No seu poema “Moças das Docas”, Noémia de Sousa lança o seu olhar sobre as mulheres moçambicanas, em particular as que trabalham nas docas nos negócios do prazer, i.e., as prostitutas. Todavia, essa centragem é também sobre a sua própria condição de mulher, dado que a poeta se inclui na categoria das fugitivas do poema. Com efeito, Noémia abre o poema da seguinte maneira “Somos fugitivas de todos os bairros de zinco e caniço/Fugitivas das Munuanas e dos Xipamanines”, o que nos oferece duas pistas de leitura. A primeira é que Noémia se inclui nas mulheres de que o poema fala e se solidariza com as mulheres nele contidas. A segunda é que estas mulheres são provenientes de bairros de lata onde a pobreza grassa. Arrastadas pelas suas próprias circunstâncias de vida (são pobres e estão desesperadas), são forçadas a prostituir-se.
A ler
04.01.2021 | por Ana Sofia Souto
Mulher negra, lésbica, socialista, mãe e feminista, Audre Lorde escreveu a partir da sua própria posição de “outsider”; como alguém que com frequência se via fazendo parte de algum grupo no qual era definida como “difícil”, “inferior” ou “errada”. Com a compreensão de que as opressões se acumulam sobre as pessoas de forma não hierarquizada, ela confronta, nesses textos, a “inabilidade de reconhecer o conceito de diferença como uma força humana dinâmica, mais enriquecedora do que ameaçadora para a definição do indivíduo quando existem objetivos em comum”.
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22.12.2020 | por Audre Lorde
No século XVII, freiras portuguesas amantes da literatura criaram uma relação especial com uma religiosa erudita do México colonial, Sor Juana Inés de la Cruz. Com poesia e enigmas de amor, defenderam o direito das mulheres ao conhecimento. Os escritos das religiosas ganharam pó por 300 anos na Biblioteca Nacional, em Lisboa. Até que um investigador tropeçou nas folhas soltas.
Corpo
21.08.2020 | por Pedro Cardoso
Da Lisboa conhece os podres, os esquemas, o pessoal: músicos, bêbados, jornalistas, noiteabundos e lunáticos. E há a cidade sem solidariedade, povoada de sacanas, onde os cigarros arranham mais mas, por outro lado, o fado, o bitoque, a tasca, o rissol e o tremoço sabem mais familiares. O poeta diagnostica a superficialidade — “essa capa fina e invisível” — das pessoas giras, a cultura de plástico, o espectáculo e fetichismo do mercado que nos toldam como animais inofensivos e desejantes, atravessando-lhe o sarcasmo pós-moderno que se auto-satiriza. As estrelas caem de cadentes, roucas de tanto gritar.
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06.04.2020 | por Marta Lança
Odete Semedo e Eneida Nelly deixam seu legado propondo obras escritas em crioulo, revelando as suas vivências e exaltando a terra natal. Fazem emergir um olhar sobre dois países africanos pouco estudados no Brasil, buscando apresentar um apanhado da complexa rede de relações que compõe a literatura, a língua e a cultura de ambos os países e abrindo uma nova possibilidade de inscrição no cânone através de autoras que fazem da afirmação da língua materna sua bandeira.
A ler
13.03.2020 | por Claudia Moraes
A confusão instalou-se. Estalou o copo na mão de Cardenal, verteu-se o rum no cetim do féretro aos solavancos na fuga em ombros pela catedral, antes de ser cinza. E ouviu-se então, num exercício de imaginação, o último grito contrapoder do rebelde num verso-único: "Tu não mereces sequer um epigrama."
A ler
10.03.2020 | por Pedro Cardoso
Jimmie Durham traz à superfície a verdade da obra de arte, provavelmente um dos temas mais relevantes num mundo que esquece permanentemente a natureza ficcional da arte – o que não implica que não inscreva, na sua materialidade e no caráter representacional, uma intrínseca verdade paradoxal. A fragilidade e aparente vernacularidade das obras que integram a exposição joga, portanto, com a fina linha entre a produção do real e a recolha de objetos do mundo, num palimpsesto de sentidos que gera uma tensão entre o que nos é dado e o que construímos.
Vou lá visitar
02.12.2019 | por Delfim Sardo
O que aconteceu nesta sessão de poesia e, acredito, em todas as outras sessões de trabalho e discussão, foram actos políticos, emaranhamento de colaborações dentro e fora daquelas salas, todos imbricados e contaminados por uma (ou muitas) subjectividade(s), e isso é uma coisa bem boa.
A ler
25.11.2019 | por Patrícia Azevedo da Silva
é partindo desta componente africana que José Luís Hopffer Almada projecta no universal a luta e história do povo cabo-verdiano enquadrando-as nas lutas dos povos africanos contra a opressão colonial e pela liberdade.
A ler
31.08.2019 | por Adolfo Maria
No Kwanza-Sul percebeu os vários ritmos e a imponência de um país que cultiva o riso e a memória curta para se defender dos dramas que o desumanizam: a escravatura, o colonialismo, a dominação, os pequenos e grandes poderes, os oportunismos e a ignorância. De como é vertiginoso o urdir da história no quotidiano. A geração à qual pertence preocupou-se em recuperar a memória cultural perdida nessas e noutras violências, também com o olhar vívido e intrigante das ingenuidades e militâncias da independência.
