O tratamento dado à informação sobre África pelos Media
Programador Geral: António Pinto Ribeiro
Coordenador: Fátima Proença
24 Nov 2012 - 10:00 – 18:00
Aud. 3 da Fundação Calouste Gulbenkian
Entrada livre
No tratamento da informação sobre África pelos media tende a predominar uma visão de ’história única‘, de que nos fala a nigeriana Chimamanda Adichie. Esta 3ª edição do Observatório de África e da América Latina, organizado em colaboração com a ACEP, procura ser um espaço de uma multiplicidade de histórias, questionando velhos estereótipos, pondo em contacto diferentes abordagens e novos projetos: sinais de relacionamentos novos?
Fátima Proença, coordenadora da 3.ª edição e diretora da ACEP
10h00 – Abertura pelo Programador, António Pinto Ribeiro
Moderadora: Fátima Proença
Richard Kapuscinski: “em campo e no terreno”, por António Pinto Ribeiro
Richard Kapuscinski, jornalista polaco, foi pioneiro na tentativa de produzir outra informação sobre os países africanos. A partir de 1957, começou a viajar para África utilizando percursos e rotas pouco oficiais e, durante 40 anos, escreveu dezenas de textos sobre as pessoas, os países, a flora, a fauna, as guerras, os militares, as fronteiras… e acompanhou a evolução de muitos destes países na solidificação das suas independências e das múltiplas deceções que as mesmas também geraram para muitos povos. Fê-lo, às vezes, com enorme fantasia, como recentemente a sua biografia veio confirmar e, contudo, a sua produção textual não deixa de ser ambivalente. Por um lado é um jornalista ‘em campo’, um jornalista ‘no terreno’ e, por isso ou apesar disso, o seu legado é também o de um olhar europeu a descrever um continente a arruinar-se no final do século passado. Mas uma frase como «Acima de tudo salta à vista a luminosidade. Luz por toda a parte. Claridade por toda a parte. Sol por toda a parte», com que inicia a sua obra Ébano, é um modo único de afirmar África.
A ilusão da África conhecida, por Elísio Macamo
A ideia será sugerir que a imagem de África, que é veiculada pelos meios de comunicação de massas, mas também por uma boa parte da comunidade académica e da ’indústria do desenvolvimento‘, tem todos os traços de uma ilusão. A veracidade do que se diz sobre África assenta mais na plausibilidade (que se alimenta do senso comum, estereótipos e argumentos de autoridade não verificados) do que num conhecimento factual sólido. É fácil, por exemplo, obter a aprovação duma afirmação que explica o insucesso de um projeto de desenvolvimento com recurso à corrupção (porque toda a gente sabe que em África há muita corrupção) do que suscitar o interesse na discussão dos limites dessa ’explicação‘. O meu interesse por esta temática vem da constatação das limitações metodológicas da pesquisa em estudos africanos que, nos últimos anos, tem dependido muito da plausibilidade.
11h00 – 11h20 Pausa para café/chá
África não é um país, por Lola Huete Machado
A África é um chavão nos órgãos de comunicação e entre a população em geral. O leitor médio procura estereótipos. E nós oferecemos-lhos de mão beijada. O continente africano, o nosso vizinho, é um lugar imaginário onde só colocamos catástrofes, pobreza, ditadores sádicos, homens obscuros que chegam em frágeis embarcações à nossa costa para nos roubar, mulheres exóticas e, de vez em quando, uns músicos cheios de ritmo que põem toda a gente a dançar. A África ou é um safari ou é uma guerra. Ou nos mete dó e medo ou a ignoramos. Um reducionismo lamentável, no qual nós, os jornalistas, também temos a nossa quota-parte – e que o escritor Binyavanga Wainaina evocou no seu famoso artigo ‘Como escrever sobre África’ – dificilmente superável nas próximas décadas. Porque, como é óbvio, África é tudo isto e muito mais.O Ocidente, de modo geral, nunca esteve interessado em tratar de igual para igual um continente de mil milhões de habitantes que ainda ontem eram colónia. E, na Europa, continuamos a encará-los e tratá-los dessa forma. Até agora, além disso, os africanos careciam de meios ou canais de comunicação de massas que lhes permitissem contar a sua própria história e negar ou matizar a de outros. Mas as coisas mudaram na última década: a Internet, os telemóveis e as redes sociais arrasam. As novas tecnologias permitem uma comunicação mais fácil e rápida, mais horizontal e igualitária. Os africanos querem contar a sua própria história. Ter voz num mundo global. E lançaram-se a este caminho apaixonadamente. De repente, a marca África está a mudar de visual.
12h20 – 12h30 Debate
12h30 – 14h30 Pausa para almoço
Moderador: António Pinto Ribeiro
De que áfricas nos falam as imagens?, por Fátima Proença
Se «na maneira moderna de saber, tem que haver imagens para que uma coisa se torne ´real`» (Sontag), o inverso – ou seja - tudo o que nos chega em imagens pode adquirir automaticamente o estatuto de ´real`. E por analogia, ou mero senso comum, passa à categoria de ´verdade`.
