Acabado de chegar de Lisboa, Gonçalo M. Tavares discorre sobre a impossibilidade de fugirmos à nossa herança, o que faz com que qualquer viagem nunca vá além dessas fronteiras, por mais que se caminhe. Sobre se a viagem aumenta a nossa capacidade de sermos mais lúcidos, ou mais sensatos, o autor tem dúvidas, ainda que a ideia de viagem o entusiasme cada vez mais. Não havendo linhas rectas na natureza, o percurso mais directo entre dois pontos é uma invenção humana, e a passagem da linha recta terrestre à linha recta aérea marca, definitivamente, a ideia de viagem contemporânea. Eliminando o que está no meio, resta-nos o ponto de partida e o destino, e esse parece ser o fascínio da viagem actual, ao contrário do passado, em que a viagem era, essencialmente, o percurso.
A história da viagem é, segundo Gonçalo M. Tavares, a história da eliminação progressiva do percurso. E a viagem é, na verdade, o modo como se move (ou não se move) a nossa atenção; podemos calcorrear o mundo sem nunca sair do sítio, ou deslocarmo-nos sem sairmos do mesmo sítio.
Com Eduardo Sacheri, argentino, inauguram-se as participações noutras línguas. Feliz por toda a assistência o compreender, e depois das desculpas, habituais nestas coisas, por não perceber nem falar português, Sacheri confessa que não é um grande viajante e teme que isso seja um problema para a sua participação neste encontro. Ainda assim, lembra-se de uma grande viagem que iniciou há vários anos e que continua a empreender, a viagem como leitor. O que terá começado como uma forma de enfrentar o medo do escuro (com uma lanterna, que acendia quando o pai lhe apagava a luz e que o permitia ler durante várias horas, sem que ninguém desconfiasse) transformou-se numa viagem sem retorno definido e capaz de potenciar uma outra viagem, a da escrita.
Cadeirão Voltaire