Cara a cara
21.08.2019 | por Marta Lança
A Angola que eu deixei em 1992 não tem rigorosamente nada a ver com a Angola actual, e acho bem que as coisas mudem. Não tenho saudades nenhumas do tempo colonial, que era um tempo de injustiça, mesmo eu que ia à escola e à universidade, e estava do lado privilegiado, sei muito bem que é um sistema para esquecer (ou para lembrar....). Como também está resolvido sem nostalgia esses tempos de envolvimento quase amoroso: a Independência, o nascer um país, criarmos os filhos, uma avalanche de coisas que nos estavam a acontecer e nós tínhamos 20 anos.
Cara a cara
24.06.2019 | por Marta Lança
Depois de ouvir o leão rugir vezes sem conta, preciso de integrar este animal. Revejo a minha emergência e subsequente início do processo de diagnóstico de disforia de género e tratamento ou transição. O processo está em curso como uma maré que por vezes me deixa tranquilo e noutras se agita, sem de facto pedir muita licença para me solicitar atenção. Eu, apesar de tudo, ainda e cada vez mais lúcido, vou retirando do seu percurso os obstáculos que me impediram de integrar a minha identidade negada.
Corpo
01.06.2019 | por Adin Manuel
A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos. O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança.
Toda a história bandeirante e a história comercial do Brasil. O lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos. Comovente. Rui Barbosa: uma cartola na Senegâmbia. Tudo revertendo em riqueza. A riqueza dos bailes e das frases feitas. Negras de jockey. Odaliscas no Catumbi. Falar difícil.
O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas selvagens. O bacharel. Não podemos deixar de ser doutos. Doutores. País de dores anônimas, de doutores anônimos. O Império foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gavião de penacho.
Mukanda
31.10.2018 | por Oswald de Andrade
Djidiu é, portanto, um livro atravessado por “recordações e movimentos” de poetas e escritores(as) negros(as) que ecoam as suas vozes num território português, marcado por profundas desigualdades raciais, onde já não se pode fugir de um debate sério sobre o racismo, consequência das ações dos movimentos negros cada vez mais atuantes no país.
A ler
27.01.2018 | por Francy Silva
Ainda que desde o seu surgimento a fotografia tenha sido considerada uma forma de se guardar a realidade, está hoje claro que esta se aproxima do real tanto quanto qualquer outra modalidade artística. No texto, somos capazes de sentir a cumplicidade da criação, assim como na fotografia: nem tudo está dado à partida. Nos é permitida a colaboração criativa por meio da imaginação e da subjetividade; da sensibilidade que cabe à cada um, e que nos permite enxergar um mundo (ou vários) pertencente a um outro alguém, mas que ajudamos a construir. Por isso a construção da memória da metrópole e a industrialização possuem um retrato tão forte para a mente humana, pois encontramos registros em diferentes tipos de arte que influenciam umas às outras.
A ler
20.10.2016 | por Maria Isabel Machado
O nada equivale ao segno do mundo pré-moderno ou ao éter do mundo de António Cabrita, isto é, àquilo que 'escaparia ou resistiria à ordem natural ou possível das coisas', do mesmo modo que o uso feérico da instantaneidade na actualidade equivale, de certa forma, ao simulacro de uma redenção (ou àquilo que era a salvação num patamar pré-moderno).
A ler
20.04.2015 | por Luís Carmelo
Arnaldo Santos é autor de dois livros editados pela Casa dos Estudantes do Império na década de 60, apesar de nunca ter estudado em Portugal. O escritor recorda os tempos em que nas férias levou mensagens de Lisboa para Paris, fazendo a ponte entre Amílcar Cabral e Mário Pinto de Andrade que urdiam as independências africanas.
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13.11.2014 | por Joana Simões Piedade
«Casámo-nos com a língua portuguesa. A língua portuguesa usa capulana. Como é que se tira a capulana? Roda-se. A língua portuguesa permanecerá indefetivelmente propriedade de quem a fala.(...) A cor da pele identifica o opressor, o colonialista. É um processo que vai demorar o seu tempo, mas que precisa de ser feito. África tem de se encontrar, principalmente Moçambique. A história da Commonwealth é isto. É um processo, as novas gerações ainda vão sentir isto, não vai acabar já. São cinco séculos de colonização, são muitos anos. O algodão, o chá, o chicote ainda aqui estão. É uma forma de dizer “Eu existo”, é uma afirmação.
Cara a cara
27.08.2014 | por Doris Wieser
No contexto, diferenciado e linguisticamente multifacetado, o crioulo foi e continua a ser o principal signo identitário e, por isso mesmo, ainda que em alguns casos somente em potência, o principal elo de ligação, de identificação e de comunicação entre os caboverdianos de todos os tempos e lugares, situados nas ilhas e nas diásporas, localizados nos lugares do passado, do presente e do futuro do nosso povo disperso pelo mapa-mundo da sua alma migratória e dos pés andarilhos do globo dos seus filhos emigrantes e da sua demanda de sempre de uma vida cada vez melhor.
A ler
07.07.2014 | por José Luís Hopffer Almada
O presente artigo lança o desafio de desconstruir as perceções e os discursos poéticos mais expressivos projetados sobre o corpo feminino e a sexualidade nas narrativas poéticas guineenses tomando em consideração quatro dimensões analíticas: a) “repressão e controlo social do corpo feminino”; b) “erotismo singelo”; c) “celebração orgásmica do corpo feminino”; d) “descolonização e desmasculinização do corpo e da sexualidade feminina”.
Corpo
14.04.2013 | por Miguel de Barros