A kizomba veio nas bagagens dos africanos, que em finais dos anos 90 do século passado fizeram de Lisboa a cidade das suas vidas. A kizomba parece ter vindo do ambiente das festas de quintal de Luanda e Angola, mas claro que veio em jeito de passada de São Vicente ou da Praia, de Cabo Verde. Ao juntarem-se nas discotecas africanas em Lisboa e nas festas africanas nas universidades portuguesas a kizomba começa a entrar no léxico dançante das pessoas que visitavam estes espaços. Muitas das discotecas latinas tinham momentos de kizomba, o que também ajudou a levar o género um pouco à boleia da salsa e da bachata da República Dominicana.
Palcos
04.02.2021 | por Marta Lança
Este álbum faz-me regressar a um passado sonhado com uma visão e uma identidade muito fortes. Vejo-o como uma das obras mais marcantes da música portuguesa e da cultura de Angola, com uma estética vanguardista que ainda hoje se manifesta global, progressiva e contemporânea em todo o seu esplendor. Sem barreiras ou amarras, assumindo todas as culturas como matriz de todos os tons e ritmos, todas as cores e dialectos, onde a primeira brincadeira de infância, a primeira lembrança, a tradição, surgem traduzidas com alma, honestidade intelectual e pureza estética.
Palcos
02.02.2021 | por Paulo Flores
A relevância da participação negra em Portugal nas mais diversas áreas – incluindo a música – remonta já a várias centenas de anos, mas raras vezes é articulada nas narrativas públicas dominantes. Não se trata, naturalmente, de os negros em Portugal não terem voz ou não se encontrarem presentes no quotidiano do país. Trata-se, isso sim, muitas vezes, de falarem sem serem considerados, de verem sem serem vistos, de cantarem sem serem escutados – pelo menos, fora de uma esfera cultural tendencialmente mais circunscrita.
Palcos
30.01.2021 | por Inês Nascimento Rodrigues
No dia 30 de junho de 1960, na cerimónia de proclamação de independência do Congo, houve três discursos: do rei Baudouin da Bélgica, antiga potência colonizadora, do Presidente do Congo, Joseph Kasavubu, e de Patrice Lumumba, primeiro-ministro, este último, numa intervenção não prevista no protocolo inicial. Foi um discurso curto de cerca de doze minutos, escrito numa linguagem acessível e incisiva, performativa e visual, um discurso que, como defende o historiador Jean Omasombo Tshonda, “funda o Congo independente”. Os primeiros oito minutos são a mais clara definição do que é o colonialismo do ponto de vista de um continente, de um país, de uma comunidade, de uma pessoa.
A ler
30.01.2021 | por Margarida Calafate Ribeiro
O metrónomo sem função identifica o tempo indefinido, vago, indeterminado que está na base da narrativa. É a história de uma jovem de província e da fuga da província (para Lisboa e para Amesterdão); de quem decide sair dos limites provincianos de Coimbra nos anos 80-90, da fuga das tradições familiares e culturais conservadoras. É a história de uma jovem rebelde que encontra na música, na escrita e no cinema a sua fuga e sua paixão.
A ler
27.01.2021 | por Luana Loria
Conversei com a realizadora sobre a sua criação cotidiana com o audiovisual até à sua relação pessoal com os cultos de matriz africana. As narrativas que permeiam a vida de Milena partem da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro e desembocam no atlântico, fazendo parte das grandes confluências que têm sido os cinemas negros contemporâneos.
Afroscreen
25.01.2021 | por Marco Aurélio Correa e Milena Manfredini
As discussões sobre a chamada revolução logística iniciada em meados do século XX exploram as continuidades entre a história da logística como arte militar e a sua história mais recente, enquanto meio de administrar o movimento de pessoas e coisas orientado pelo critério da eficiência económica, nos transportes e na comunicação. Nesta medida, o estudo da logística é ensombrado pela tese da militarização da sociedade.
