AGNÈS AGBOTON: O exílio feito poema irradiante - PRÉ-PUBLICAÇÃO

Canções da Terra e do Exílio de Agnès Agboton sairá em breve pela Tigre de Papel. 

Agnès Agboton nasceu em Porto-Novo, no Benim, em 1960. Fez os estudos primários e secundários no seu país natal e na Costa do Marfim, e vive desde 1978 em Barcelona, em cuja Universidade se licenciou em filologia hispânica. O seu interesse, desde muito jovem, pelas culturas de tradição oral e pela gastronomia da África Ocidental em particular, matérias da sua investigação e estudo, levou-a à publicação do primeiro livro, La Cuina Africana [A Cozinha Africana], em 1989, ao qual se seguiram África des dels Fogons [África a Partir dos Fogões], em 2001, e Las Cocinas del Mundo [As Cozinhas do Mundo], em 2002.

Desde 1990, tem percorrido escolas e bibliotecas em Espanha, narrando lendas e histórias da tradição oral do seu povo, tendo, nesse domínio, publicado Contes D’Arreu del Món [Contos de Todos os Lugares do Mundo], em 1995, Abenyonhú, em 2003, Na Miton: La Mujer en los Cuentos y Leyendas Africanas [Na Miton: A Mulher nos Contos e nas Lendas Africanas], em 2004, Eté Utú: De Por Qué en África las Cosas Son lo que Son [Eté Utú: O Por Quê em África de as Coisas Serem Como São], em 2009, e Zemi Kede: Eros en las Narraciones Africanas de Tradición Oral [Zemi Kede: Contos Eróticos da Tradição Oral do Golfo da Guiné], em 2011.

Em 2005, Agnès Agboton publicou uma autobiografia, Más Allá del Mar de Arena: Una Mujer Africana en España [Para Além do Mar de Areia: Uma Mulher Africana em Espanha], a que se seguiram, de poesia, o presente livro, Canções da Terra e do Exílio, primeiramente publicado em 2006 e galardoado com o XXX Prémio de Poesia Vila de Martorell 2005, e Voz de las Orillas [Voz das Margens], em 2009.

Agnès AgbotonAgnès Agboton

Há neste livro (com edição no prelo, pela Livraria Tigre de Papel, de Lisboa), e desde logo explícito no título, um propósito programático que norteará toda a sua elaboração estética: o exílio. Ou mais exactamente: a terra natal, e o exílio. E não têm conta os exilados na sua própria Terra, os exilados na sua própria consciência — para além, naturalmente, dos “afortunados” exilados que almejaram chegar a uma longínqua terra estrangeira. Mas não houve já quem afirmasse que «o exílio é a grande modernidade» dos nossos dias? E, contudo, todo o exílio é uma forma de assassinato: todo o lugar de exílio é um lugar canibal. Um lugar de pânico, de roubo e de perda. Um lugar de envídia e de crime. Um lento lugar de intriga, de desespero e permanente tortura. E eis-nos perante o famigerado «politicamente correcto»: mais que uma obrigação do dizer, uma obrigatória imposição a(o) dizer. E, nesse sentido, somos todos exilados, nós, os que metemos fundo as mãos na criação poética como acto soberano de afirmação estética do nosso rosto e da voz das nossas veias mais íntimas e seu pulsar e catarse sobre as movediças marcas do mundo. 

