Sindicato dos Jornalistas Angolanos: uma história singular com mais de 30 anos a partir a pedra dura da democratização
O Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) assinalou no passado dia 28 de março mais um aniversário de uma organização que entrou para a história da própria democratização do país numa posição pioneira que já ninguém lhe poderá retirar, quando se falar de sindicalismo em Angola. Mas não só, O SJA também será chamado a testemunhar para a memória futura quando se falar da conquista da liberdade para todos que até então não havia, sendo o desempenho da média estatal - a única que existia - um bom espelho dessa realidade prenhe de omissões e manipulações, onde apenas se ouvia a tonitruante “voz do dono” e pouco mais.
Um sindicalismo que começou por ter como grande reivindicação a defesa intransigente do primeiro de todos os direitos fundamentais que é a liberdade de expressão sem a qual a liberdade de imprensa tão cara aos jornalistas mas não só, poderia ser o bem público que a todos serve, sem excepção.
É claro que, na prática, as coisas nem sempre são conforme estão escritas, sendo Angola um caso emblemático deste choque, que é permanente, do discurso com a realidade, do texto com o contexto.
Já é difícil encontrar uma constituição no mundo em que a liberdade de expressão/liberdade de imprensa não façam parte do seu catálogo de direitos fundamentais a que todos os cidadãos têm o mesmo direito de usufruir, faça sol ou faça chuva.
Tendo em conta o contexto político da época, a poucos meses da realização das primeiras eleições multipartidárias em Angola após 17 anos de monopartidarismo e de guerra civil, a entrada em cena do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, que nada tem a ver com o outro sindicato homónimo que existiu no tempo colonial, foi efectivamente um grande acontecimento que marcou a actualidade daqueles primeiros tempos da abertura política numa altura em que o Governo do MPLA e a UNITA de Jonas Savimbi já tinham assinado os Acordos de Paz de Bicesse. Passaram-se 32 anos desde que a 28 de Março de 1992 se realizou em Luanda a Assembleia Constitutiva do Sindicato dos Jornalistas Angolanos. Foi o culminar de um processo desafiador que envolveu, na sua génese, um reduzido grupo de profissionais que alguns meses antes tinha abraçado a ideia de mobilizar a classe em torno do que viria a ser o surgimento em Angola do primeiro sindicato independente. Em concreto está-se a falar deste tipo de actividade trabalhista fora da tutela da única central sindical, a União Nacional dos Trabalhadores Angolanos (UNTA) que até então controlava e enquadrava o sector que se encontrava dividido em dez sindicatos nacionais correspondentes a dez ramos de actividade sócio-económica, sendo um deles o da educação, cultura e comunicação social do qual faziam parte os jornalistas.
Numa altura em que o direito à greve estava proibido, o sindicalismo controlado pela UNTA, era o único permitido no país, em obediência à “filosofia leninista das correias de transmissão”. O Secretário-Geral da UNITA era membro do Bureau Político do MPLA. Este sindicalismo sem qualquer pendor reivindicativo, note-se, não passava de uma acção permanente de mobilização e organização dos trabalhadores no sentido de apoiarem entusiasticamente a implementação das políticas traçadas pelo partido no poder. O Governo encarregava-se de transformar a estratégia definida em planos executivos sectoriais no âmbito do regime de economia estatal centralizada que então vigorava em Angola, como consequência da opção socialista abraçada pelo MPLA-Partido do Trabalho em 1977 e que o humor dos angolanos rapidamente passou a designar por “socialismo esquemático”. Mesmo estando o país já na rota da abertura política, na sequência da assinatura dos Acordos de Paz de Bicesse, foi com cara de muito poucos amigos que na época foram sendo recebidas pelo regime as notícias de todo o processo que conduziu à criação do Sindicato dos Jornalistas Angolanos. O actual Secretário-Geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, Teixeira Cândido, o quarto dirigente na sua história desde Avelino Miguel (o primeiro), de Ismael Mateus e Luísa Rogério, resumiu por ocasião de mais este aniversário toda a trajectória da organização com as seguintes considerações: “O Sindicato dos Jornalistas Angolanos(SJA) nasceu com selo de morte. A acta constitutiva desapareceu no momento da sua proclamação, segundo relatos dos seus “Founding Fathers”. Os seus Estatutos Orgânicos tiveram de aguardar por 28 anos para serem publicados em Diário da República o que apenas aconteceu em 2018 e sem qualquer explicação.” Teixeira Cândido recordou que era impensável nos seus primeiros anos o SJA possuir representações sobretudo nos órgãos públicos, que eram e continuam a ser os que mais empregam jornalistas. Para o Secretário-Geral do SJA, que já vai no seu segundo e último mandato, após estas mais de três décadas de vida activa da organização que dirige, hoje “os tempos são outros, de maior tolerância, porém, os preconceitos assim como a tentativa de se conotar os seus responsáveis a interesses inconfessos ou políticos (não se percebe qual seja o conceito de político) continuam tal como no primeiro dia.”
