Fadaiat

Rap do platja lab (baseado em improvisações de osfa e marta paz en el platja lab de Fadaiat 2004)

Una mañana, trás una noche de sueños intranquilos,
Mohamed Samsa se desperto en su patera
convertido en un bicho monstruoso…
e ilegal…

Una mañana, trás una noche de suenõs intranquilos,
Mohamed Samsa se desperto en su patera
Para coger su móvil
Y llamar a Aicha,
!Aicha, programadora de software libré!
!Aicha, trabajadora en la industria de los afectos!
!Aicha, que recoge fresas en Huelva….!

Digui´m, digui´m?
shshshss…….
….ghghghgh…ghghgh…
 chchch…chch…chchch…

Undécimo año de la guerra global permanente
Território geopolítico de Estrecho de Gibraltar
Teatro de Operaciones Platja de Tarifa
Devenir ciborg de la multitud.
Todas aventuras están aqui. Todo está por hacer.

May Day, May Day
detectamos una nave espacial sobrevoando él Estrecho.
!Es Fadaiat!
un puente inálambrico que se estiende entre Tarifa y Tangér
una geografia recombinante y fluida,
un vírus agudo y severo…
una máquina de Guerra…

Fadaiait connectát!
Fadaiat 45%
60%, 90%
Ping a Fadaiat – Tarifa
ping 2457 milisegundos
ping 176 milisegundos
!Empieza la emissión!

“Em Novembro de 1989 dá pela primeira vez à costa, numa praia de Cádis, o cadáver de um homem que morreu afogado ao tentar cruzar o estreito de Gibraltar numa patera. É o ano da queda do muro de Berlim. Para os zapatistas, o ano do início da IV Guerra Mundial. Os analistas diagnosticam esta morte como o resultado da Primeira “Ley de la Estranjería” do Estado Espanhol, promulgada em 1985, um ano antes da sua entrada na Comunidade Europeia, como política de convergência.”

In José Perez de Lama, Notas sobre emergências en el estrecho de Gibraltar, Livro Fadaiat 2005 

 

Fadaiat

Fadaiat é, pelas palavras dos seus organizadores que vivem ou viveram durante muito tempo na fronteira sul da Europa, na região da Andaluzia (onde desde muito cedo começaram a deparar-se com a questão da emigração para a Europa), um “evento espaço1” que acontece todos os anos, tendo-se realizado entre Tarifa e Tanger em Junho de 2004 e 2005, em Barcelona em 2006 e em Málaga em 2007. Propõe-se a tratar as questões da Liberdade de Movimentos e Liberdade de Conhecimentos como estando interligadas o que justifica as “deslocações” temáticas dos encontros de Barcelona 2006 (“fronteiras internas das cidades”) e Málaga 2007 (“desafios na sociedade flexível”, precariedade e “devir migrante do trabalho”).

O seu modus operandi baseia-se num funcionamento cooperativo e em rede, constituindo-se como um projecto que pretende tornar comunicáveis diversas experiências que giram em torno destes temas. Algumas das suas propostas continuam e aprimoram o trabalho de “border camps” realizados um pouco por toda a Europa e Estados Unidos pós Seatle 1999, nomeadamente alguns encontros em Tijuana na fronteira México-EUA.

Tem como antecedentes o encontro da “multitude conectada” que aconteceu em Huelva em 2003 e a constituição do grupo de trabalho e da página web do Indymedia Estreito de Gibraltar2.

Até à data, estes encontros reuniram activistas, movimentos sociais, hackers, migrantes, artistas e cientistas sociais (entre outros) em torno das temáticas da liberdade de conhecimento (anti-copyright, sistemas open-source, streaming, linux…) e da liberdade de movimentos (migrações, fronteiras, campos de detenção de imigrantes, transnacionalismos…) na actual sociedade de informação e de produção globalizada. Nas palavras do projecto tratava-se:

“não apenas de pensar mas sobretudo de fazer: construindo uma situação complexa, atravessada por uma multiplicidade de fluxos contra hegemónicos carnais e imateriais… que fosse capaz de devir um momento nodal dos processos multudinários emergentes no território geopolítico do Estreito: um acontecimento capaz de multiplicar o rizoma, multiplicar os agenciamentos, produzir novo inconsciente – novos desejos…”

A escolha do seu nome remete para a profusão de parabólicas que inundam os telhados das casas térreas do Magreb e da África Ocidental, símbolo de uma circulação (quase) unidireccional de ideias:

“Escolhemos o nome Fadaiat como título do projecto devido a uma entrevista de Fátima Mernissi em que esta diz o seguinte:

Pergunta – Li, na sua página web, que compara as televisões por satélite com o tapete mágico de Sinbad.