O azul forte e límpido do céu; o negro absoluto das noites de Lua Nova; a temperatura e o movimento sensual dos corpos ao ar livre; o próprio ar vagaroso que se respira; o cheiro forte, e áspero, e doce da Terra; a majestática dignidade sábia dos mais-velhos; a paisagem física e humana em redor; a língua e a cultura; a gastronomia; a música e a dança; os rituais e seus lugares no tempo; a alegria natural e a ternura; o riso e a correria das crianças; a cor da terra e a marca dos pés nas suas lamas e poeiras; a sucessão dos dias e das noites, o nascer e o pôr-do-sol — tudo é um abismo, um fosso, uma diferença que rasga a pele e a carne, que jamais se curam, ou se transformarão em cicatrizes fundas, que nenhum tempo apagará, nunca: porque o sagrado deixou de ser natural e humano (como em África o é), e se tornou na inexistência desse ser em estado de exílio. Ou seja, não há já lugar para a diferença: a diferença, esse bem maior ainda não completamente exterminado na Humanidade, foi paulatina e conscientemente transformada em ameaça letal, em fonte de desestabilização social e política justamente por quem mais responsabilidades tem nos exílios massivos que provoca, e a que, agora, em nome do famigerado «politicamente correcto» já referido, chama de migrações ou de diáspora. «Sucede, porém», lembra-nos Fernando Pessoa, num prefácio escrito e destinado às suas Ficções do Interlúdio, «que a estupidez humana é grande, e a bondade humana não é notável». 

Notáveis, porém, são os poemas destas Canções da Terra e do Exílio, de Agnès Agboton. Notáveis, belos e poderosos. 

Este assombroso e belíssimo livro (originalmente publicado na língua gun — que aqui se reproduz — e em versão espanhola da própria autora) abre com um poema de pungente lirismo, onde Agnès Agboton afirma que «[e]sta noite, amor, sinto-me imprescindível / pela contínua exigência das tuas mãos». Quanto ao seu título, «Alfa», é uma irónica metáfora dialogante com a primeira letra do alfabeto grego — tomando-lhe o figurado sentido de princípio, num sentido como que cosmogónico e inaugural do ser e do estar perante o humano e o mundo, em todas as suas contingências —, a que se seguem trinta poemas numerados, para culminar a obra com o poema «Ómega», retomando essa irónica metáfora dialogante — aqui, com a última letra do alfabeto grego e o seu figurado sentido de fim, porém, um fim em aberto, em processo de permanente re-começo, e de possível reconfiguração poemática, conforme se lê nos seus últimos versos: «Noutros corações / o torpor venceu. / NÃO. / Estou cansada, amor…, e tenho medo.» Mas será esse medo, indubitavelmente, quem estará no centro da coragem visceral e da lucidez necessárias à consumação da felicidade dos amantes e à comunhão com os seres e o mundo: a terra natal e a terra de exílio, suas sensibilidades e culturas. 

O ressoar da poesia paralelística das oraturas, com uma sobreposição imagética de provérbios reconvertidos em versos oficinais de autora, numa sucessão de ideias, de temas e de metáforas, de ritmos encantatórios e oníricos, numa materialização sem concessões ao fácil, ao banal e ao sempre tentador pitoresco exótico tão apreciado e cultivado no chamado Ocidente, é o que melhor pode caracterizar esta poesia — em que o lirismo se transforma numa catarse de contraposições de universos e de culturas: a gun originária, e as chamadas culturas ocidentais europeias, que a autora coloca de igual para igual na consumação dos seus poemas, sempre de forma crítica e inquiridora, nunca resvalando para o empastelamento de uma poesia anódina e cheia de boas intenções, ou em conformidade com as chamadas exigências das leis do mercado, estas de agora e deste Ocidente moribundo e teimosamente espinoteante. 

A poesia de Agnès Agboton é das poesias que me têm chegado ultimamente das Áfricas que se não canibaliza a si mesma nos ghettos a que si mesmas se encerram, mas uma poesia profundamente livre e libertária, escrita por uma Mulher que sabe muito bem o seu lugar como centro irradiante nas lutas e conquistas da Felicidade, onde o Ser Humano, em uníssono, é o epicentro de todas as maravilhas e catástrofes. E, como tal, é uma poesia absolutamente política, revolucionária no sentido mais alto e nobre do termo — uma poesia da transgressão do que no humano e na Terra ofusca o mais esplendoroso rosto de cada Ser, a sua dignidade, o seu livre direito à paixão e à felicidade no lugar onde o canto materno se tornou a imperecível matéria afluente de todos os rios inumeráveis do sangue e da voz visionária da Poeta. Louve-se, então, nesta poesia, o poder da palavra contra a conspurcação da palavra, a sua linguagem maravilhosamente límpida e frondosa, trabalhada até à essência do dizer primevo que no poema fulgura.

