Moi, un blanc. Exposição de José Pedro Cortes

No título da exposição está todo um programa e uma teoria privada do autor relativamente à fotografia: Moi,un blanc (Eu, um branco). E poderíamos continuar a frase subentendendo todo esse programa timidamente enunciado: Eu, um homem branco viajei para África e dentro deste enorme continente viajei no interior do Mali, um país da costa oeste atravessado pelo mítico Rio Niger. Este era um dos rios que, até princípios do século XIX, dele pouco se sabia e o que se contava eram lendas relativamente ao seu traçado, à sua fauna e flora bizarras, à possibilidade de estar ligado ao Nilo. Mas foi durante séculos um rio indomável, desconhecido tanto mais porque era uma das entradas para o interior da África Negra desconhecida. A história desta região onde agora fica o Mali é uma história de riquezas arqueológicas do período rico e glorioso da África pré-colonial de uma região agrícola riquíssima e por onde passava a rota do ouro com cidades majestosas como Timbakte. Hoje é um dos países mais tranquilos desta região de África.

Foi por aqui, por estas terras, que José Pedro Cortes viajou.

O termo deve ser preciso: viajou com a consciência de que ele era o homem branco que atravessava estas terras, que viajava por aquelas estradas nos “chapas” ou a pé; o termo deve ainda precisar que esta consciência de ser o branco visitante o aproxima do perfil dos primeiros etnógrafos curiosos e generosos como Jean Rouch, por exemplo, que por ali andou e muito filmou em meados dos anos 50 do século passado. E onde se diz que neste enunciado existe um programa e uma teoria privada diz-se da postura recatada das tomadas das fotos, da ausência da espectacularidade ou, mais ainda, do reforço do investimento do fácil exótico. E a teoria privada afirma também de uma fotografia que “espera”, de uma fotografia vagarosa. Tomar cuidado é um termo renascido pelo filósofo Stigler e basicamente diz que, em relação aos outros que conhecemos, ou com quem começamos a lidar, a primeira postura deve ser a do tomar cuidado, estar atento ao outro ainda antes de o questionar ou inquirir, mesmo que seja pelas melhores razões. É isto que é visível nas fotos de José Pedro Cortes. Mas falemos também desse lado - poderíamos dizer - técnico, desta fotografia e tomemos em atenção que o formato das fotos e a tomada da mesma é coerente com o programa: as fotos são planos distanciados o suficiente para que não haja intrusão do fotógrafo no campo; as fotos guardam o ambiente do fotografado no seu enquadramento, as fotos contribuem para a dignificação das personagens numa região sobre a qual os clichés da pobreza, da miséria e da doença são abundantes. 

Uma das constantes que atravessa toda a literatura de viagens sobre África e aquela que afirma da pujança da natureza que tudo absorve, que na sua omnipresença se torna a entidade mais importante de África; com a sua complexa e ambígua natureza má e boa simultaneamente, acolhedora umas vezes e mortal outras. Dessa natureza, neste caso bondosa, temos vestígios nas fotografias de José Pedro Cortes, seja na praia imensa que acolhe um casal correndo, seja na presença das árvores, da terra, das plantas sempre presentes nos quintais e no horizonte. E tomemos as cores. Durante anos foram os próprios fotógrafos africanos que se interditaram fotografar a cor. Talvez para não competirem com as cores que os circundavam por todo o lado. Agora há uns anos, as gerações mais novas já se atreveram a fotografar as cores e o fotógrafo não resistiu, não poderia resistir a esta festividade de cores, a tanta composição que a ele se lhe é dada como oferta e que de algum modo traduz um outro ambiente das terras de Mali e que é a música. Todo o Mali é cheio de música e de músicos e se nestas fotos do fotógrafo não há nenhuma foto de música, ela está presente no sopro que afasta a cortina da porta, no cavalgar do muro, no retrato de perfil (um sussurro contra a palma da mão), na geometria da camisa de um retratado. 

Há, finalmente, um gesto fotográfico de enorme subtileza e de delicadeza. Trata-se da foto do estúdio onde o fotógrafo Malick Sidibé desde a década de sessenta faz retratos dos seus conterrâneos. São notáveis as suas fotos de retratados a sós ou em pequenos grupos, vestidos de roupas de dança ou domingueiras, que ali foram retratados naquele pequeno estúdio que não tem mais do que oito metros quadrados. O cenário pouco varia: o chão aos quadrados ou negro ou branco e atrás do banco um ciclorama rudimentar com três opções de cenário. Por ali passaram milhares de malinianos e não só, várias gerações de africanos que e por orientação de Malick deviam posar alegres expressando a felicidade. Não há ninguem a posar nesta foto do estúdio “roubado” a Malick Sidibé por José Pedro Cortes. Entenda-se como uma enorme homenagem ao fotógrafo africano e aos seus retratados. 

José Pedro Cortes 

Porto, 1976. Vive em Lisboa. Frequentou o Ar.co, realizou em 2004 o Master of Arts in Photography no Kent Institute of Art & Design (UK) e, em 2006, o Programa Gulbenkian de Criatividade e Criação Artística (Fotografia). Expõe regularmente desde 2004, sendo de destacar as exposições individuais no Museu da Imagem de Braga (2006), no Centro Português de Fotografia (2006), na White Space Gallery (2006, Londres) e Módulo – Centro Difusor de Arte (2008). Em 2006 publicou o seu primeiro livro “Silence” e em 2011 será publicado o segundo, “Things here and things still to come”, sobre um trabalho feito em Israel. O seu trabalho está representado nas colecções do BES Art, Fundação PLMJ, Colecção Américo Santos e Colecção Nacional de Fotografia/Centro Português de Fotografia, e é representado pelo Módulo – Centro difusor de Arte e White Space Gallery (UK). É também fundador e co-editor da editora de livros de fotografia Pierre von Kleist editions, tendo sido editado já 7 livros, entre os quais está a reedição do “Lisboa, cidade triste e alegre”, de Victor Palla e Costa Martins.

Moi, un blanc de José Pedro Cortes 

12 de Março – 18 horas. Patente até 12 de Abril 

Módulo – Centro Difusor de Arte 

Calçada dos Mestres, 34 A/B, Lisboa (a Campolide) 1070-178 Lisboa. T: 213885570 email: modulo@netcabo.pt 

por António Pinto Ribeiro
Cara a cara | 11 Março 2011 | Fotografia, José Pedro Cortes