Jogos Sem Fronteiras
25.01.2021 | por Sandro Mezzadra e Brett Neilson
Sento-me em qualquer sítio e toda a gente tem uma história com o Teatro Viriato. O Teatro é da cidade. E, ainda assim, sentimos que há novos públicos, há novas energias, novas possibilidades. É isto que um teatro deve ser. É uma casa onde nos encontramos todos, vindos de não sei de onde. Com coisas em comum para partilhar mas também com coisas que nunca tínhamos visto antes. Por vezes incómodas.
Cara a cara
25.01.2021 | por Mariana Carneiro
O Lover’s Rock contribuiu para mudar a percepção da música negra nos média britânicos. Apesar da sua origem transnacional, o Lover’s Rock é visto como um género distintamente britânico. De certa maneira, o Lover’s Rock foi o primeiro género musical pós-colonial a surgir no Reino Unido, ao qual se seguiram outros géneros internacionalmente conhecidos, como o Brit Funk, Acid House, Jungle, UK garage, Dubstep, Grime, ou o UK drill.
Afroscreen
21.01.2021 | por Marcos Cardão
O trânsito entre duas temperaturas, dois movimentos musicais da atmosfera colados ao corpo. O frio recobre o calor, e o calor absorve o frio, como se fossem duas nuvens epidérmicas. É nesse diálogo, nesse duelo, que a casa se enche de significados imbatíveis. O lugar em que a temperatura somos nós, em que o frio se enche do calor da nossa paz, do nosso sono, da nossa tristeza, do cheiro da nossa fome. Lugar em que o calor desliza sobre os músculos arrefecidos, como uma melodia percorre o silêncio. O lugar a que todos deveriam ter direito no Inverno. Um lugar difícil de aquecer.
A ler
19.01.2021 | por Brassalano Graça
Não existe a Praia -
Venho como um náufrago
trago o sal da História na memória da pele,
e espinhas nas pontas dos dedos,
o mar não se repete,
perscruto-o desde o útero,
e escuto-o como o pulsar de um coração alteroso,
germinado sob o pulmão de um céu forte,
é nessa cintura do horizonte
que fixei o tracejado do meu olhar sobre o Mundo,
o Azul não é uma cor, é um filtro óptico
para a absorção da atmosfera,
e da poeira bacteriana nutriente dos ventos do Destino.
A ler
19.01.2021 | por Brassalano Graça
Que exemplos de solidariedade transnacional e de cruzamentos disciplinares podem inspirar a prática artística e curatorial contemporânea contra os ressurgimentos nacionalistas à escala global? Recordemos o impacto da Guernica (1937) de Picasso produzida durante a Guerra Civil Espanhola, um dos mais consagrados manifestos contra o fascismo e exemplo da “revolta da consciência e da arte face aos desastres que devastavam a Europa.” Guernica demonstra a importância da ação conjunta de atores estatais e não estatais no desarmamento da ideologia fascista. Que práticas de crítica e reflexão artística e que soluções locais e globais, podem as redes de arte contemporânea – artistas, curadores e instituições – promover para a desradicalização de extremistas e fomentar novas sensibilidades ancoradas na linguagem da igualdade e da não discriminação?
A ler
16.01.2021 | por Sofia Lemos
Os pormenores são repugnantes, mas não consigo deixar de sentir um júbilo secreto por ter deparado com mais uma história exemplar do colonialismo, no sentido mais lato da palavra «colonialismo». O colonialismo é fazermos a alguém aquilo que entendemos como «bem», mas que essa pessoa sente como «mal», para que essa pessoa nos possa servir melhor. Reformulo: o colonialismo é instrumentalizarmos o outro, fazendo-lhe bem somente na medida em que esse benefício nos possa beneficiar a nós. Resta dizer que o carácter exemplar de uma história escapa quase sempre ao seu narrador.
Mukanda
16.01.2021 | por Paulo Faria
Eduardo Lourenço foi, sozinho, uma grande família intelectual: filósofo, professor, crítico literário, pensador, mitólogo, crítico de artes, de cinema, ensaísta, precursor da crítica pós-colonial e dos estudos culturais, escritor, homem de letras, só para fornecer uma lista funcional e sempre incompleta. Foi um triunfo não de disciplinas, mas de “indisciplina”, num mundo sempre mais virado para o elogio (preguiçoso) da “especialização”.