Num tempo hediondo e mesquinho como é este que nos coube viver, Canções da Terra e do Exílio de Agnès Agboton é um desses pouquíssimos livros capazes de nos reconciliarem com nós mesmos, em estado de permanente lucidez inquiridora e sobressaltado encantamento, o que não é dizer pouco nestes dias em que ousar ser-se Feliz é talvez o maior, se não mesmo o único acto revolucionário que alguém pode cometer.

ZETHO CUNHA GONÇALVES, Lisboa, 12 de Julho de 2023

10 POEMAS BILINGUES GUN-PORTUGUÊS DE CANÇÕES DA TERRA E DO EXÍLIO, DE AGNÈS AGBOTON

ALFA

Zan ehé, asutché,

zan ehé de man dindin, kaka djè din, nan su nunkun nan mi.

Zan ehé mè dé agbaza tohué bu do yi din

huénu, ato hjuii, toglò avò déchon huélè,

do non té kpon, boya kpodo gla kpo,

ogan dé nan drlanhué do ogbèmè

tò sò dé nan wa.

 

Zan ehé dé avunlè doyi gbigbó yétonlè do gò

bo dó gbon, huédélènu,

nundidò gadjan gadjan ohunlèton;

zan ehé huañinan tché nan wué

djè min dó avò dagbé dagbélèton mè,

djidjò vivi kpodo vivlonlè bu do wué,

e man mon ohó daho dahonon, boya tatanonlè,

boya lalonontonlè.

 

Zan ehé un yi hué kpodi nundé ma ñin kléklétché,

kaka do non djè gblòfifan dji;

kpodi nun dé yé dó nan wua, kpodo vivènun.

Vivènun dé yé ma dó nunkunan non wa xa nunkundji nanhué,

bonon wulu onunflòlè, wlasusu;

vivènun kpodi susu alòtohuélèton,

dé non lilè gòdó dó kpon mi,

bo do non bió mi nun dé m’magan nan wué.

Vivènun kpodi nundé a dó nunkunun kpon

yé man kan wuadjò,

kpodi alió susu nonlè 

dé non tèn mi kpon, 

kpodidò mi ñin nun tatadé

tó huedjahinun énin dé obu kpo nun ma donunkunun kpon 

dó dó h’xjan adu do mi.

 

Zan ehé, wanñinnan tché, n’do nan yiwé djinhuè 

gbon do sunu dé non gbon alòtohuémè tègbè.

 

ALFA

Esta noite, marido,

esta noite que persiste contudo em não me cerrar as pálpebras.

Esta noite na qual o teu corpo já se perdeu

enquanto, tranquilo, agasalhado na savana,

espera, porventura com terror,

o sinal que te há-de lançar à vida,

amanhã.

 

Esta noite que os cães povoam de latidos

e cruzam, de quando em quando,

os rumores trepidantes dos automóveis;

esta noite o meu amor por ti

despiu-se das belas roupas,

perdeu exaltações e prazeres,

não encontra grandes palavras, talvez inúteis,

talvez falsas.

 

Esta noite sinto-te como algo opaco,

meu até ao delírio,

como algo imprescindível e doloroso.

Doloroso no desespero que te sobe aos olhos,

que te enruga os lábios, tantas vezes;

doloroso como os teus punhos cerrados,

voltados para mim,

exigindo algo que eu não te posso dar.

