são tratados com o devido interesse, a verdade instala-se facilmente como escolha pessoal. Uma vez acomodadas no discurso do poder, as “verdades” tornam-se impunes; são muitas vezes relevadas e raramente condenadas, apesar de veicularem um discurso de ódio. O ódio foi normalizado e propulsionou um radicalismo onde o “bem” luta contra o “mal”. O mal sendo mais uma vez o diferente, o Outro. Um discurso que não humanize o Outro autoriza a barbárie.

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26.10.2018 | por Fernanda Vilar

Exposição '⌾'

Exposição '⌾' Todas as obras presentes na exposição possuem conotações alegóricas, míticas, intuitivas e se utilizam de símbolos para emanar novas ideias e propostas de existência e relação, ativando tanto cosmologias ancestrais quanto situações históricas de resistência, luta e ativismo.

Vou lá visitar

21.10.2018 | por Catarina Duncan

A tessitura da memória

A tessitura da memória Obviamente, a pintura de Kaphar seria uma denúncia eloquente do racismo, mesmo se vista isoladamente e desprovida de qualquer contexto. Justaposta à fotografia de Papf, no entanto, ela assume uma outra camada importante, pois serve para lembrar e testemunhar a violência e a crueldade da escravidão até mesmo nos espaços mais íntimos e domésticos.

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18.10.2018 | por Paulo de Medeiros

Jimmie Durham e a mentalidade colonial no Brasil

Jimmie Durham e a mentalidade colonial no Brasil Ao questionar a história, Durham questiona a própria ideia de passado, e traz a tarefa de tratarmos de nossos traumas no presente. Ele não faz comentários sobre a arte brasileira especificamente, muito menos sobre nossa antropofagia cultural. O artista está interessado nas características e consequências da mentalidade colonial da sociedade brasileira.

Cara a cara

18.10.2018 | por Maíra das Neves

"Uma extensão da busca política por novas perspectivas", entrevista a Juliano Gomes sobre Vazante

"Uma extensão da busca política por novas perspectivas", entrevista a Juliano Gomes sobre Vazante será bem vindo um filme que possa reestudar a escravidão e colonialismo brasileiro a partir de matrizes estéticas e conceituais que emergiram com mais visibilidade nos últimos anos. Mas o filme histórico carrega em geral uma barreira financeira muito complexa de ser dissolvida, custa dinheiro, arte, fotografia, locações. Isso toca aquela questão do “poder falar de tudo”

A ler

16.10.2018 | por Michelle Sales