Mais do que um signo de união sobre a responsabilidade da transmissão da memória, a pós-memória é separador de águas. Menosprezada pelas ciências sociais, subestimada pelos historiadores, endeusada nos estudos culturais e nas artes, o tema da memória das gerações seguintes às gerações testemunhais é um território controverso, por vezes conflituoso, de qualquer modo estranho.
A ler
29.05.2020 | por Roberto Vecchi
No seu vídeo para Apeshit, filmado no Louvre, a cena do joelho dobrado é recriada, com as letras de Jay-Z a recordar à NFL quem precisa de quem, outra fagulha para a discussão sobre quão apreciada é a cultura negra e o quanto ela rende, em detrimento de quem faz essa mesma cultura e dos seus lucros se vê privado. Numa outra cena, Beyoncé retira a bandana pejada de pérolas que lhe cobria o rosto.
Afroscreen
27.05.2020 | por Gisela Casimiro
Como investigadores da história do cinema, entendemos a necessidade de estudos sobre o que está a ser produzido numa certa margem do cinema contemporâneo, questionando inclusive a própria ideia de produção periférica ou marginal, uma vez que grande parte dos filmes que aqui trazemos consolida, em torno dos próprios filmes e de seus realizadores, novos “centros” de ativação cultural, deslocando as velhas (novas) relações entre centro-periferia.
Afroscreen
27.05.2020 | por Michelle Sales
Somos suscetíveis à obscuridade. Não apesar, ou por causa da tecnologia moderna. Mas porque "o que é a história senão uma fábula na qual concordamos?" (Napoleão, talvez). Nossas ‘postagens’, ‘partilhas’ e hashtags se dissiparão no vazio digital quando começarmos a nos enxergar como geração que experienciou um excesso de visibilidade individual, se empolgou e esbaldou. E o ‘esbaldar’ é indiferente à mudança, assim como a mídia social é indiferente à justiça social. Hoje em dia, parece que atribuir natureza revolucionária à tecnologia é depreciar nosso potencial revolucionário como seres sociais, com todas as suas complexidades.
A ler
24.05.2020 | por Mirna Wabi-Sabi
A luta contra o petróleo e gás em Portugal, da perspectiva do movimento pela justiça climática, é claramente uma luta defensiva, isto é, apenas permite evitar aumentar ainda mais o fosso da crise climática. As lutas ofensivas, aquelas que constroem alternativas e maiorias sociais para um mundo sem combustíveis fósseis, são as que permitirão travar o colapso climático. Num momento de crise sanitária, social, de emprego e climática, todas em simultâneo, torna-se ainda mais claro que nenhuma delas é independente e nenhuma será verdadeiramente resolvida se as outras não o forem.
A ler
22.05.2020 | por João Camargo
Os presos do Tarrafal expressavam o curso da geografia da nossa luta. Também o papel dos meios urbanos na contestação ao colonialismo, a incorporação dos meios rurais no movimento guerrilheiro, e a minha geração de jovens que recusaram as “benesses” que o sistema colonial parecia oferecer.
Cara a cara
21.05.2020 | por Justino Pinto de Andrade
A agricultura, então chamada de “indígena”, assentava na produção de arroz para o autoconsumo das comunidades rurais, a qual era praticada há cerca de três mil anos e na produção de uma cultura de exportação, a mancarra (amendoim) incentivada pelas empresas estrangeiras que se revezam na sua exportação para a Europa (em bruto ou em óleo). O ciclo da mancarra começa na zona de Buba, incentivada por alemães e percorre um itinerário fácil de identificar pela erosão e degradação dos solos que provoca na Guiné e que passa por Bolama, norte do Oio, Bafatá e Gabú.