Resposta – Sim, chamo a esse novo fenómeno o cyber-Sinbad. As parabólicas chamam-se, em árabe clássico Fadaiat, que literalmente significa naves espaciais. O cidadão árabe volta a ser faris al zaman, o viajante que se move sem ser atingido pelo espaço ou pelo tempo, tão livre como o Sinbad dos contadores de Bagdad nas Mil e Uma Noites.”

Os encontros Fadaiat duram, regra geral, três a cinco dias e são compostos por debates, ateliers, projecções de vídeos, apresentação de trabalhos de investigação de longo curso, streaming de rádio e de televisão (em directo das mais variadas partes do mundo), e acções concretas sobre os temas da Liberdade da Informação/Liberdade de Movimentos.

Em 2004, inserido no encontro, houve uma ida a um centro de detenção de imigrantes que resultou na não detenção de alguns imigrantes; em 2006, no encontro de Barcelona, para além da colaboração com a Caravana Europeia pela Liberdade de Movimentos (recém formada em 2005, aquando dos acontecimentos de Ceuta e Melilla para ir a estas cidades) houve uma acção contra a construção de um centro de detenção de imigrantes que levou à detenção de 54 pessoas, advogados e jornalistas inclusive.

Os trabalhos que compõem ou que são partilhados no encontro estão, regra geral, visíveis no site que, através de uma página wiki é não só um lugar de depósito de informação, mas também uma ferramenta essencial de um work-in-progress que se quer constante e que permite um livre acesso à informação produzida. Recentemente foi editado um livro sobre este projecto3 onde – à semelhança do site – estão compilados os mapas, textos, anotações, reflexões… bem como a descrição das acções e alguns traços da comunicação subterrânea que o constitui.

Assim, sendo Fadaiat o resultado da participação de colectivos e indivíduos de vários países, o que em cada encontro se passa está dependente das propostas e do trabalho de cada um dos participantes e o contributo de cada um é rapidamente expandido e enriquecido pluridisciplinarmente pela colaboração com os outros.

A tradução - de castelhano para árabe ou para inglês-francês-português-holandês-paquistanês-senegalês e vice-versa, mas também de experiências de um lugar para o outro, de modos de fazer, de aprendizagem, de partilha - afirma-se como uma constante e a abordagem temática torna-se um ponto de partida e não de chegada, dela partindo reflexões várias sobre um assunto que, num mundo global, coloca em causa praticamente tudo.

Cartografia do Estreito de Gibraltar, face A

Alguns projectos levados a cabo pelos grupos de trabalho de FADAIT

“Entendemos o estreito de Gibraltar como um território espelho das transformações do mundo contemporâneo: globalização, migrações, fronteiras, cidadania, sociedade rede, comunicação, tecnologias (…). A fronteira é um lugar atravessado, um território de vida extenso e de limites móveis onde práticas sociais múltiplas colocam em tensão delimitações estabelecidas. Novos espaços e relações emergem desde e através da fronteira sul da Europa e Norte de África (…) Frente à abstracção linear, imutável e estéril estão as ideias que se propagam como vírus contagiosos; e aí surge território Madiaq. Aí, precisamente neste ponto densíssimo onde convergem mares, terras e multitudes; sobre esse fosso que tornaram mortífero, adquire consistência um território múltiplo, geográfico e infográfico, social e tecnológico, que se estende sem limites para sul e para norte; até à profundidade dos corpos carnais e à imaterial nooesfera que cresce no terreno fértil das palavras sem dono.”

in Observatório Fadaiat – textos constituintes

Cartografia do Estreito de Gibraltar

A Cartografia do Estreito de Gibraltar resultou de uma investigação levada a cabo colectivo Indymedia Estreito de Gibraltar e apresentada no Fadaiat 2004. Esta investigação durou cerca de um ano e incidiu sobre a realidade geopolítica deste território. É desta investigação que resulta a maioria dos dados do mapa em anexo no qual se configuram graficamente os fluxos materiais que configuram a região geopolítica do Estreito (face A).