De facto a proclamação do SJA há 32 anos não foi uma boa notícia para muita gente em Angola que viu na independência do projecto uma ameaçadora ruptura com o sistema monolítico que era preciso abafar o mais rapidamente possível, pelo que tudo foi feito nos bastidores para bloquear a sua acção junto dos jornalistas e da própria sociedade. Impossibilitado de desenvolver acção sindical directa nos locais de trabalho, a direcção do Sindicato limitou-se nos seus primeiros dez anos de vida a denunciar os ataques à liberdade de imprensa em Angola a par de outras acções de advocacia e promoção dos direitos fundamentais.Entretanto estes primeiros dez anos, entre 1992 e 2001 foram marcados pelo surgimento e afirmação em Luanda dos primeiros jornais independentes, todos eles semanários, a par de algumas rádios, onde o destaque vai, certamente, para o ressurgimento em 1997 da Emissora Católica de Angola. Alterou-se assim e de forma substancial o panorama mediático em prol do pluralismo e do profissionalismo, tendo assim a politicamente controlada e motivada média pública deixado de ser a única fonte de informação que as pessoas tinham ao seu dispor, com todas as consequências positivas que esta evolução teve para o estado da liberdade de imprensa em Angola.
Numa declaração produzida em 2001, o Sindicato dos Jornalistas Angolanos reconhecia que a sua acção sindical não se tinha desenvolvido “da forma mais satisfatória, a traduzir antes de mais, a permanência de uma conjuntura politico-institucional hostil, num país onde a maior parte da classe continua a ter como entidade empregadora o Estado.” No âmbito desta declaração foi manifestada a intenção de se relançar a actividade do SJA “com a participação de todos quantos, há cerca de dez anos, subscreveram este projecto sindical, com a certeza de que o mesmo era, e continua a ser, a solução ideal para em conjunto resolvermos os nossos problemas enquanto classe trabalhadora; uma classe com responsabilidades muito particulares na gestão de um dos direitos democráticos fundamentais do nosso tempo: a liberdade de imprensa.”
Com esta declaração foi feita convocatória da Segunda Assembleia Geral do SJA que ficou assim marcada para Março de 2002 sob o lema “Unidade e Profissionalismo pela Dignificação da Classe”. É dito na declaração que a intenção era “realizar uma Assembleia Geral que marque o renascimento do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, com a força e o respaldo de toda a classe, pelo que estamos apostados na realização de um Congresso o mais aberto e abrangente possível, em moldes que a documentação especifica irá claramente definir e regulamentar.”
Depois de 2002, há um render da guarda na direcção do Sindicato com a entrada em cena do Ismael Mateus, tendo a partir dessa data a actividade sindical propriamente dita conhecido uma outra dinâmica com a implantação dos primeiros núcleos sindicais ao nível das empresas de comunicação social.
Muito mais haveria certamente para dizer destes 32 anos que o Sindicato dos Jornalistas Angolanos já leva nas suas pernas, num ano bastante desafiador para o futuro da organização pois haverá um novo render da guarda, considerando que o actual SG, Teixeira Cândido, já não se poderá recandidatar, pois os estatutos só permitem dois mandatos consecutivos.
Teixeira Cândido que vai certamente ficar na história do Sindicato como tendo sido até agora o seu mais dinâmico e combativo Secretário-Geral, não esconde as suas preocupações em relação às novas ameaças que pairam sobre a histórica organização que herdou.
Ele fala mesmo de exercícios em curso que fazem parte de “intenções não sossegadas de se deitar abaixo o Sindicato dos Jornalistas”, numa alusão ao passado quando o SJA foi constituído.
Para Teixeira Candido “o Sindicato dos Jornalistas Angolanos continua fiel ao seu objecto ontológico: defender a Liberdade de Imprensa e os Direitos Laborais dos seus filiados. Liberdade de Imprensa significa diversidade de órgãos e pluralidade de opinião em cada órgão de comunicação social. Ou seja, a presença de diversas vozes sobre o mesmo assunto.”
O Secretário-Geral do SJA aproveitou a oportunidade de mais este aniversário para reiterar a necessidade da independência como trave mestra de toda a movimentação profissional dos jornalistas.
“Independência dos órgãos (face ao poder político e económico) e dos jornalistas face às fontes de informação. Dito de outro modo, só é jornalismo quando oferece ao cidadão todos os factos de interesse público, reunindo todas as partes com interesses atendíveis. Essa é a essência do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, legada pela Declaração de Windhoek de 1991, a mesma que sustenta o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Essa é a Liberdade de Imprensa que o SJA professa ontem como hoje, sem alterar uma vírgula, e qualquer jornalista que se identifique como tal não pode professar outra.”