África: negligência e demolição

África: negligência e demolição Nas últimas décadas, o conflito na África subsariana não só devastou as aldeias e criou campos de refugiados em lugares dispersos, como também transformou as cidades e vilas onde agricultores aterrorizados procuravam segurança e oportunidade. Apesar dos subúrbios desordenados – fruto de um crescimento urbano não planeado – não escaparem à visão dos gabinetes das autoridades do Estado e das instituições de apoio internacional, estas organizações não têm abordado a relação entre conflito e urbanização. Tal negligência compromete a reconstrução pós-conflito, desperdiça oportunidades para o desenvolvimento e arrisca-se a quebrar uma paz muito débil.

Cidade

02.01.2021 | por Simone Haysom

Poderes malignos

Poderes malignos Muitas crianças de rua transportam consigo estas tenebrosas estórias. Ao chegar ao meu local de trabalho na baixa de Luanda, cumprimentei o Strong, miúdo de rua por quem passava todos os dias. Com a sua t-shirt encarnada, fez-me sinal, disse-me que me queria mostrar uma coisa, para o acompanhar ao Sambila. Não sei o que me deu para confiar assim num miúdo e ir com ele até ao Sambizanga. Mas a convicção dele mostrava que era caso sério e a verdade é que confio nos meus gestos impetuosos. Esperou que eu saísse, e lá fomos, no Starlet comprado em terceira mão, de passeio ao subúrbio. Pelo caminho soube que ele vinha das Lundas. Perguntei-lhe porque estava em Luanda sozinho então.

Cidade

20.09.2020 | por Marta Lança

A cidade-fantasma de Ihosvanny

A cidade-fantasma de Ihosvanny Nesta permanente reconfiguração, estaleiro de obras ora aqui ora acolá, requalificações seriadas, corrida às cidades sustentáveis, mais ou menos cidadãs friendly, não dispensam camadas de demolições, entulho, lixo. Um dos seus problema de fundo é lógica de acumulação, é isso que lhes dá sentido existencial. As cidades tudo engolem e tudo regorgitam, lidando mal com os resíduos, sejam eles matéria ou pessoas.

Cidade

13.08.2020 | por Marta Lança

Luanda, Lisboa, Paraíso?

Luanda, Lisboa, Paraíso? Nos anos 80, e seguindo a rota de muitos cidadãos africanos dos países de língua oficial portuguesa, Cartola de Sousa viajou para Lisboa com o seu filho Aquiles de 14 anos, para que o rapaz fosse submetido às operações aconselhadas e aos tratamentos médicos que, em princípio, resolveriam o problema.

A ler

26.12.2019 | por Margarida Calafate Ribeiro

Investigando o conflito urbano e a reciprocidade entre a Chicala e Luanda, Angola

Investigando o conflito urbano e a reciprocidade entre a Chicala e Luanda, Angola No contexto da actual trajectória neoliberal de regeneração urbana de Luanda, após uma longa guerra civil (1975-2002), a Chicala atravessa um período de demolição e substituição por projectos imobiliários de alto padrão. A investigação teve início justamente antes que iniciassem os planos da eliminação completa do bairro, e que as autoridades e investidores privados obrigassem os seus habitantes a deslocar-se para assentamentos remotos em condições de vida inadequadas.

Cidade

22.10.2019 | por Paulo Moreira

Consciência de Humanidade

Consciência de Humanidade Desfrisos, chapinhas, mises, tranças, postiços, aplicações fio fio ou bainha… Perucas a x euros. Entrei. Recebo um sorriso caloroso. Tirava todos os “protocolos”, sentia-me em casa. Matava ali as saudades. Um cabeleireiro africano em qualquer outro continente é uma "embaixada de abraços e confraternizações". Um abraço periférico.

Cidade

29.07.2019 | por Indira Grandê

Edson Chagas. Oikonomos

Edson Chagas. Oikonomos Ao colocar os sacos na sua própria cabeça, Chagas inverte-os, dessa forma desacelerando e desnaturalizando a imediatez normalizadora com que, acriticamente, eles próprios e as suas mensagens circulam. Sem deixar de se implicar a si mesmo e, por extensão, a todos nós, o artista incita-nos a um questionamento essencial, enquanto ponto de partida para a procura conjunta de outros modos de vida.