Na face B do mesmo mapa tentou-se cartografar a dinâmica social (e de resistência) vinculada a esse espaço, razão pela qual se optou por representar toda a historiografia dessa dinâmica, juntamente com os acontecimentos e conceitos subjectivos que a constituem, utilizando para tal uma linguagem cartografica que trata corpos, conceitos e datas de igual modo. Nesta face encontram-se então representados no mesmo plano tanto acontecimentos passados como acontecimentos em curso no presente ou futuros acontecimentos que não se sabe sequer se serão possíveis ou realizáveis. Trata-se de cartografar e construir territórios que se tornam possíveis porque cartografados, numa prática simbólica que acompanha e se baseia em experiências locais e concretas.

Cartografia do Estreito de Gibraltar, face BCartografia do Estreito de Gibraltar, face B

O Observatório Tecnológico do Estreito

Fadaiat contém igualmente, desde o início, o desejo de criar uma estrutura estável, na tentativa de escapar à lógica do encontro anual e dos acontecimentos efémeros, criando para tal um “Observatório Permanente sobre Liberdade de Conhecimento e Liberdade de Circulação”. A este propósito, foi apresentado, em Março de 2006, um projecto de reabilitação do Castelo de Santa Catalina4 – um castelo à beira mar, em plena fronteira perto de Tarifa que havia sido posto em hasta pública pela região da Andaluzia – para constituição do “Observatório Tecnológico do Estreito”. O projecto (que demorou três meses a fazer e foi feito pelo colectivo de arquitectos e programadores de Sevilha “Hackitectura” com o apoio da Universidade de Sevilha), apesar de amplamente apoiado por instituições culturais de vários países da UE e pelo próprio “Ayuntamiento de Tarifa” acabou por ficar em 2º lugar, tendo o castelo sido destinado à construção de um restaurante (o que se pode tornar facilmente compreensível se atendermos ao actual contexto geopolítico do Estreito de Gibraltar).

 

publicado na Jogos Sem Fronteiras, ed. Antipática, julho 2008

  • 1. Aquando do encontro Fadaiat de 2005 podia ler-se um “post” na coluna direita da sua página web, onde é possível capturar algumas directrizes e sentidos da proposta, bem como compreender parte do entusiasmo e das intensidades que a percorrem. “Após meses de preparação hackitectura e vários outros colectivos estamos a trabalhar no terreno: uma fronteira tensa e militarizada. A nossa localização é agora o Castelo Medieval de Tarifa, em frente ao Centro de Detenção de Imigrantes no ponto mais meridional da Europa Continental. Em poucas horas começaremos a ligação wi-fi com Tanger, em Marrocos. Fadaiat, mais que um projecto poético de ponte virtual ou de uma ligação simbólica entre os países do Norte e os países do Sul (sobretudo após o conflito entre o Estado Espanhol e Marrocos a propósito da ilha Perejil e dos atentados do 11 de Março)…, tem como objectivo constituir-se como infra-estrutura permanente, como parte do cyborg contra hegemónico que imaginamos presente no ponto de encontro entre o Atlântico e o Mediterrâneo.”
  • 2. Esta escolha, polémica, implicou uma tomada de posição. Muitos defendiam a criação de um Indymedia Andaluzia; acabou por ganhar quem defendia um Indymedia Estrecho, aparecendo assim o 1º Indymedia pós nacional, a privilegiar o espaço entre e não a fronteira.
  • 3. Os textos, mapas e projectos produzidos até 2006 encontram-se disponíveis para download no seu site (www.fadaiat.net).
  • 4. Ver a este respeito o projecto completo em www.hackitectura.net.

por Ana Bigotte Vieira
Jogos Sem Fronteiras | 5 Janeiro 2012 | emigração, fronteiras, hackitectura, liberdade