AGNÈS AGBOTON: O exílio feito poema irradiante - PRÉ-PUBLICAÇÃO
Canções da Terra e do Exílio de Agnès Agboton sairá em breve pela Tigre de Papel.
Agnès Agboton nasceu em Porto-Novo, no Benim, em 1960. Fez os estudos primários e secundários no seu país natal e na Costa do Marfim, e vive desde 1978 em Barcelona, em cuja Universidade se licenciou em filologia hispânica. O seu interesse, desde muito jovem, pelas culturas de tradição oral e pela gastronomia da África Ocidental em particular, matérias da sua investigação e estudo, levou-a à publicação do primeiro livro, La Cuina Africana [A Cozinha Africana], em 1989, ao qual se seguiram África des dels Fogons [África a Partir dos Fogões], em 2001, e Las Cocinas del Mundo [As Cozinhas do Mundo], em 2002.
Desde 1990, tem percorrido escolas e bibliotecas em Espanha, narrando lendas e histórias da tradição oral do seu povo, tendo, nesse domínio, publicado Contes D’Arreu del Món [Contos de Todos os Lugares do Mundo], em 1995, Abenyonhú, em 2003, Na Miton: La Mujer en los Cuentos y Leyendas Africanas [Na Miton: A Mulher nos Contos e nas Lendas Africanas], em 2004, Eté Utú: De Por Qué en África las Cosas Son lo que Son [Eté Utú: O Por Quê em África de as Coisas Serem Como São], em 2009, e Zemi Kede: Eros en las Narraciones Africanas de Tradición Oral [Zemi Kede: Contos Eróticos da Tradição Oral do Golfo da Guiné], em 2011.
Em 2005, Agnès Agboton publicou uma autobiografia, Más Allá del Mar de Arena: Una Mujer Africana en España [Para Além do Mar de Areia: Uma Mulher Africana em Espanha], a que se seguiram, de poesia, o presente livro, Canções da Terra e do Exílio, primeiramente publicado em 2006 e galardoado com o XXX Prémio de Poesia Vila de Martorell 2005, e Voz de las Orillas [Voz das Margens], em 2009.
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Há neste livro (com edição no prelo, pela Livraria Tigre de Papel, de Lisboa), e desde logo explícito no título, um propósito programático que norteará toda a sua elaboração estética: o exílio. Ou mais exactamente: a terra natal, e o exílio. E não têm conta os exilados na sua própria Terra, os exilados na sua própria consciência — para além, naturalmente, dos “afortunados” exilados que almejaram chegar a uma longínqua terra estrangeira. Mas não houve já quem afirmasse que «o exílio é a grande modernidade» dos nossos dias? E, contudo, todo o exílio é uma forma de assassinato: todo o lugar de exílio é um lugar canibal. Um lugar de pânico, de roubo e de perda. Um lugar de envídia e de crime. Um lento lugar de intriga, de desespero e permanente tortura. E eis-nos perante o famigerado «politicamente correcto»: mais que uma obrigação do dizer, uma obrigatória imposição a(o) dizer. E, nesse sentido, somos todos exilados, nós, os que metemos fundo as mãos na criação poética como acto soberano de afirmação estética do nosso rosto e da voz das nossas veias mais íntimas e seu pulsar e catarse sobre as movediças marcas do mundo.
O azul forte e límpido do céu; o negro absoluto das noites de Lua Nova; a temperatura e o movimento sensual dos corpos ao ar livre; o próprio ar vagaroso que se respira; o cheiro forte, e áspero, e doce da Terra; a majestática dignidade sábia dos mais-velhos; a paisagem física e humana em redor; a língua e a cultura; a gastronomia; a música e a dança; os rituais e seus lugares no tempo; a alegria natural e a ternura; o riso e a correria das crianças; a cor da terra e a marca dos pés nas suas lamas e poeiras; a sucessão dos dias e das noites, o nascer e o pôr-do-sol — tudo é um abismo, um fosso, uma diferença que rasga a pele e a carne, que jamais se curam, ou se transformarão em cicatrizes fundas, que nenhum tempo apagará, nunca: porque o sagrado deixou de ser natural e humano (como em África o é), e se tornou na inexistência desse ser em estado de exílio. Ou seja, não há já lugar para a diferença: a diferença, esse bem maior ainda não completamente exterminado na Humanidade, foi paulatina e conscientemente transformada em ameaça letal, em fonte de desestabilização social e política justamente por quem mais responsabilidades tem nos exílios massivos que provoca, e a que, agora, em nome do famigerado «politicamente correcto» já referido, chama de migrações ou de diáspora. «Sucede, porém», lembra-nos Fernando Pessoa, num prefácio escrito e destinado às suas Ficções do Interlúdio, «que a estupidez humana é grande, e a bondade humana não é notável».