Doloroso como as tuas ilusões

frustradas,

como os caminhos barrados

que nos tentam

como o acreditarmo-nos inúteis

daquela tarde quando o medo e a desesperança

nos mordiam.

 

Esta noite, amor, sinto-me imprescindível

pela contínua exigência das tuas mãos.

 

3

I

Nunkunctchélè dé madó awhu to dindin 

tó calétalè sintòmè, 

fidé nunkikolè pkapka 

non dió yédélè. 

Agbaza tohué dé tó min 

ka wadó avó dékpo huédévonuton? 

Hwuédélènun, aló tóhuélèosu

non dió yédélè?

II

Nunkuntohuélè dé to zèguè-zèguè dji, 

non tron nunkikomè bonon djè avivimè.

 

Yénon konu boka só nogó kpodo sin aviviton, 

yénon viavi to tchintchinmè nunkikoton 

bo énonpko tègbè tenmè 

kpèvi

nan obuton.

 

Nunkuntohuélè dé to zèguè-zèguè dji 

non tron nunkikomè bonon djè avivimè;

yénon tron avivimè bonódjè nunkikomè 

bo yénon hun yédé na obu.

 

Nunkuntohuélè dé to zèguè-zèguè dji. 

Vovuun yuyuu,

nunkiko pkodó avivi.

 

3

I

Desnudos, os meus olhos procuram

no país das máscaras,

onde até os sorrisos

se disfarçam.

Há no teu corpo nu

restos de roupa distante?

Também, por vezes, as tuas mãos

se disfarçam? 

II

Os teus olhos no balancé

vão do sorriso ao pranto.

 

Sorriem rasos de lágrimas,

choram entre gargalhadas

e fica sempre um pequeno 

resquício

para o espanto.

 

Os teus olhos no balancé

vão do sorriso ao pranto;

vão do pranto ao sorriso

e abrem-se ao espanto.

 

Os teus olhos no balancé.

Flores negras,

riso e pranto.

 

6

Ayigba éhé, dé yé sa wlasusu, 

wlasusu huuè yé zin bo zin. 

Ayigba míton 

ayigba tché.

 

Hwuénu gugu éhé dé yéyisín, 

gugu wihlué huuè éñin. 

Hwuénuu míton 

hwuénuu tché.

6

Esta terra, tantas vezes vendida,

tantas vezes esmagada.

A vossa terra

e a minha.

 

Este tempo inutilmente encadeado,

inutilmente retardado.

O vosso tempo

e o meu.

 

10

Ma kissimi égbé gblo, 

asutché.

 

Ma kissimi gblo

vivè gbètontó dé nabu

tó nuntoémè dó bu nami.

 

Ma kissimi égbé gblo, 

asutché.

 

Ma kissimi gblo

dé wua sú nunmitonlè

kpodo oku susu gbau.

 

Ma kissimi égbé gblo, 

asutché.

 

Ma kissimi gblo 

ohgi susu gò nun tché 

kpo tchidi adule.

 

 

10

Não me beijes hoje,

meu amor.

 

Não me beijes

que temo perder na tua boca

tanta dolorosa humanidade.

 

Não me beijes hoje,

meu amor.

 

Não me beijes

porque selou as nossas bocas

excessiva morte.

 

Não me beijes hoje,

meu amor.

 

Não me beijes

que sinto a minha boca repleta

de facas como dentes.

 

 

16

Un’na wa sisè dèdè ohjón nunhuiiton 

(odè énin dé non wuayikpé 

—  azan godó azan — 

nun yiyló gandjan gandjan

nunkun tché lè ton)

 

Un’na wa sise dèdè ohjón nunhuiiton:

étè wè huanñinan tchélè sin alò sisa nan ñin, 

bodó ñin nun kuku dé gbon agbaza 

nun flinflin jójó tohué dji?

