Angola entra com lei pesada no combate às “fakenews”
Angola vai ter também legislação específica sobre a nova praga global chamada “fakenews”, tendo a proposta de lei com que o Executivo do Presidente João Lourenço pretende abordar esta problemática sido já remetida ao Parlamento para o devido tratamento legislativo.
A ser aprovada tal como a proposta foi elaborada, o futuro diploma terá a designação de “Lei Sobre Disseminação de Informações Falsas na Internet”.
A justificar esta iniciativa, pode ler-se na documentação que já terá dado entrada na Secretaria da Assembleia Nacional, o Governo angolano começa por destacar o “acentuado e elevado número de notícias falsas no actual contexto nacional e internacional, associado ao elevado crescimento tecnológico e consequentemente a expansão de novas plataformas de comunicação social, o que impõe a existência de um quadro legal regulador de notícias falsas, vulgarmente conhecida por fake news no território angolano, uma vez que existe uma notável insuficiência neste prisma de regulação”.
O governo angolano entende que apesar deste tipo de disseminação não ser um acontecimento recente, com a existência da Internet tudo se tornou mais rápido e eficaz, sendo insuficientes as “ferramentas tradicionais do direito” tendo em vista o seu combate.
Neste contexto considera-se urgente “a necessidade de se adaptar uma abordagem legal suficientemente abrangente e integrada das informações falsas ocorridas na internet”.
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Mário Oliveira, Ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (MINTTICS)
SECÇÂO II RESPONSABILIDADE CRIMINAL
ARTIGO 27.º
(Crime de Disseminação de Informações Falsas)
Aquele que disseminar intencionalmente informação falsa pela internet e cause dano significativo à ordem pública, direitos fundamentais, integridade individual ou à segurança nacional é punindo com: a) Pena de 1 a 5 anos, caso provoquem perturbação da ordem pública ou prejudiquem processos administrativos; b) Pena de 3 a 8 anos, quando a disseminação de informações falsas incitar o ódio, violência, discriminação, honra ou o bom nome; c) Pena de 4 a 10 anos, quando comprometam a segurança nacional ou a integridade de processos eleitorais. 2. Tratando-se de pessoa colectiva ou entidades equiparadas, ao crime previsto no número anterior são aplicadas as penas de multa entre 500 e 130 000 dias ou dissolução, sem prejuízo das penas acessórias estabelecidas na lei penal para as pessoas colectivas e entidades equiparadas.
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Em resumo, a proposta “estabelece os direitos e mecanismos de transparência na utilização das redes sociais e da internet, objectivando desestimular a disseminação de notícias falsas e protegendo os dados dos seus utilizadores”.
Como grandes objectivos a proposta adianta os seguintes:
“a) Fortalecer o processo democrático por meio do combate à desinformação e do fomento a diversidade de informações na internet em Angola; b) Responsabilizar as plataformas digitais por suas políticas de desinformação; c) Procurar elevar os índices de transparência sobre conteúdos pagos disponibilizados para o usuário; d) Desencorajar a utilização de contas inautênticas para disseminar desinformação nas aplicações de internet.”
Até aqui não há nada de especial que já não faça parte da literatura que circula sobre esta realidade global que tem estado a mobilizar os governos de uma forma geral numa perspectiva mais repressiva a apontar para um confronto com os proprietários das maiores plataformas digitais que dominam a Internet onde este fenómeno acontece e tem um maior impacto.
No caso angolano de um ponto de vista mais político chama particular atenção o artigo da proposta referente ao “direito à protecção contra a desinformação”.
Isto numa altura em que não é muito difícil perceber que uma grande parte da desinformação com conotações politico-partidárias que hoje circula nas redes sociais angolanas, onde o destaque vai certamente para os milhares de grupos do watsapp, está a ser claramente produzida pelos denominados “laboratórios do ódio” ou “milícias digitais” cuja localização na “geopolítica local” também não é de difícil identificação.
Antes pelo contrário, diante de algumas evidências.
Na verdade e a ter em conta o conteúdo destas “mensagens” existe uma relação muito parecida, permita-se a analogia, com aquela que hoje caracteriza a industria farmacêutica entre os medicamentos originais e os seus genéricos.
Qualquer pessoa com o mínimo conhecimento da realidade política angolana diante de uma destas “mensagens” por mais bem disfarçada que esteja de “genérico”, percebe logo qual é o “original” ou melhor qual é o “laboratório original” que orientou a sua produção e distribuição.
A movimentação deste tipo de desinformação onde os autores se escondem permanentemente atrás de nomes falsos é efectivamente um dos traços mais preocupantes da realidade mediática que se processa no espaço digital onde os angolanos se cruzam diariamente na casa das centenas de milhares/milhões.
Concretamente no que toca ao direito à proteccção conta a desinformação a proposta da lei refere, nomeadamente, que “o Estado deve proteger a sociedade contra pessoas singulares ou colectivas, de jure ou de facto, que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação.”
O projecto considera “desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja susceptível de causar um prejuízo público, nomeadamente, ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos.”
De forma ainda mais especifica o proponente deste projecto vai ao pormenor de considerar “informação comprovadamente falsa ou enganadora a utilização de textos ou vídeos manipulados ou fabricados, bem como as práticas para inundar as caixas de correio electrónico e o uso de redes de seguidores fictícios”.
O legislador teve ainda o cuidado de retirar desta listagem “os meros erros na comunicação de informações, bem como as sátiras ou paródias”.
Embora não tenha nada de relevante do ponto de vista do direito/liberdades fundamentais, não deixa de ser interessante no contexto angolano esta “absolvição liminar” do humor no âmbito da criminalização da desinformação.
Estamos a falar de um país onde as autoridades nos últimos tempos se irritam facilmente com tudo quanto ponha em causa a imagem do Executivo, sobretudo quando o alvo da sátira é a própria pessoa do Presidente João Lourenço, o que tem acontecido bastantes vezes na imprensa privada.
O maior problema que este tipo de regulamentação sobre a comunicação social enfrenta em Angola é o risco de virar letra morta por incapacidade institucional de implementar as suas disposições. Esta incapacidade começa até por ser política, ou seja, por estar relacionada com a famosa falta de vontade política traduzida algumas vezes na existência de dois pesos, duas medidas.
A proposta de lei que se está aqui a analisar refere a propósito que “todos têm o direito de apresentar e ver apreciadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERCA) denúncias contra as entidades que pratiquem os actos previstos [no diploma]”.
O que acontece é que ERCA criada em 2017 em substituição do anterior Conselho Nacional da Comunicação Social (1991/92) está praticamente “desaparecida em combate”, cerca de três anos depois do seu primeiro mandato ter expirado em Agosto de 2022, sem que até agora o processo de renovação da sua legitimidade tenha acontecido o que não deixa de ser um imbróglio que é no mínimo insólito, cuja resolução depende exclusivamente do Parlamento.
Enquanto se aguarde que a ERCA renasça das cinzas em que está mergulhada, independentemente da nova composição nominal que venha a ter, pois parece que é neste quesito que reside o imbróglio atrás referido, é ponto assente que esta Entidade muito dificilmente irá dar conta do recado que lhe está a ser atribuído nesta batalha contra desinformação na Internet.
Novidade mesmo neste projecto a alimentar alguma expectativa talvez seja o apoio que o Estado se compromete a dar “a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública.”