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21.05.2020 | por Carlos Schwarz da Silva
Saad, o migrante, o clandestino, o invisível aos olhos de todos, é um universitário, filho de um bibliotecário erudito e poeta, colecionador de livros proibidos pela ditadura, apaixonado por literatura e por mitologia greco-romana. Um pai que partilha com ele o segredo dos livros da sua “Babel de bolso”, nome que dava à biblioteca clandestina que escondia na sala. Mimado pelas irmãs, pela mãe, pela família, no espaço de poucos meses o jovem Saad assiste à morte dos cunhados num ataque terrorista, ao desaparecimento da namorada num bombardeamento, à morte do pai, por erro dos americanos, à morte de três sobrinhos por doença e má nutrição.
A ler
20.05.2020 | por
O Gay and Lesbian Memory in Action Project (GALA) surgiu nos anos pós-apartheid com o intuito de “recuperar” histórias dos homossexuais, lésbicas, transgéneros e bissexuais sul-africanos que, de acordo com os registos oficiais durante o apartheid, nunca teriam existido. GALA é simultaneamente um projecto reparador e activista. Ao compilar histórias de vidas precárias e desconhecidas, estas tornam-se –retrospectivamente – dignas de compaixão e valorizadas e erigem-se como base da reivindicação de direitos LGBTI no presente.
Corpo
19.05.2020 | por Sara Rosa
O coronavírus age sobre e através corpos individuais e sociais. Tem material genético, tem personalidade viral, perturba certos biótipos mais do que outros. É um vírus que mata pela reação dos organismos nos quais se instala. O descontrolo dos anticorpos criados pelo ser humano contra o vírus acaba por ser a causa do maior número de óbitos. Mas a agência deste vírus não se fica pelo corpo humano, interfere no “pulmão do corpo social”. Propaga-se em sociedades, cada uma com a sua forma de “respirar”, ritmada por uma cultura, por um ethos.
A ler
12.05.2020 | por Alix Didier Sarrouy
O que os mortos pelo vírus nos diriam caso tivessem a oportunidade? Ficam assim mais perguntas no ar. O cinema proporciona esse momento de introspecção, como se estivéssemos, assim como Narciso, vendo nossa imagem refletida na água, como na decepção por não conseguir ver a própria imagem nas águas escuras da noite. O cinema é uma janela que nos permite sonhar, criar, efabular outros mundos, outros horizontes.
Afroscreen
12.05.2020 | por Marco Aurélio Correa
Quando a liberdade é questão de vida ou morte, a Humanidade supera-se sem filtros. Há 170 anos, escravos africanos e tribos de índios uniram-se numa fuga desesperada dos Estados Unidos para o México. Em serras áridas na linha de fronteira, construíram uma comunidade com língua e cultura próprias. El Nacimiento é ainda hoje a casa dos Mascogo, os índios negros com blues na voz.
Jogos Sem Fronteiras
10.05.2020 | por Pedro Cardoso
Apenas a lente intersecional, assumindo a realidade de uma opressão racial, pode combater a narrativa patriarcal branca, pois o sexismo e o racismo não são dois sistemas de opressão de génese e agressões comparáveis, mas dois fluxos opressivos distintos, produzidos pelo mesmo sistema, que agridem em uníssono a mulher negra.
Corpo
09.05.2020 | por Catarina Valente Ramalho
Este duplo processo pode designar-se como de descolonização das artes, e é uma prática corrente, que condiciona a pertença de um artista a esta condição da pós-memória. A este primeiro atributo que estas produções detêm, outras particularidades artísticas se reconhecem nestas obras tais como: a presença de tradições culturais oriundas das ex-colónias (ritmos, tapeçaria, pintura sobre areia, escultura em couscous, formas de canto griot ou Rai), traços dos modernismos alternativos (fotografia do Mali, de Moçambique, pintura dos modernismos marroquinos) a desconstrução sistemática da iconografia e estatuária pública nos países europeus como nas ex-colónias, a revisão e desconstrução da história de arte universal, a crítica ao afro-pessimismo, a denúncia e luta contra o racismo, o questionamento sobre as identidades e sobre a possibilidade/impossibilidade do regresso, o tema e a urgência da reparação e a assunção clara de que o contexto da produção artística é a relação Europa-África, mas o tema não é África.