 

16

Empurrarei lentamente a porta do silêncio

(essa oração que acode

— dia após dia —

à angustiosa chamada de atenção

dos meus olhos)

 

Empurrarei lentamente a porta do silêncio:

que será das minhas carícias,

já rígidas na pele da

memória?

 

21

I

Nami dindin to làalè

dé tò yé délè su.

Nami non gbà aliólè

dé mon non djèbibè dji.

Nami non tó didlèn alòlè

dé non klen afò

kpodo vitri nunkundélè ton

dé ma dó homè wunwun.

— Bo é konu,

wuédélènu,

nàn osundé

sin huémannon —.

II

Nunkiko ahublanunton: 

Nami ma ñin Nami 

dé dó nunkunmè ohónonton 

sin hwuèmandjò ton lèkpo, 

sin wiwonmèton ton lèkpo.

Ékpodo mè dé man dibu nan vidjidji xó!

 

Ahjua dé yé su do ta nan: 

Nami sòvò gò wa ñin Nami.

 

Edó to nunkununlèmè nun tata, 

dé wa xuxu nun kpikpon éton 

ayí avivònon kplankplanlè.

Ékpodo mè dé madji oyá kpon!

 

 

III

Ayòlè dé djè min 

nan Nami

(dé man sò tó Nami ñin wuè) 

ni sòvò gò wua nin Nami.

  • Bo ékonu,

wuédélènu,

nán osundé

sin huémannon—.

 

Ayòlè dé lilè dó yé dé. 

Agbaza étondé hun myò 

non wa gò, zan godó zan godó, 

nun tata awua délèton.

 

Ayòlè dé o fon.

Wiwua mè yéton

nun ñin ñlanlè kpo kpata,

yé yi dó kun éton dò zanlòdji.

 

  • Bó yé gba, 

wuédélènu, 

osun ahublanon 

sin huémannon —.

 

IV

Ayòlè dé djè min,

ayòlè dé o fon,

ayòlè dé lilè dó yé dé

bó sò zé ogbè lokpo dó yi,

jhuèkpo ema sò hua nunnien,

to alòlèmin.

 

Nunkiko ahublanunton, 

ahjua dé yé su do tanan

Ékpodo mè dé man dibu nan vidjidji xó!

 

21

I

Nami procura em horizontes

que se fecham.

Nami constrói caminhos

que não principiam.

Nami estendendo as mãos 

que tropeçam

com o cristal de uns olhos

sem tristeza.

— E ri,

algumas vezes,

a uma lua

de papéis —.

II

Riso triste:

Nami não é Nami

que tem o rosto grávido

de todas as injustiças,

de todos os olvidados.

Ai de quem não tema o parto!

 

Grito contido:

Nami volta a ser Nami.

Tem os olhos vazios,

pois secaram o seu olhar

tantos corações frios.

Ai de quem nunca sofreu! 

 

III

Sexos desnudos

que Nami

(não sendo Nami)

volta a ser Nami.

— E ri,

algumas vezes,

a uma lua

de papéis —.

 

Sexos atordoados.

O seu corpo cálido

povoa, noite após noite,

o vazio de uns braços.

 

Sexos despertos.

Chegam

todos os horrores,

semeiam o leito.

— E quebram,

algumas vezes,

a lua triste

de papéis —.

 

IV

Sexos desnudos,

sexos despertos,

sexos atordoados

e uma vida que se leva,

sem a realizar,

entre as mãos.

 

Riso triste,

grito contido.

Ai de quem não tema o parto!

 

27

I

Nungblágodó dé avunlè hjua adó dó

hu jun mitonlè;

wan ñinñlanlè to aga hi

  • yé gò huédjahilò —

 

Bo lèblanun enin dé ma dé nin ku

Kuxhuéton; abè enin

dé mlan okunon hjan;

oho gugu eninlè

non tèdó jein vegomè,

non fluflu nukiken nunkuntonlè,

non doténan alòlè.