Notáveis, porém, são os poemas destas Canções da Terra e do Exílio, de Agnès Agboton. Notáveis, belos e poderosos.
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Este assombroso e belíssimo livro (originalmente publicado na língua gun — que aqui se reproduz — e em versão espanhola da própria autora) abre com um poema de pungente lirismo, onde Agnès Agboton afirma que «[e]sta noite, amor, sinto-me imprescindível / pela contínua exigência das tuas mãos». Quanto ao seu título, «Alfa», é uma irónica metáfora dialogante com a primeira letra do alfabeto grego — tomando-lhe o figurado sentido de princípio, num sentido como que cosmogónico e inaugural do ser e do estar perante o humano e o mundo, em todas as suas contingências —, a que se seguem trinta poemas numerados, para culminar a obra com o poema «Ómega», retomando essa irónica metáfora dialogante — aqui, com a última letra do alfabeto grego e o seu figurado sentido de fim, porém, um fim em aberto, em processo de permanente re-começo, e de possível reconfiguração poemática, conforme se lê nos seus últimos versos: «Noutros corações / o torpor venceu. / NÃO. / Estou cansada, amor…, e tenho medo.» Mas será esse medo, indubitavelmente, quem estará no centro da coragem visceral e da lucidez necessárias à consumação da felicidade dos amantes e à comunhão com os seres e o mundo: a terra natal e a terra de exílio, suas sensibilidades e culturas.
O ressoar da poesia paralelística das oraturas, com uma sobreposição imagética de provérbios reconvertidos em versos oficinais de autora, numa sucessão de ideias, de temas e de metáforas, de ritmos encantatórios e oníricos, numa materialização sem concessões ao fácil, ao banal e ao sempre tentador pitoresco exótico tão apreciado e cultivado no chamado Ocidente, é o que melhor pode caracterizar esta poesia — em que o lirismo se transforma numa catarse de contraposições de universos e de culturas: a gun originária, e as chamadas culturas ocidentais europeias, que a autora coloca de igual para igual na consumação dos seus poemas, sempre de forma crítica e inquiridora, nunca resvalando para o empastelamento de uma poesia anódina e cheia de boas intenções, ou em conformidade com as chamadas exigências das leis do mercado, estas de agora e deste Ocidente moribundo e teimosamente espinoteante.
A poesia de Agnès Agboton é das poesias que me têm chegado ultimamente das Áfricas que se não canibaliza a si mesma nos ghettos a que si mesmas se encerram, mas uma poesia profundamente livre e libertária, escrita por uma Mulher que sabe muito bem o seu lugar como centro irradiante nas lutas e conquistas da Felicidade, onde o Ser Humano, em uníssono, é o epicentro de todas as maravilhas e catástrofes. E, como tal, é uma poesia absolutamente política, revolucionária no sentido mais alto e nobre do termo — uma poesia da transgressão do que no humano e na Terra ofusca o mais esplendoroso rosto de cada Ser, a sua dignidade, o seu livre direito à paixão e à felicidade no lugar onde o canto materno se tornou a imperecível matéria afluente de todos os rios inumeráveis do sangue e da voz visionária da Poeta. Louve-se, então, nesta poesia, o poder da palavra contra a conspurcação da palavra, a sua linguagem maravilhosamente límpida e frondosa, trabalhada até à essência do dizer primevo que no poema fulgura.
Num tempo hediondo e mesquinho como é este que nos coube viver, Canções da Terra e do Exílio de Agnès Agboton é um desses pouquíssimos livros capazes de nos reconciliarem com nós mesmos, em estado de permanente lucidez inquiridora e sobressaltado encantamento, o que não é dizer pouco nestes dias em que ousar ser-se Feliz é talvez o maior, se não mesmo o único acto revolucionário que alguém pode cometer.
