Não creio que a Argentina se transforme no Brasil. Penso que as igrejas aqui nunca terão tanto poder como lá têm. A Argentina é uma sociedade bastante secular. Agora, é preciso compreender plenamente o que acontece numa igreja, as pessoas não vão apenas em busca da promessa do paraíso, que é normalmente a primeira coisa que se pensa a partir de um lugar secular; não, as pessoas vão à igreja para encontrar colectividade, entusiasmo partilhado, dançar, gritar, êxtase. Uma pessoa cuja vida é bastante monótona, limitada e com muito esforço físico no trabalho, como poderia não querer ir para um lugar onde sente tantas emoções positivas? Porque se eliminarmos Deus e o simbolismo, quem entre nós não tem uma crença?
Cara a cara
22.09.2021 | por César González, Tomás Guarnaccia e Miguel Savransky
O trabalho e a prática de Freire inspiraram o que se tornou um movimento pedagógico crítico mundial. Cabral é uma influência centralmente importante, embora em grande parte não reconhecida, desse movimento. No último livro escrito antes de sua morte, intitulado Cartas a quem ousa ensinar, a influência de Cabral sobre Freire parece ter permanecido central, pois ele insistiu que o livro era “importante para lutar contra as tradições coloniais que trazemos conosco”.
Jogos Sem Fronteiras
22.09.2021 | por Curry Malott
Este seriado de 27 episódios dá a conhecer os habitantes, os artistas e a história da Quinta do Mocho. São micro-documentários etnográficos realizados pelo antropólogo e sociólogo Otávio Raposo, editados pelo antropólogo Filipe Ferraz, e com conceção gráfica e comunicação da antropóloga Gabriela Leal.
Esta série está integrada no projeto de investigação ArtCitizenship, que pesquisa “territórios não-institucionais de construção da cidadania e de participação na esfera pública”, procurando compreender os elos entre arte, criatividade e agência política.
Afroscreen
22.09.2021 | por Otávio Raposo
A postura singular e imponente (sem ocupar demasiado espaço, equilíbrio que nem sempre é fácil) de Orlando Sérgio é impactante onde quer que ele esteja. A voz com um timbre de sábio e teatro não dramático, manifesta ponderação, profundidade e jovialidade. Gosta de andar pela cidade e reunir-se com artistas, criativos, intelectuais, pessoas com almas inquietas, gosta de sentar-se em conversas prolongadas e a partilhar histórias hilariantes.
Cara a cara
22.09.2021 | por Marta Lança
Não faz mal mostrar ao mundo a realidade, não temos de fingir, chegou a hora de mudar e fazer uso da nossa voz, não somos mais crianças, nem meninas assustadas que são seguidas, nós somos mulheres que dizemos sim ou não quando queremos, que fazemos uso do nosso corpo para o que queremos, que consentimos quando desejarmos e exigimos respeito em todos os momentos da nossa vida. Não vamos desistir.
Corpo
22.09.2021 | por Alícia Gaspar
Até aos dias de hoje, o significado da guerra tem sido concertado através de diferentes instâncias de memorialização e esquecimento, que ora a constituem como “insurgência fundadora”, como doloroso epílogo do império ou como episódio último de uma mais vasta história de violência colonial. Este livro dedica-se precisamente a retomar as viagens de sentido através das quais os eventos e as datas marcantes da guerra chegaram à atualidade. O título que escolhemos tem assim duas leituras. Por um lado, "As Voltas do Passado" evoca o modo como a guerra circulou entre diferentes tempos e lugares através de memórias mobilizadas por combatentes, populações. Por outro lado, este é também um livro sobre o regresso da guerra aos sucessivos presentes, em combinações irregulares entre a evocação de um passado constitutivo e os usos seletivos da memória.
A ler
22.09.2021 | por Bruno Sena Martins e Miguel Cardina
O que diz sobre como o cinema antecipou, por exemplo, o Holocausto, também o podemos transferir para uma cenário mais próximo, como a Argentina nos anos 70, onde havia um cinema militante que se concentrava nos sectores marginalizados e avisava ou alertava, por assim dizer, sobre o neoliberalismo e a miséria planeada. Com o passar do tempo, este fio foi cortado ou não recebeu importância; houve um aviso, mas não foi atendido (ou, pior ainda, foi reprimido).
