Em 1998, Portugal ainda era a ex-metrópole naïve que festejava os Descobrimentos na inconsciência de que haveria uma ressaca do dia seguinte, e de que até o Padre António Vieira se tornaria tóxico. Vinte anos, algum pós-colonialismo e muito kuduro depois, África tornou-se um sujeito e um objecto recorrente nas práticas artísticas que irradiaram de Lisboa para o resto do país — ou, nalguns casos, do resto do mundo.
Jogos Sem Fronteiras
10.12.2020 | por Inês Nadais
'Cacheu Cuntum' apresenta em imagem o que nem a distância, nem o tempo, nos permitiram até hoje compreender, acerca da percepção que o povo bissau-guineense tem sobre o seu passado. Falo de um passado velado por inúmeras falsidades geradas pela ocupação territorial no período da escravatura e colonial. Esse passado quer-se resgatar através da impressão e fixação de um renovado registo vivo, daquilo que é o cotidiano atual e “metaficional” daquilo que poderia ser a reminiscência dos que resistiram à opressão ao longo de 4 séculos de ocupação e exploração desumanas.
Afroscreen
13.11.2020 | por Welket Bungué
O fato das categorias de gênero ocidentais serem apresentadas como inerentes à natureza dos corpos e operam de maneira dicotômica – binariamente opostas masculino/feminino, homem/mulher -, em que o masculino é considerado superior em relação ao feminino e, consequentemente, a categoria definidora, é particularmente exógeno a muitas culturas africanas. Quando as realidades africanas são interpretadas com base em demandas ocidentais, o que consideramos são distorções, disfarces na linguagem e, muitas vezes, uma total falta de compreensão devido à incomensurabilidade das categorias sociais e institucionais.
Corpo
05.11.2020 | por Bas ́Ilele Malomalo
Europa, queria começar por enviar-te cumprimentos, mas vais ter de perdoar-me, porque neste momento estou em tormentos cujo comprimento é imenso; tormentos tão velhos como este lamento que me risca o peito e me deixa neste leito, desfeito, em trejeito de dores lancinantes que enlaçam as partes que lançam ares salutares nestes esgares que mostram os meus desaires. Pois tu, tu tudo fazes para que tu e a África não sejam pares. Nunca serão comadres, Europa, enquanto desejares que a África continue à tua sombra… sabes…
Mukanda
26.10.2020 | por Marinho de Pina
No presente, porém, essa população miscigenada de forma forçada e violenta não encontra respaldo, nem reconhecimento por parte da elite política e econômica do país, que ainda reproduz comportamentos enraizados de discriminação dos afro- descendentes, sem esquecer que o primeiro grande contingente de escravos trazido a Portugal
A ler
11.07.2019 | por Miguel de Barros
Atravessar fronteiras físicas e disciplinares é uma vocação de Achille Mbembe. A temática da passagem e do movimento é, aliás, uma chave para a sua compreensão da história e da cultura africanas. A sua perspectiva sobre o passado, o presente e o futuro de África implica ao mesmo tempo traçar uma genealogia da modernidade europeia, das categorias do pensamento que ela construiu, da racionalidade e da historicidade da figura do negro.
Cara a cara
19.12.2018 | por António Guerreiro
“Afrotopia é uma utopia activa que procura no real africano os diversos espaços do possível e os fecunda”. Não defende nem o afro-pessimismo (que olha para o continente como estando à deriva), nem o afro-euforismo (que olha para África como o futuro económico). Qual será o lugar de um afrotópico? “O realismo”, responde.
Cara a cara
08.05.2018 | por Joana Gorjão Henriques
O que muda significativamente não é de facto a diferença da categoria violência, real e simbólica, sobre a qual se fundam estes espaços africanos, mas a da visibilidade que essa violência adquire quando falamos da pós-colónia, fazendo emergir uma possível leitura sobre as duas orfandades de África – por um lado, a da colonização e, por outro, a da Guerra Fria, que geraram sistemas de representação diferentes, mas unidos pela desapropriação, a violência e o extrativismo. De que tipos de continuidades e descontinuidades estamos então a falar nestas narrativas?
A ler
19.06.2017 | por Margarida Calafate Ribeiro
Mesmo nas filmagens correu tudo espantosamente bem. Mas houve também muito cuidado da nossa parte. Estávamos em terreno desconhecido, com hábitos particulares. É preciso ter sensibilidade e ter em conta tudo isso. Tivemos sempre essa preocupação: não era chegar a um sítio e filmar tudo o que nos apetecia como se estivéssemos à porta de nossa casa. Não agimos assim. Tento sempre filmar da mesma forma que filmaria aqui numa aldeia: falar com as pessoas primeiro e perceber que espaço tenho para fazer o que gostaria, e adaptando-me sempre a essas sensibilidades. E fazendo assim as coisas acabam por correr bem.
Cara a cara
14.03.2017 | por Mariana Pinho
A série foca-se no ciclo africano do império português, e esse é um século marcado por violência. O colonialismo é uma forma de violência, uma forma de domínio de sociedades que eram dominados pela superioridade militar, técnica e económica das civilizações europeias. E esse domínio exerceu-se de forma violenta. Restringindo e esmagando os direitos das populações autóctones e imponde-lhes um modo de produção injusta, de forma a assegurar a acumulação do sistema colonial.