ZETHO CUNHA GONÇALVES, Lisboa, 12 de Julho de 2023
10 POEMAS BILINGUES GUN-PORTUGUÊS DE CANÇÕES DA TERRA E DO EXÍLIO, DE AGNÈS AGBOTON
ALFA
Zan ehé, asutché,
zan ehé de man dindin, kaka djè din, nan su nunkun nan mi.
Zan ehé mè dé agbaza tohué bu do yi din
huénu, ato hjuii, toglò avò déchon huélè,
do non té kpon, boya kpodo gla kpo,
ogan dé nan drlanhué do ogbèmè
tò sò dé nan wa.
Zan ehé dé avunlè doyi gbigbó yétonlè do gò
bo dó gbon, huédélènu,
nundidò gadjan gadjan ohunlèton;
zan ehé huañinan tché nan wué
djè min dó avò dagbé dagbélèton mè,
djidjò vivi kpodo vivlonlè bu do wué,
e man mon ohó daho dahonon, boya tatanonlè,
boya lalonontonlè.
Zan ehé un yi hué kpodi nundé ma ñin kléklétché,
kaka do non djè gblòfifan dji;
kpodi nun dé yé dó nan wua, kpodo vivènun.
Vivènun dé yé ma dó nunkunan non wa xa nunkundji nanhué,
bonon wulu onunflòlè, wlasusu;
vivènun kpodi susu alòtohuélèton,
dé non lilè gòdó dó kpon mi,
bo do non bió mi nun dé m’magan nan wué.
Vivènun kpodi nundé a dó nunkunun kpon
yé man kan wuadjò,
kpodi alió susu nonlè
dé non tèn mi kpon,
kpodidò mi ñin nun tatadé
tó huedjahinun énin dé obu kpo nun ma donunkunun kpon
dó dó h’xjan adu do mi.
Zan ehé, wanñinnan tché, n’do nan yiwé djinhuè
gbon do sunu dé non gbon alòtohuémè tègbè.
ALFA
Esta noite, marido,
esta noite que persiste contudo em não me cerrar as pálpebras.
Esta noite na qual o teu corpo já se perdeu
enquanto, tranquilo, agasalhado na savana,
espera, porventura com terror,
o sinal que te há-de lançar à vida,
amanhã.
Esta noite que os cães povoam de latidos
e cruzam, de quando em quando,
os rumores trepidantes dos automóveis;
esta noite o meu amor por ti
despiu-se das belas roupas,
perdeu exaltações e prazeres,
não encontra grandes palavras, talvez inúteis,
talvez falsas.
Esta noite sinto-te como algo opaco,
meu até ao delírio,
como algo imprescindível e doloroso.
Doloroso no desespero que te sobe aos olhos,
que te enruga os lábios, tantas vezes;
doloroso como os teus punhos cerrados,
voltados para mim,
exigindo algo que eu não te posso dar.
Doloroso como as tuas ilusões
frustradas,
como os caminhos barrados
que nos tentam
como o acreditarmo-nos inúteis
daquela tarde quando o medo e a desesperança
nos mordiam.
Esta noite, amor, sinto-me imprescindível
pela contínua exigência das tuas mãos.
3
I
Nunkunctchélè dé madó awhu to dindin
tó calétalè sintòmè,
fidé nunkikolè pkapka
non dió yédélè.
Agbaza tohué dé tó min
ka wadó avó dékpo huédévonuton?
Hwuédélènun, aló tóhuélèosu
non dió yédélè?
II
Nunkuntohuélè dé to zèguè-zèguè dji,
non tron nunkikomè bonon djè avivimè.
Yénon konu boka só nogó kpodo sin aviviton,
yénon viavi to tchintchinmè nunkikoton
bo énonpko tègbè tenmè
kpèvi
nan obuton.
Nunkuntohuélè dé to zèguè-zèguè dji
non tron nunkikomè bonon djè avivimè;
yénon tron avivimè bonódjè nunkikomè
bo yénon hun yédé na obu.
Nunkuntohuélè dé to zèguè-zèguè dji.
Vovuun yuyuu,
nunkiko pkodó avivi.
3
I
Desnudos, os meus olhos procuram
no país das máscaras,
onde até os sorrisos
se disfarçam.
Há no teu corpo nu
restos de roupa distante?
Também, por vezes, as tuas mãos
se disfarçam?
II
Os teus olhos no balancé
vão do sorriso ao pranto.
Sorriem rasos de lágrimas,
choram entre gargalhadas
e fica sempre um pequeno
resquício
para o espanto.