 

— Odjé ohjun miton 

sò gbé sò 

vivò ohjunton! —

 

II

Kòfunfun afifinon aliolèton 

hu ojhun miton 

bò n’sé gbigbò fifa eton 

to akpa huédjahi tonon.

 

Nun yisénon osòsisá

eninton kpenmi,

nunkun dé yé du dé dji nonvè,

alò eninlè dé yé dó kan nun nan

bodó nan yau ñin tchélè,

fiò mion dó nan nun kuku

axjualè dé yé yi do akluzu dji.

 

  • Odjé ohjun miton 

asutché,

odjé ohjun miton! —

 

27

I

Esquinas mijadas pelos cães

assassinam o nosso sangue;

sobem sórdidos fedores

— enchem a tarde —

 

E essa tristeza impotente

de cemitério; este silêncio

que canta hinos de morte;

estas palavras inúteis

agarram-se à garganta,

embotam o brilho dos olhos,

colocam freios às mãos.

 

— Ai, o nosso sangue

cada dia

menos sangue! —

II

O cinzento pó das ruas

assassina o nosso sangue

e eu escuto o seu frio latir 

à margem da tarde.

 

Pesa-me o ar submisso

daquele cavalo castrado,

doem os olhos vencidos,

aqueles braços escravos

que de repente serão os meus,

queimam as mortas figuras

de gritos crucificados.

 

— Ai o nosso sangue,

marido,

ai o nosso sangue! —

 

28

Egbé nungblágodó xó akpa nan nunkuntchélè

bò akónnú gba hun dó nan guiguon xogan dévolèton.

 

N’ñuein, n’ñuein; 

to okpa diè okintò 

wooó ka o tó ñyinñyin 

bò n’din, to dlròlèmè, 

nunkiken dé non xó o tò. 

Amon aliolè yi kpouun 

wan ñinñlan yéton.

 

N’ñuein, n’ñuein;

to okpa diè okintò

wooó ka o tó ñyinñyin

bò afotchélè man gan tron sin

aganlè dé non dó akpa nan mè,

tó fifa nungblágodólèton

alio eninlèton.

 

28

Hoje ferem meus olhos as esquinas

e palpitam em meu peito ausências de outros sons.

 

Eu sei, eu sei;

do outro lado da areia

sopra o harmatão

e procurei, em sonhos,

os brilhos que eriçam a lagoa.

Mas as ruas canalizam apenas

os cheiros putrefactos.

 

Eu sei, eu sei;

do outro lado da areia

sopra o harmatão

e tenho os pés fincados

nas dolorosas pedras,

nas frias esquinas

destas ruas.

 

30

Zan kpodo kléké kpo 

to gbigbon ohunkan iétonlèmè 

bò tó nun wiwa iétonlèmè 

owuédudu djò.

 

Un’wa hiai, lokpo lokpo, alòvi étonlè 

din tó lá éton,

n’wa yi sèkpo agbazafunfun étonton 

bò un’wa mon tó nunkunun étonlèmè 

nunkpikpon énin.

 

Owuédudu djò, einh, 

owuédudu djò.

 

Un’wa mon dé o tó awué 

wuató titrlon son yémè. 

Zoninzizon éninlè ñin dái uéué 

gbèviyiya iétonlèkpo ñin dái yuyu, 

ohó éninlè.

 

Owuédudu djò, einh, 

owuédudu djò.

 

Din n’nò zédéé do akonnon iétonlèmè, 

okun yòyò,

kpodo ohjué tó akpa lokpo 

kpodo nunwiwlwan zinfluflú, 

atinmanmèton do dó non kplé ñindé.

 

Owuédudu djò, einh, 

owuédudu djò.

 

Meènun wuè nan doténan otò éninlè? 

meènun wuè nan dohún nan djohoón énin?

 

Ekako ñin nun kòñinkpò guégué 

dé zété do nan agbaza miton éninlè, 

bódó gbon hunkan miton lèkpo kpata 

zanlè kpodo kléklélè.