Cara a cara

12.06.2019 | por Ana Balona de Oliveira

DANGEREUX, um bairro de nome (quase) francês

DANGEREUX, um bairro de nome (quase) francês Nós, os angolenses, caminhamos de gato e sapato. Onde estávamos mesmo? Luanda chove. BUÉ!!! A chuva escurecida sussurrava ao céu. Sussurrava aquando dos pássaros escondidos nas estribeiras da casa de chapa. A chuva sussurra ainda mais alto (barulhenta) e a nuvem estremece…BOOUM! BOOUM! Estremeceu! Uma cicatriz embranquecida no céu…BOOUM! Cai um balde de tinta de água. O chão escorrega…escorregadio. Uma tela transparente. ESCORREGADIA: a chuva inunda todas as cidades de Angola. Encharca os hóspedes no meio da morte. A chuva infiltra-se num país! Relâmpaga-se… tempestade!!! A chuva.

Cidade

14.04.2019 | por Indira Grandê

As invisíveis

As invisíveis Mãe de três filhos pequenos, era o único sustento da família, o seu marido estava desempregado. Juliana é o exemplo de muitas mulheres que hoje em dia são as principais fontes de sustento das suas famílias – num panorama económico frágil onde as oportunidades de emprego são escassas. Como muitas das Zungueiras que são migrantes do interior do país – Juliana era originária de Libolo, província do Kwanza-Sul. Teria vindo para Luanda à procura de melhor qualidade de vida.

Cidade

29.03.2019 | por Beatriz Ramalho da Silva

Cine Nimas 500

Cine Nimas 500 - Mademoiselle é um destino que nos persegue. Mesmo que abandonemos a memória, os monumentos e lugares carregam os seus fantasmas. Fantasmas? Souvenirs. Les Fantômes? – Non, Mademoiselle, não são esses fantasmas, estes só existem na Torre do Tombo. E o Nimas. O Nimas Sébastien!? RÊVE AVEC MOI. O Nimas é um fantasma da cinematografia, ou é um fantasma da filmografia (— Xé, pára só de filosofar!). O Nimas 500, onde nós, os filhos do «império» assistíamos ao glamour do cinema com histórias arquitectadas por cineastas “amicíssimos” de Salazar. -

Cidade

25.03.2019 | por Indira Grandê

O obituário

O obituário Ficávamos todos surdos por umas horas! - comentavam internamente. Enquanto a esmagava, o homem enfurecido dizia em sua santa consciência que agia para o bem de todos. São tempos de sufrágio e as prostitutas cantam no meu leito: o meu corpo é um veículo em emergência. A ambulância atrasa novamente. Morreu de quê? Morte matada. Com um sémen presente no gene e dois ventrículos castrados. Fomos parar à Mutamba e lá estava a frase legitimando: "A interrupção voluntária é máscula". Chamamos a ambulância, a menina durante o congestionamento pediu-nos, em agonia: "Chamem o obituário! Eu e o nato não queremos mais respirar...".

Corpo

13.02.2019 | por Indira Grandê

Desburocratizar Angola

Desburocratizar Angola Não sei como começou esta febre da “apropriação cultural” mas vem mesmo a calhar. É a expressão que faltava para caracterizar a burocracia. Sim, nós mangolês apropriamos a burocracia dos tugas e infelizmente fizemo-lo à letra; apropriamos a burocracia como cultura, ou a burocracia é que nos apropriou; a burocracia como doutrina, a burocracia agora é nossa, burocracia e mais burocracia. BU-RO-CRA-CIA. Vive la bureaucratie! Quem está bem é o bebé nas costas da mãe, cochila desconhecendo as nossas malambas diárias.

Cidade

06.02.2019 | por Indira Grandê

Se isto é um herói

Se isto é um herói A propósito da estreia em Portugal da adaptação cinematográfica de 'Mais Um Dia de Vida', um percurso pelos lugares e personagens do livro clássico do jornalista polaco Ryszard Kapuscinski, que descreve Angola em 1975, o fim do colonialismo, o nascimento de um novo país e o início de uma guerra civil.