Cara a cara
06.03.2017 | por Mariana Pinho
Mariana Pinho escreveu um artigo sobre o nosso espetáculo, ZULULUZU, a que deu o nome de “Zululuzu: é isto, é aquilo? Ai não pode ser”. Não temos por hábito reagir ao que se escreve sobre o que fazemos, mas discutindo-se no espetáculo as questões e políticas de identidade, onde se dialoga com normas e convenções, e notando nós nesta leitura de Mariana Pinho a gramática de uma ontologia dominadora que estrutura a opressão contínua dos diversos esquemas sociais, decidimos redigir este texto.
Palcos
11.10.2016 | por Teatro Praga
Aqui o dispositivo teatral de representação surge como um constante “piscar de olho” ao espectador: os actores representam perante o público de espectadores – frente-a-frente – criando uma espécie de cumplicidade com os mesmos. Cumplicidade essa que nos vai tentando mostrar sim, estão a ver? Nós sabemos que vocês também sabem. Esse formato interactivo que montam com o espectador acaba por definir as regras do jogo que estamos a ver. Se num primeiro momento deixavam espaço para pensarmos essa imagem de África que temos na cabeça - e que até aí não associámos ao Pessoa - aqui, a literalidade visual, revestida de provocação, somada ao tom de denúncia permanente, fazem com que se perca esse espaço de reflexão autónoma e desilude nesse clássico tom de sobranceria perante as evidências.
Palcos
03.10.2016 | por Mariana Pinho
Nesta viagem há condições: o percurso é ditado pelo que se busca na paisagem, a época deve ser a da floração, ao mesmo tempo que evitamos a estação das chuvas, os improváveis são presumíveis — os do caminho e das pessoas (como não?) — seguimos uma espécie de guião da natureza, e à narrativa composta por materiais diversos se juntará a fluidez, unidade e ritmo que faz o filme acontecer.
Vou lá visitar
01.09.2016 | por Marta Lança
Nestas comunidades de afrodescendentes há uma ansiedade de mudança. Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo, reconhece que, após mais de duas décadas de luta pelos direitos das minorias, “ficou muito por fazer. Não se entende porque, no século XXI, nós ainda, por exemplo, estejamos a discutir se a lei da nacionalidade, em Portugal, tinha de ser na base do direito de sangue ou no direito de solo”, afirma.
Cidade
19.04.2016 | por Carla Fernandes
Era um abril chuvoso. A estiva agitada no cais de Salvador. Não era um bom dia para partir. Alzira estava lá, pronta. Bagagem bem ajeitada em malas de couro e ferro feitas no Taboão. Resistiriam bem àquela rota mítica tantas vezes navegada. Lagos era a meca dos negros da Bahia. Ao menos para aquela intelligentsia que conhece sua história e sua civilização. Ela envaidecida. Tal como outros distintos, conheceria Lagos, Alzira mesma, com todos os seus sentidos. Também ela desfrutaria daquela aura.
O livro "Alzira está morta" será lançado a 14 de abril no Hangar, Lisboa.
Mukanda
14.03.2016 | por Goli Guerreiro
Ao olharmos as manchas de cores do mapa, cola-se imediatamente a esse olhar uma longa corrente de histórias que escutamos ditas baixinho ao ouvido: zonas de confiança e perigosas, bons e maus, o inóspito e o confortável, aliados e suspeitos, o moderno e o sujo, 1o, 2o, 3o mundo. Não só se cristalizou o desenho em que a Europa aparece maior do que é na realidade e se encontra no centro superior do mapa, como se tentou cristalizar o dogma da superioridade europeia, local onde supostamente se encontra o diapasão que emana o tom a partir do qual todo do mundo deve afinar.
A ler
22.02.2015 | por Nuno Milagre
Por volta de 1968 ou 1969, já tinha a ideia de que estava a fazer uma biblioteca sobre a história de África. Primeiro, era a África de língua portuguesa. Depois, por causa do meu interesse na escravatura, toda a África. E depois, também a Europa, por toda a interligação.”
Nessa altura, os livros sobre África não eram caros, porque poucas pessoas se interessavam por eles. Quando os europeus entenderam que África iria ter importância e que seria preciso compreender as culturas africanas, isso mudou. Então, deixou de fazer contas.
A ler
15.01.2015 | por Susana Moreira Marques
Este texto restitui e põe em causa uma certa relação que o locutor africano francófono tem face à língua francesa. Procura «humanizar» o francês, fazê-lo descer do pedestal em que tem sido colocado para o trazer às suas justas proporções. Sobrevalorizado sob certos céus africanos, o francês possui, efetivamente, todas as características de um mito poderoso: constitui um sinal exterior de saber, confere prestígio e abre as portas do poder. Por essa razão, é necessário desmistificá-lo para pôr a nu o «veneno mortal» que encerra.
A ler
15.12.2014 | por Khadim Ndiaye
. Um belo poema ao amor que encontrei logo, e exactamente ao lado aqui mesmo virado ao olho, espanto meu afinal... lá vem África tão felizmente longe-longe, bem congelada lá na época que caçou todo o imaginário, quem diria ainda preso aqui, criadas e cantáridas, meninos brancos desejosos e abandonados.
O depois da iÁfrica terá morrido, seu passado existido teria não.
Não se sabe – zumbis, cenário, palco, intervalo, alívio, reverso, personagens mudas, ecos, ecos – não se sabe.
A ler
24.09.2014 | por Branca Clara das Neves
Em África, o mercado agro-alimentar representa mais de 35 mil milhões de dólares: a “revolução verde” já começou. Além do papel da mulher na investigação agro-alimentar, Moçambique tem sido também um “estudo de caso”, exemplo do que se tem passado a nível de investimento, corrida à concessão de terras e aumento da produtividade agrícola.
A ler
29.07.2014 | por Raquel Ribeiro