É interessante porque, face a estas imagens antecipatórias, havia uma maquinaria que tinha de responder com outras imagens para as encobrir. Face a imagens que anteciparam, foi necessário criar imagens que serviram para fortalecer o neoliberalismo, que serviram para fazer as pessoas quererem este modelo de vida. Não se responde a imagens com um pedido de nulidade ou censura, responde-se a elas com outras imagens.
Cara a cara
20.09.2021 | por César González, Tomás Guarnaccia e Miguel Savransky
O presente livro propõe uma etnografia e história do funaná, uma prática de música e dança que emergiu na ilha de Santiago, Cabo Verde, no período pós-escravatura de final do século XIX, ligada às práticas expressivas de tocadores de gaita (um acordeão diatónico de botões), fero (uma barra de ferro friccionada e percutida com uma faca) e cantores, assim como de audiências participativas. Ao situar esta prática expressiva numa trajetória colonial e pós-colonial o livro procura questionar de que modo a prática cultural e a raça enquanto formação discursiva se entrelaçaram em contextos coloniais, como esse entrelaçamento foi questionado na pós-colonialidade, e que legados desse processo de racialização persistem no presente.
A ler
20.09.2021 | por Rui Cidra
Vivemos um tempo em que reconstruir parece ter-se tornado a preocupação central de todos, como acontece de modo geral num pós-guerra. A pandemia faz proliferar planos e ideias de reconstrução, recovery plans, programas de retoma, de reconstrução, de recomeço, de recuperação. É uma reação típica a determinados tempos do fim, quando se viveu uma espécie de fim dos tempos, uma experiência catastrófica ou final que profunda e destrutivamente se abateu sobre um determinado tempo, deixando a posteriori uma intenção - antes de um gesto - de superação do fim ou de reinício, o virar da página.
A ler
18.09.2021 | por Roberto Vecchi
Alimentando a fé e congregando os fiéis em grupos de seguidores, surgiram no Sertão todo o género de líderes que, com frequência, se transmutavam no processo: de conselheiros a pregadores, de padres a messias, de beatos a santos, todas as combinações eram possíveis. Quando as congregações assumiam dimensões políticas contestatárias, rapidamente passavam a ser consideradas uma ameaça à ordem estabelecida. Para as autoridades e representantes do catolicismo oficial, o líder religioso passava então à qualidade de impostor, revolucionário ou bandido. A polícia ou o exército ocupavam-se de reduzir os rebeldes - líder e seguidores.
Afroscreen
16.09.2021 | por Anabela Roque
O cinema pode ser uma ferramenta privilegiada para combater e romper com esses modelos hegemônicos de ver, pensar e representar o outro dentro de uma lógica de opressão. Ver-se em outra perspectiva, imaginar-se, descrever-se e reinventar-se pelo cinema é uma forma de descolonizar imaginários, interrogar as matrizes de representação opressoras e criar estratégias para a construção de outras, que em vez de reduzir, multiplicam as possibilidades de existência na ideia de diversidade.
Afroscreen
15.09.2021 | por Fernanda Polacow
Criar uma voz pessoal é um trabalho duma vida inteira e nunca estamos satisfeitos. Qual é o meu melhor livro? O meu melhor livro é aquele que eu ainda não escrevi e que apenas existe na minha cabeça. Tenho alguns poemas para um próximo livro, escrevi dois pequenos livros, cada um tem dez poemas. Um, durante a pandemia, que é A respiração suspensa, e um outro, Exorcismos para ler em voz alta. Em alguns desses poemas entram o quimbundo, o nganguela e umbundo. Toda poesia, toda manifestação de arte, é um acrescento de beleza à beleza que o mundo não tem. Não é o real quotidiano que deve fazer a poesia, mas, ao contrário, a poesia é que deve, em absoluto, criar o real quotidiano.