Afroscreen

28.01.2019 | por Susana Moreira Marques

Percepção da música da periferia, o caso do Kuduro

Percepção da música da periferia, o caso do Kuduro O kuduro em Angola é intervenção urbana e social. Além da música e dança tão potentes que não deixam ninguém indiferente, é “forma” de contar uma estória. Se repararmos na questão linguística, a linguagem kudurista reveste-se de grande criatividade, absorve qualquer gesto do quotidiano, ironias e falas de rua, calão, inventando até idiolectos como o "burguês", performatizando a loucura da vida urbana, sobretudo do gueto.

Palcos

02.01.2019 | por Marta Lança

Uma implosiva geografia exílica

Uma implosiva geografia exílica O que escreve Djaimilia Pereira de Almeida pode entender-se como poderosa ferramenta de transformação da visão da paisagem humana portuguesa, não se rasurando - antes reunindo-os um curativa convivência - os fragmentos dolorosos de uma história feita de frustrações e desilusões , de fracturas e distanciamentos e de ambíguos sentimentos.

A ler

21.12.2018 | por Inocência Mata

Panorama: fantasmas latentes

Panorama: fantasmas latentes O hotel traz consigo a simbologia da viagem, dos trânsitos diaspóricos, é um dos elementos arquitectónicos recorrentes nas explorações da artista. Em Hotel Globo (2015), obra que tem como ponto de partida o hotel construído na década de 50 na Baixa de Luanda, o edifício adquire um estatuto de quase resistência às mudanças aceleradas em seu redor; Panorama materializa a decadência, é um navio naufragado, resignado à própria sorte.

Cidade

29.11.2018 | por Paula Nascimento

“Essa dama bate bué!” - PRÉ-PUBLICAÇÃO

“Essa dama bate bué!” - PRÉ-PUBLICAÇÃO Sonhou que via Luanda lá de cima. No alto do Morro da Cruz, um mpungi gigante de marfim equilibrava-se na sua ponta. No Morro da Fortaleza, outro mpungi igual. Da terra chegou um sopro grave que subiu pelas pontas maiores dos mpungis. Este alcançou as nuvens, e o céu palpitou em resposta. O barulho feito pelo céu espalhou-se por onde lhe levou a vontade. Depois juntaram-se marimbas a tocar na Corimba e mukupelas na Samba.

Mukanda

29.11.2018 | por Yara Monteiro

A cidade o tornou reticente e sombrio

A cidade o tornou reticente e sombrio a história deles se torna a história habitual de muitos imigrantes que vieram das antigas colônias em busca de um tratamento médico ou de uma vida melhor. Em Angola, Cartola era parteiro. Em Lisboa, virou servente de obra, e a cidade o tornou reticente e sombrio. Aquiles, que ainda era adolescente ao mudar de país, deixou de se sentir angolano: “Esse olhar de quem vê o mundo da cama, contrariado, a morder-se de raiva porque ninguém o ouve, ninguém acode, foi a sua nacionalidade assim que pisou em Lisboa.”

A ler

29.11.2018 | por Tatiana Salem Levy

Nova Lisboa, a imagem versus a amnésia coletiva

Nova Lisboa, a imagem versus a amnésia coletiva Estas fotografias permitem visualizar um período da história que moldou, profunda e permanentemente, a nossa contemporaneidade, e que sentimos grande relutância em abordar. Embora representem uma época na qual a fotografia era exclusiva de uma classe dominante, dádiva a que poucos acediam, no processo criativo de Jasse estes retratos são um importante legado. Para além da sua estética apelativa, permite-nos reunir os estilhaços da história hostil de um país, onde os sucessivos episódios traumáticos causaram um apagamento irreversível da memória.

Vou lá visitar

06.09.2018 | por Kiluanji Kia Henda

“N’gola Cine”, o país onde vivemos, sobre a exposição de Yonamine

“N’gola Cine”, o país onde vivemos, sobre a exposição de Yonamine Metáfora sarcástica de Yonamine para analisar, com senso comum e olhar emancipado, a história mais recente de Angola.O artista inverte a sintaxe criativa à qual nos tem habituado: onde ele acumulava agora esvazia, onde ele organizava em forma de quadrículas, agora o faz unindo a irregularidade de contornos das palavras e das frases, onde ele antes colava na parede, agora pendura ou estende como se já tivesse lavado e purificado tudo, como se a realidade tivesse deixado de ser um lençol corrompido e insano.

Vou lá visitar

18.05.2018 | por Adriano Mixinge e JAHMEK CONTEMPORARY ART