Os teus olhos no balancé
vão do sorriso ao pranto;
vão do pranto ao sorriso
e abrem-se ao espanto.
Os teus olhos no balancé.
Flores negras,
riso e pranto.
6
Ayigba éhé, dé yé sa wlasusu,
wlasusu huuè yé zin bo zin.
Ayigba míton
ayigba tché.
Hwuénu gugu éhé dé yéyisín,
gugu wihlué huuè éñin.
Hwuénuu míton
hwuénuu tché.
6
Esta terra, tantas vezes vendida,
tantas vezes esmagada.
A vossa terra
e a minha.
Este tempo inutilmente encadeado,
inutilmente retardado.
O vosso tempo
e o meu.
10
Ma kissimi égbé gblo,
asutché.
Ma kissimi gblo
vivè gbètontó dé nabu
tó nuntoémè dó bu nami.
Ma kissimi égbé gblo,
asutché.
Ma kissimi gblo
dé wua sú nunmitonlè
kpodo oku susu gbau.
Ma kissimi égbé gblo,
asutché.
Ma kissimi gblo
ohgi susu gò nun tché
kpo tchidi adule.
10
Não me beijes hoje,
meu amor.
Não me beijes
que temo perder na tua boca
tanta dolorosa humanidade.
Não me beijes hoje,
meu amor.
Não me beijes
porque selou as nossas bocas
excessiva morte.
Não me beijes hoje,
meu amor.
Não me beijes
que sinto a minha boca repleta
de facas como dentes.
16
Un’na wa sisè dèdè ohjón nunhuiiton
(odè énin dé non wuayikpé
— azan godó azan —
nun yiyló gandjan gandjan
nunkun tché lè ton)
Un’na wa sise dèdè ohjón nunhuiiton:
étè wè huanñinan tchélè sin alò sisa nan ñin,
bodó ñin nun kuku dé gbon agbaza
nun flinflin jójó tohué dji?
16
Empurrarei lentamente a porta do silêncio
(essa oração que acode
— dia após dia —
à angustiosa chamada de atenção
dos meus olhos)
Empurrarei lentamente a porta do silêncio:
que será das minhas carícias,
já rígidas na pele da
memória?
21
I
Nami dindin to làalè
dé tò yé délè su.
Nami non gbà aliólè
dé mon non djèbibè dji.
Nami non tó didlèn alòlè
dé non klen afò
kpodo vitri nunkundélè ton
dé ma dó homè wunwun.
— Bo é konu,
wuédélènu,
nàn osundé
sin huémannon —.
II
Nunkiko ahublanunton:
Nami ma ñin Nami
dé dó nunkunmè ohónonton
sin hwuèmandjò ton lèkpo,
sin wiwonmèton ton lèkpo.
Ékpodo mè dé man dibu nan vidjidji xó!
Ahjua dé yé su do ta nan:
Nami sòvò gò wa ñin Nami.
Edó to nunkununlèmè nun tata,
dé wa xuxu nun kpikpon éton
ayí avivònon kplankplanlè.
Ékpodo mè dé madji oyá kpon!
III
Ayòlè dé djè min
nan Nami
(dé man sò tó Nami ñin wuè)
ni sòvò gò wua nin Nami.
- Bo ékonu,
wuédélènu,
nán osundé
sin huémannon—.
Ayòlè dé lilè dó yé dé.
Agbaza étondé hun myò
non wa gò, zan godó zan godó,
nun tata awua délèton.
Ayòlè dé o fon.
Wiwua mè yéton
nun ñin ñlanlè kpo kpata,
yé yi dó kun éton dò zanlòdji.
- Bó yé gba,
wuédélènu,
osun ahublanon
sin huémannon —.
IV
Ayòlè dé djè min,
ayòlè dé o fon,
ayòlè dé lilè dó yé dé
bó sò zé ogbè lokpo dó yi,
jhuèkpo ema sò hua nunnien,
to alòlèmin.
Nunkiko ahublanunton,
ahjua dé yé su do tanan
Ékpodo mè dé man dibu nan vidjidji xó!
21
I
Nami procura em horizontes
que se fecham.
Nami constrói caminhos
que não principiam.
Nami estendendo as mãos
que tropeçam
com o cristal de uns olhos
sem tristeza.
— E ri,
algumas vezes,
a uma lua
de papéis —.