Cara a cara
07.09.2021 | por Doris Wieser, Zetho Cunha Gonçalves e Paulo Geovane e Silva
A aldeia era pequena, todos se conheciam, Amande sabia que eu ia falar com outros habitantes. Provavelmente, ao mostrar-me a terrina, quis antecipar-se a eventuais mexericos. Naquele mesmo serão, um outro morador da aldeia, um veterano da guerra da Argélia, confidenciou-me que o pai de Amande ocupou, durante a Segunda Guerra Mundial, funções na administração local que implicavam contactos frequentes com os alemães. E que, à boca pequena, só por causa disso, muitos lhe chamavam «colaboracionista». Mas depois disse que isso fora há muito tempo e que já quase ninguém se lembrava dessas histórias.
A ler
06.09.2021 | por Paulo Faria
Enquanto disciplina, a arqueologia é um produto da modernidade ocidental e de relações de colonialidade contemporâneas. Neste texto discuto brevemente a arqueologia no contexto da descolonização do saber e da sociedade. De seguida, exponho quatro problemas centrais com que devemos lidar, seguidos de propostas de discussão ou exemplos de experiências descolonizadoras. O projeto descolonial está longe de ser uma mera abstração. Pelo contrário, é uma oportunidade para imaginarmos um mundo com justiça social.
Jogos Sem Fronteiras
02.09.2021 | por Rui Gomes Coelho
O ponto de vista sobre a guerra não é portanto aqui o mais habitual – por ser o de mulheres do campo em Portugal, não protagonistas do palco da guerra. É o ponto de vista do impacto do acontecimento nas vidas (banais) daquelas que permaneceram em contextos rurais ou semi-urbanos em Portugal, e de como as suas vivências e sociabilidades (também) se constituíram pela guerra e pela influência, por vezes quase espectral, daqueles que para ela foram mobilizados: noivos, maridos, ou quase desconhecidos.
Vou lá visitar
31.08.2021 | por Ana Gandum
Existe, sim, um espaço para o jornalismo lento, de várias páginas, assim como pessoas que o procuram ler, tal como criar. Exemplo disso é o surgimento de cada vez mais projetos de jornalismo alternativo que se têm vindo a apoiar na construção de uma comunidade de leitores. Porém, todos os órgãos de comunicação, sejam eles alternativos ou mainstream, ocupam o seu lugar na esfera mediática e todos apresentam relevância.
A ler
27.08.2021 | por Andreia Monteiro e Sofia Craveiro
Antes de ter a cabeça a prémio, Lesther Alemán era um estudante de Comunicação Social com o dom da palavra. Tinha 20 anos e integrava a Aliança Universitária Nicaraguense. Com o país a ferro e fogo, em abril de 2018 uma mesa de diálogo entre Ortega e os opositores tentava encontrar uma saída para o caos que se arrastava há um mês. Quando o jovem de 20 anos - óculos de armação grossa e voz grave, quase cerimonial - pegou no microfone a sala congelou.
Jogos Sem Fronteiras
26.08.2021 | por Pedro Cardoso
Fuckin'Globo, provavelmente, o mais ousado dos eventos de arte contemporânea que acontece na cidade, num momento em que as tensões políticas, económicas e sociais do ano pré-eleitoral, em Angola, estão à flor da pele.
Vou lá visitar
23.08.2021 | por Adriano Mixinge
Esta é uma retrospetiva praticamente integral da obra de Sarah Maldoror (1929-2020), realizadora conhecida sobretudo pela dimensão mais militante do seu cinema associada às lutas contra o colonialismo, e autora de uma obra multifacetada determinante para a afirmação de uma cultura negra, que, permanecendo em grande parte invisível, assume particular relevância no contexto português pela sua ligação ao nosso passado colonial.
Afroscreen
18.08.2021 | por Joana Ascensão
A câmara de Sarah Maldoror captou os primórdios da luta pela libertação de países africanos, ao lado de nacionalistas como Mário Pinto de Andrade, seu marido, Amílcar Cabral ou Agostinho Neto. "Sempre convivi com este problema da mestiçagem. Um mestiço pode ser um africano que defende uma causa. Mas também aprendi com a minha experiência que não devemos lutar pela moral. Em nome da moral fazem-se guerras. Quando me falam de moral eu calo-me. O que é a moral? Há é que falar de respeito."
Cara a cara
17.08.2021 | por Pedro Cardoso