A ler
16.01.2021 | por Roberto Vecchi
Passados mais de 45 anos das independências das nações ocupadas por Portugal, o colonialismo continua vivo, sendo o racismo o seu maior legado.
O império acabou, o colonialismo foi derrotado. Contudo a narrativa construída nesse período continua patente na ideologia identitária nacional e influencia profundamente as relações entre os indivíduos, assim como a organização social.
Reconhecer as continuidades coloniais patentes na sociedade portuguesa é fundamental para desmontar a história única, a ficção contada e recontada sobre esse período da nossa história coletiva.
O racismo em Portugal é estrutural e institucional, privando dos seus direitos fundamentais as pessoas afrodescendentes e de outras comunidades racializadas.
Jogos Sem Fronteiras
15.01.2021 | por Beatriz Gomes Dias
Também nas nossas terras, onde sofremos a miséria, a fome, a escravidão, as nossas riquezas são exploradas pelos colonialistas e pelos “trusts” imperialistas. Apesar da bárbara repressão colonialista, conseguimos formar o PARTIDO AFRICANO DA INDEPENDÊNCIA, que é o único partido que não faz distinção de raças, origens, etc. O PARTIDO AFRICANO DA INDEPENDÊNCIA procura a UNIDADE dos nossos povos para a LUTA contra o colonialismo e contra o imperialismo.
Mukanda
15.01.2021 | por Amílcar Cabral
O luso-tropicalismo passaria a funcionar como a narrativa portuguesa do «excepcionalismo», uma narrativa mais ou menos padronizada e internacional, comum a todos os países europeus que tiveram possessões coloniais. Por mais que as histórias e mitologias nacionais digam o contrário, o processo de construção de identidades nacionais é um fenómeno internacional. A narrativa do «excepcionalismo português», ou o investimento na especificidade portuguesa, fez de porta-estandarte das ideias de miscigenação, fácil convivência dos portugueses com os outros povos e ausência de preconceito racista. Esta narrativa adaptou-se a uma forma de narrar a história e imaginar Portugal e os portugueses.
A ler
12.01.2021 | por Marcos Cardão
Existem leis, creio eu, relativas à violação das liberdades. As palavras alienantes podem influenciar as massas, mas estas palavras sempre existiram na história da humanidade. É o espírito crítico que eu penso ser urgente apoiar e desenvolver. Prefiro pensar em termos de possibilidades do que em termos de limitações. Como podemos fornecer a todos as ferramentas para criar uma palavra criativa, um movimento de tecelagem em vez de uma palavra destrutiva, um gesto para rasgar?
Cara a cara
11.01.2021 | por Alícia Gaspar e Jean Luc Raharimanana
Zezé Gamboa fala calorosamente das coisas que gosta, episódios de outros festivais, rodagens e problemas que o métier do cinema envolve. As pessoas riem-se pelo empolgamento e exagero. Quer trabalhar em paralelo, os homens no mar e o desespero das famílias na terra.
Cara a cara
05.01.2021 | por Marta Lança
Chegou, acabada de acordar, de saia comprida às riscas e sapato brilhante, alta e altiva. O seu enorme riso interior provocou uma empatia imediata, a ousadia da artista Titica é desarmante. Afectuosa no trato, prefere não falar muito da sua sexualidade, explicando, de forma assertiva e cansada de ter de se justificar, que é “mulher e ponto”. E uma mulher com convicção. A cantora, que diz preferir o carinho do público ao cachet, ganhou o prémio de Melhor Artista de Kuduro em 2011 e sente-se “reconhecida”. Explica que, na sua vida de artista, “tudo acontece de uma forma natural”. Acrescenta porém que, apesar da sua energia tudo fazer acontecer, no palco, Titica encarna “outra pessoa”.
Cara a cara
05.01.2021 | por Marta Lança