II
Riso triste:
Nami não é Nami
que tem o rosto grávido
de todas as injustiças,
de todos os olvidados.
Ai de quem não tema o parto!
Grito contido:
Nami volta a ser Nami.
Tem os olhos vazios,
pois secaram o seu olhar
tantos corações frios.
Ai de quem nunca sofreu!
III
Sexos desnudos
que Nami
(não sendo Nami)
volta a ser Nami.
— E ri,
algumas vezes,
a uma lua
de papéis —.
Sexos atordoados.
O seu corpo cálido
povoa, noite após noite,
o vazio de uns braços.
Sexos despertos.
Chegam
todos os horrores,
semeiam o leito.
— E quebram,
algumas vezes,
a lua triste
de papéis —.
IV
Sexos desnudos,
sexos despertos,
sexos atordoados
e uma vida que se leva,
sem a realizar,
entre as mãos.
Riso triste,
grito contido.
Ai de quem não tema o parto!
27
I
Nungblágodó dé avunlè hjua adó dó
hu jun mitonlè;
wan ñinñlanlè to aga hi
- yé gò huédjahilò —
Bo lèblanun enin dé ma dé nin ku
Kuxhuéton; abè enin
dé mlan okunon hjan;
oho gugu eninlè
non tèdó jein vegomè,
non fluflu nukiken nunkuntonlè,
non doténan alòlè.
— Odjé ohjun miton
sò gbé sò
vivò ohjunton! —
II
Kòfunfun afifinon aliolèton
hu ojhun miton
bò n’sé gbigbò fifa eton
to akpa huédjahi tonon.
Nun yisénon osòsisá
eninton kpenmi,
nunkun dé yé du dé dji nonvè,
alò eninlè dé yé dó kan nun nan
bodó nan yau ñin tchélè,
fiò mion dó nan nun kuku
axjualè dé yé yi do akluzu dji.
- Odjé ohjun miton
asutché,
odjé ohjun miton! —
27
I
Esquinas mijadas pelos cães
assassinam o nosso sangue;
sobem sórdidos fedores
— enchem a tarde —
E essa tristeza impotente
de cemitério; este silêncio
que canta hinos de morte;
estas palavras inúteis
agarram-se à garganta,
embotam o brilho dos olhos,
colocam freios às mãos.
— Ai, o nosso sangue
cada dia
menos sangue! —
II
O cinzento pó das ruas
assassina o nosso sangue
e eu escuto o seu frio latir
à margem da tarde.
Pesa-me o ar submisso
daquele cavalo castrado,
doem os olhos vencidos,
aqueles braços escravos
que de repente serão os meus,
queimam as mortas figuras
de gritos crucificados.
— Ai o nosso sangue,
marido,
ai o nosso sangue! —
28
Egbé nungblágodó xó akpa nan nunkuntchélè
bò akónnú gba hun dó nan guiguon xogan dévolèton.
N’ñuein, n’ñuein;
to okpa diè okintò
wooó ka o tó ñyinñyin
bò n’din, to dlròlèmè,
nunkiken dé non xó o tò.
Amon aliolè yi kpouun
wan ñinñlan yéton.
N’ñuein, n’ñuein;
to okpa diè okintò
wooó ka o tó ñyinñyin
bò afotchélè man gan tron sin
aganlè dé non dó akpa nan mè,
tó fifa nungblágodólèton
alio eninlèton.
28
Hoje ferem meus olhos as esquinas
e palpitam em meu peito ausências de outros sons.
Eu sei, eu sei;
do outro lado da areia
sopra o harmatão
e procurei, em sonhos,
os brilhos que eriçam a lagoa.
Mas as ruas canalizam apenas
os cheiros putrefactos.
Eu sei, eu sei;
do outro lado da areia
sopra o harmatão
e tenho os pés fincados
nas dolorosas pedras,
nas frias esquinas
destas ruas.
30
Zan kpodo kléké kpo
to gbigbon ohunkan iétonlèmè
bò tó nun wiwa iétonlèmè
owuédudu djò.
Un’wa hiai, lokpo lokpo, alòvi étonlè
din tó lá éton,
n’wa yi sèkpo agbazafunfun étonton
bò un’wa mon tó nunkunun étonlèmè
nunkpikpon énin.
Owuédudu djò, einh,
owuédudu djò.