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09.05.2020 | por António Pinto Ribeiro
Não podemos deixar que o atual momento sirva para causar um apagamento da nossa memória histórica. Se isso acontece, nem a situação atual estaremos aptos para compreender, e ainda menos o passado e o futuro. O direito à memória não pode ser alienável. A memória é intrínseca à nossa humanidade, é parte inerente à nossa própria existência. O colonialismo, desde sempre, tentou controlar e apagar a memória histórica dos povos colonizados. Lembrar Emmett Till, Pedro Gonzaga e Giovani Rodrigues é um ato de resistência!
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08.05.2020 | por Alexssandro Robalo
No início da quarentena, tive a ideia de comprar comida para pássaros e deixá-la no parapeito da minha janela. Talvez achasse que iria atrair as aves e fazer descobertas e me sentir menos só, assim. Mas me enganei, e acabei encomendando pela internet mais comida do que aquela que imaginava, e fiquei com quilos de pacotes de mistura para beija-flor, papagaio, e alpiste comum. Nenhum pássaro apareceu. Como choveu passado uns dias, a comida empapou sobre o mármore branco, e assim continua esperando que alguma alma da floresta da Tijuca se lembre de alcançar esta janela do 14º andar do Shopping Cidade para me dizer olá.
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03.05.2020 | por Rita Brás
Nas obras artísticas da pós-memória, são comuns os casos em que o artista revisita o passado colonial fazendo apelo a uma reinterpretação dos arquivos históricos marcantes, muitos deles silenciados ou esquecidos pelas gerações seguintes. Um dos eventos que tem dado lugar a uma série de fecundas representações artísticas é o das mãos cortadas, um dos episódios mais medonhos do período colonial da Bélgica no Congo, em que os colonizadores cortaram as mãos dos africanos, especialmente as crianças, como castigo e exemplo de autoridade.
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02.05.2020 | por Felipe Cammaert
As independências não foram uma concessão deliberada e solidária do novo regime, foram uma conquista que resultou da coragem e determinação de homens e mulheres que lutaram pela libertação e soberania territorial dos seus países e enfraqueceram o regime colonial português até ao limite das suas possibilidades humanas e militares. Além disso, o movimento anti-colonial nunca foi assumido e articulado pelas agendas políticas portuguesas do novo regime (tanto as de esquerda como as de direita) de uma forma assertiva e consequente, e essa negligência histórica tem repercussões e continuidades até aos dias de hoje, no que diz respeito à segregação, exclusão e obliteração racial em Portugal.
Mukanda
26.04.2020 | por Núcleo Antirracista de Coimbra (NAC)
Escrevi o meu romance sobre a guerra para desapossar o meu pai do exclusivo da narrativa bélica, para o destronar, para escrever o livro que ele próprio não foi capaz de escrever. Para reescrever as histórias de guerra dele, para as extirpar da mentira posterior. Para o enobrecer. Fi-lo à custa dos outros veteranos, que viram as suas narrativas reformuladas, subordinadas à infelicidade do meu pai, por mim usurpada. Escrevi o meu romance para, com o engodo da guerra colonial, contar aos veteranos uma outra guerra, a minha. Quem vai à procura da guerra tem já uma guerra dentro de si.
Mukanda
24.04.2020 | por Paulo Faria
O meu maior luxo neste tempo foi escrever este texto e ontem à uma da manhã sentar-me durante meia hora, a revisitar as gravações que fiz no pátio interior do hotel Barbas, a 80 Kms da fronteira com a Mauritânia, no Sahara Ocidental, enquanto uma televisão fazia o relato do jogo da bola em árabe, sempre tão enfáticos nos seus relatos, e um grupo de senegaleses chegava em caravana para comer um thiebou djenne feito pelo cozinheiro do hotel, ele também
Mukanda
22.04.2020 | por Ricardo Falcão