Temos, por adquirido, o direito à informação de qualidade, como elemento indispensável da relação que estabelecemos com o mundo desconhecido. Esses fragmentos de ´real` e de ´verdade` passam, assim, a fazer parte do que ´sabemos` dos outros – pessoas, sítios, culturas, países. Neste contexto, a proposta de reflexão consiste em que o debate sobre a função social dos media - na era do mercado da informação e do espetáculo das imagens - seja uma outra forma de olhar o debate sobre serviço público e a cidadania global.
Influências governamentais e empresariais na produção de notícias em África, por José Gonçalves
A produção de notícias num grande número de países africanos permanece marcada pelas regras impostas durante os períodos de partido único, facto reforçado nos casos de grandes desequilíbrios entre forças político-sociais. Tais regras não se aplicavam via comissões de censura como em ditaduras europeias ou latino-americanas, mas pela limitação do número de órgãos de comunicação social e pela seleção dos jornalistas, segundo critérios de fidelidade ao poder. As aberturas políticas verificadas, desde a década de 1990, alteraram diversos perfis, permanecendo um clima de pressão em países onde mencionar corrupção nas ’altas esferas‘ ou apresentar notícias desfavoráveis a Chefes de Estado, ainda constitui um risco, seja pela intimidação ou ameaça financeira.O número de casos fora deste contexto, porém alarga-se. Países como a África do Sul, Namíbia, Senegal, Benim, Ghana, são exemplo de liberdade de expressão com reflexos diretos na produção de notícias segundo critérios universalmente aceites.
Outra componente importante da produção de notícias em África - como em outros continentes - está relacionada com o grande tema de inserção: política interna, política internacional, economia ou guerra, quer exista internamente ou em países vizinhos. O primeiro destes temas é o mais sensível e, o último, dá lugar a precauções para evitar a acusação de incitamento. No caso do Mali, a eclosão de guerra introduziu um poderoso elemento de intimidação nos media de todo o país.
15h30 – 15h50 Pausa para café/chá
Edições Barzakh, por Sofiane Hadjadj
No dia-a-dia, o meu trabalho consiste em dar conta do mundo, do real, editando em Argel ensaios e romances. Num contexto político, económico e social conturbado – desde a célebre ’Primavera árabe‘ aos diversos conflitos que grassam por África – onde escasseiam as liberdades. E não deixo nunca de me interrogar acerca do sentido da minha profissão. Sou constantemente compelido a justificar os meus atos: qual a utilidade de publicar livros? E que livros? Escrever e editar constituem para mim duas formas de resistência perante as desordens do mundo: resistir às proibições, resistir às instrumentalizações, resistir ao desespero.Mas, em meu entender, a questão essencial é saber que ideias almejamos promover, que histórias pretendemos contar aqui na Argélia, ou seja no Norte de África, que pertence ao mundo árabe. Se é não só aquilo que ‘pretendemos’ mas ainda aquilo que ‘podemos’.O pensamento ou a ficção não são neutrais. As ideias, as histórias, são testemunhos daquilo que somos, daquilo que vivemos, do nosso imaginário, isto é da nossa capacidade para nos libertarmos de cangas ideológicas e de nos projetarmos para horizontes abertos.Atualmente, dadas as recentes reviravoltas, procuro pensar naquelas que poderiam ser as ‘novas’ ideias, as ‘novas’ narrativas que, de outra maneira, contariam África, o mundo árabe, distanciando-se tanto quanto possível dos clichés sobre o terrorismo, a pobreza ou as mulheres; estando nós no cruzamento de tantas influências (Mediterrâneo, Saara, Europa, Islão…), como será possível inventar novos sonhos.
AtWork, por Katia Anguelova
O incipit do AtWork é a expressão da vontade, por parte da fundação sem fins lucrativos lettera27, de criar um projeto sobre África que reflita a nossa relação, quer com o território, quer com o Outro, ao abrir espaços de pensamento que contribuam para a evocação de uma diferente imagética daquele continente. Não existindo aqui uma lógica centralizada, mas sim uma série de micrológicas, cujo conjunto constitui o seu tecido social, as atividades promovidas pelo AtWork obedecem a uma trajetória semelhante. Partindo de um conjunto de art notebooks, vários artistas criam obras de arte únicas em cadernos Moleskine. O projeto AtWork visa desenvolver-se em diferentes capítulos escritos no continente africano, seguindo uma experiência in vivo que evolui segundo o narrador e que a cada instante se constrói sobre os objetivos já alcançados. Trata-se de um processo em permanente mutação, moldado pelas experiências das pessoas que o escrevem, e que resulta num instrumento que não tem por intenção a definição de uma história, mas a de propor sistemas dinâmicos de interação com o público.
16h40 – 17h00 Debate
17h00 – 18h00 Conclusões finais