Un’wa mon dé o tó awué
wuató titrlon son yémè.
Zoninzizon éninlè ñin dái uéué
gbèviyiya iétonlèkpo ñin dái yuyu,
ohó éninlè.
Owuédudu djò, einh,
owuédudu djò.
Din n’nò zédéé do akonnon iétonlèmè,
okun yòyò,
kpodo ohjué tó akpa lokpo
kpodo nunwiwlwan zinfluflú,
atinmanmèton do dó non kplé ñindé.
Owuédudu djò, einh,
owuédudu djò.
Meènun wuè nan doténan otò éninlè?
meènun wuè nan dohún nan djohoón énin?
Ekako ñin nun kòñinkpò guégué
dé zété do nan agbaza miton éninlè,
bódó gbon hunkan miton lèkpo kpata
zanlè kpodo kléklélè.
Bò yé ñin owuédudu, einh,
yé ñin owuédudu.
30
Correm por suas veias
a noite e a manhã
e em todos os seus gestos
nasce a dança.
Contei, um a um, os seus dedos
agora distantes,
aproximei-me da sua pele de espuma
e vi nascer em seus olhos
esse olhar.
Nasce a dança, sim,
nasce a dança.
Vi sem dilação como brotavam
neles dois continentes.
Eram brancos aqueles passos
eram negras todas as suas lamentações,
essas palavras.
Nasce a dança, sim,
nasce a dança.
Acolho-me agora nos seus braços,
os novos botões,
com o sol num extremo
e o cheiro obscuro das folhas,
encolhida.
Nasce a dança, sim,
nasce a dança.
Quem deterá esses rios ?
Quem canalizará esse vento ?
É já um imenso caudal
que levantam esses corpos,
por todas as suas veias correm
as noites e as manhãs.
E são uma dança, sim,
são uma dança.
ÓMEGA
N’to bu di nan gbélokpo dé mi nan zé midé dò
huablanunmè djikun djidja huedjahi lokpoton
bo ogbè mitonlè, fifamè tonnon dé oñin
nan avivi tègbètegbènu bodé du yé dé dji,
man nan mon gbédé
hlonhlon dé mi dó egbé bodó zehi do aga
kpodo ya djidji kpo,
boka non sò wa din tègbè zanfifon yòyò lokpo,
nan ni do djè tron sò oho lokpo,
boya nunkiken lokpoton.
— Nun kpédé tègbè,
nunvòvò gbédé —
Huablanunmè djikun djidja huedjahi lokpoton
dé non gò, uédélènun, nunkuntoélè;
dé non vò kòn, uédélènun, trlon o nun tohué
kpodo tché osu.
Huablanunmè djikun djidja huedjahi lokpoton
non sin hun miton
kpodo vivé — amlònnun —
sin kan dé man do nunkunukpon kpo drlòkuku.
Huablanunmè djikun djidja huedjahi lokpoton
démè mi wayo nan taglomè mitonlè
kpodo hun mitonlè.
EHEO.
Minitchité lokpo dógò…,
n’toli nunkun dévolè to dindin ohjué détò huixwla édé.
Alò devolè to tintenkpon nan gbin
akpòkpò dé txion ehé.
To hun dévolèmè
amlonsisa dé dú dó dji.
EHEO.
Agbò kpémi, huañinantché…, obu dimi.
ÓMEGA
Temo que um dia nos afundemos
na tristeza de uma tarde chuvosa
e as nossas vidas, já húmidas para sempre
de lágrimas quotidianas e vencidas,
não encontrem jamais
as forças com que hoje as levantamos
penosamente,
constantes na busca de um novo amanhecer,
recriado a partir de uma palavra,
quiçá um brilho.
— Sempre pouca coisa
nunca nada —
A tristeza de uma tarde chuvosa
que invade, por vezes, os teus olhos;
que transborda, por vezes, da tua boca
e da minha.
A tristeza de uma tarde chuvosa
que nos ata o coração
com penosos — entorpecentes —
laços de desesperança e de sonho.
A tristeza de uma tarde chuvosa
na qual masturbamos os nossos cérebros
e os nossos corações.
NÃO !
Levantemo-nos de novo…,
existem outros olhos à procura do oculto sol.
Outras mãos tentam arrancar
as nuvens que o cobrem.
Noutros corações
o torpor venceu.
NÃO.
Estou cansada, amor…, e tenho medo.