 

Bò yé ñin owuédudu, einh, 

yé ñin owuédudu.

 

30

Correm por suas veias

a noite e a manhã

e em todos os seus gestos

nasce a dança.

 

Contei, um a um, os seus dedos

agora distantes,

aproximei-me da sua pele de espuma

e vi nascer em seus olhos

esse olhar.

 

Nasce a dança, sim,

nasce a dança.

 

Vi sem dilação como brotavam

neles dois continentes.

Eram brancos aqueles passos

eram negras todas as suas lamentações,

essas palavras.

 

Nasce a dança, sim,

nasce a dança.

 

Acolho-me agora nos seus braços,

os novos botões,

com o sol num extremo

e o cheiro obscuro das folhas,

encolhida.

 

Nasce a dança, sim,

nasce a dança.

 

Quem deterá esses rios ?

Quem canalizará esse vento ?

 

É já um imenso caudal

que levantam esses corpos,

por todas as suas veias correm

as noites e as manhãs.

 

E são uma dança, sim,

são uma dança.

 

ÓMEGA

N’to bu di nan gbélokpo dé mi nan zé midé dò 

huablanunmè djikun djidja huedjahi lokpoton 

bo ogbè mitonlè, fifamè tonnon dé oñin 

nan avivi tègbètegbènu bodé du yé dé dji, 

man nan mon gbédé

hlonhlon dé mi dó egbé bodó zehi do aga 

kpodo ya djidji kpo,

boka non sò wa din tègbè zanfifon yòyò lokpo, 

nan ni do djè tron sò oho lokpo, 

boya nunkiken lokpoton.

 

— Nun kpédé tègbè, 

nunvòvò gbédé —

 

Huablanunmè djikun djidja huedjahi lokpoton 

dé non gò, uédélènun, nunkuntoélè;

dé non vò kòn, uédélènun, trlon o nun tohué 

kpodo tché osu.

 

Huablanunmè djikun djidja huedjahi lokpoton

non sin hun miton

kpodo vivé — amlònnun —

sin kan dé man do nunkunukpon kpo drlòkuku.

 

Huablanunmè djikun djidja huedjahi lokpoton 

démè mi wayo nan taglomè mitonlè 

kpodo hun mitonlè. 

EHEO.

 

Minitchité lokpo dógò…,

n’toli nunkun dévolè to dindin ohjué détò huixwla édé. 

Alò devolè to tintenkpon nan gbin 

akpòkpò dé txion ehé.

 

To hun dévolèmè 

amlonsisa dé dú dó dji. 

EHEO.

Agbò kpémi, huañinantché…, obu dimi. 

 

ÓMEGA

Temo que um dia nos afundemos

na tristeza de uma tarde chuvosa

e as nossas vidas, já húmidas para sempre

de lágrimas quotidianas e vencidas,

não encontrem jamais

as forças com que hoje as levantamos

penosamente,

constantes na busca de um novo amanhecer,

recriado a partir de uma palavra,

quiçá um brilho.

— Sempre pouca coisa

nunca nada —

 

A tristeza de uma tarde chuvosa

que invade, por vezes, os teus olhos;

que transborda, por vezes, da tua boca

e da minha.

 

A tristeza de uma tarde chuvosa

que nos ata o coração

com penosos — entorpecentes —

laços de desesperança e de sonho.

 

A tristeza de uma tarde chuvosa

na qual masturbamos os nossos cérebros

e os nossos corações.

NÃO !

 

Levantemo-nos de novo…,

existem outros olhos à procura do oculto sol.

Outras mãos tentam arrancar

as nuvens que o cobrem.

 

Noutros corações

o torpor venceu.

NÃO.

Estou cansada, amor…, e tenho medo.

por Zetho Cunha Gonçalves
Mukanda | 30 Agosto 2023 | Agnès Agboton