Representações do feminino na cinematografia do realizador brasileiro Karim Aïnouz
No cinema brasileiro, Karim Aïnouz (Fortaleza, Ceará) não trabalha exclusivamente com o universo feminino, mas quando o faz trata-o de um modo muito particular. Entre a ficção e o documentário, ou misturando as duas linguagens, o realizador, que também assina os guiões dos seus filmes, explora a identidade feminina a partir dos seus desejos e frustrações, das suas aspirações sociais e condição económica, do lugar que ocupa na família, no trabalho, etc. Constrói uma galeria de personagens femininas que atravessa os tempos, num contínuo de histórias de opressão, e atualização de resistências. São mulheres fortes, ativas frente a uma sociedade hipócrita.
Desde o início dos anos 90, Aïnouz tem construído, ao longo do seu percurso cinematográfico, uma representação da mulher em contramão ao cinema convencional que, com demasiada frequência, trabalha uma figura feminina produzida pelo e para o olhar masculino, muitas vezes machista. Ao fazer as narrativas dos seus filmes avançarem sob o ponto de vista feminino, o cineasta não só questiona essa perspetiva masculina, como mostra o poder de outras representações de género.
Esta abordagem surge a partir de uma premissa importante para o realizador: explorar a construção da identidade feminina dentro de um espaço patriarcal. Uma questão que surgiu a partir do seu contexto familiar: “Sempre me interessou muito [perceber] como que num espaço completamente adverso, essas mulheres conseguiram viver com muita dignidade? Sempre esteve muito presente no meu quotidiano. (…) Acho que tem a ver com a minha criação sempre próxima delas. A gente acaba sendo refletido pelo que faz, o trabalho reflete o que somos. E sou alguém que tem essa trajetória próxima do feminino”, refere Karim numa entrevista a Sumaya Machado Lima para a sua tese de doutoramento As Filhas do Vento e O Céu de Suely: sujeitos femininos no cinema da retomada, apresentada em 2010 na Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil).
As mulheres da família de Karim Aïnouz são a sua referência
Seams, a segunda curta-metragem do cineasta, dirigida em 1993 no início da sua carreira, é um documentário em tom autobiográfico que faz uma imersão na sociedade patriarcal e conservadora do Brasil do século passado — anos 20 e 30. O filme reúne relatos das mulheres da família do realizador, a sua avó e tias-avós, que contam histórias sobre romance, casamento, sofrimento e sobrevivência no nordeste do país. São as primeiras personagens femininas que Karim trouxe para a sua cinematografia e as que, juntamente com a sua mãe, se tornaram referência e inspiração para parte significativa da sua obra.
Seams é um trabalho por várias vezes mencionado por Karim Aïnouz como um filme-chave na construção da sua abordagem do universo feminino, de uma forma direta e declarada nos filmes A Vida Invisível (2019) e O Céu de Suely (2006) mas também, indiretamente, no seu recente Nardjes A. (2021) ou nas produções que dirigiu para o canal HBO Brasil — o filme O Abismo Prateado (2011) e a série de TV Alice (2008).
O mesmo tema também está presente como detonador de tensões e opressões em A Vida Invisível, no qual Guida (Julia Stockler), uma das irmãs protagonistas, tem que encarar o desafio de criar o seu filho sem o pai. Passado no Brasil dos anos 50, este filme, que explora uma realidade muito próxima à vivida pelas mulheres da família do realizador, conta com guião de Karim Aïnouz, Inés Bortagaray e Murilo Hauser, a partir do romance A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Martha Batalha.
Um filme que é uma homenagem à sua mãe
O filme A Vida Invisível é, para Aïnouz, uma homenagem à geração da sua mãe, como referiu na entrevista a Amanda Massuela, para a Revista Cult, em novembro de 2019: “Num primeiro momento encontrei no livro uma série de coisas que eram muito próximas da minha experiência pessoal, da família da minha mãe e da geração dela. (…) vi ela dentro daquele livro. Veio o ímpeto de contar como é que essas mulheres, que hoje estão nos seus 90 anos, chegaram até aqui. Como elas sobreviveram. O filme começa desse lugar muito privado, e vai para a ideia de fazer uma crónica do que era viver num momento histórico em que você não tinha a revolução sexual, a pílula anticoncecional e uma série de conquistas que surgem a partir da década de 1960. E entender como é que algumas coisas mudaram para melhor e como algumas permaneceram iguais.”
Arnaldo Godoy, professor na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, refere no seu podcast Direito & Literatura que, “do ponto de vista ético, A Vida Invisível é um filme denúncia sobre a opressão feminina. É um filme que a nós homens nos faz pensar que participamos desse genocídio de género, porque somos histórica e presentemente responsáveis pelo que fizemos e fazemos e pelo que não fizemos e não fazemos. Convivemos com tudo isso e, contra tudo isso, talvez muito pouco fazemos. É um filme militante.” Para o cineasta, o filme é um “melodrama tropical” com esse viés de filme político, a sua narrativa traz uma série de reflexões sobre o papel da mulher na sociedade.
De todas as personagens do romance de Martha Batalha, Guida foi a que imediatamente cativou Karim Aïnouz porque lhe recordava muito a sua mãe, uma mulher à frente da sua época. “Fui mergulhando na história com isso em mente”, disse à GZH Cinema. Guida é particularmente interessante, extrovertida, sonha em viver uma paixão avassaladora, em contraste com a sua irmã Eurídice (Carol Duarte), uma jovem tímida, realista, que almeja ser pianista. Ambas enfrentam a sociedade machista e patriarcal, no seio de uma família de imigrantes portugueses.
As irmãs cariocas são a primeira geração brasileira de pais estrangeiros, conservadores, que procuram que as filhas correspondam às suas expetativas de afirmação burguesa, caminho para uma classe que cobiçam, mas da qual não fazem parte. O sonho de Eurídice de ser uma grande pianista está de acordo com essas aspirações, mas já Guida tem outros planos, que passam por se libertar das estreitas regras familiares, o que faz dela uma personagem desviante.
As regras são as de um pai conservador, autoritário — interpretado pelo ator português António Fonseca — e não contam com a oposição da mãe submissa, preocupada em conservar a ordem familiar e as tradições — personagem interpretada pela atriz portuguesa Flávia Gusmão. Na luta contra esses bloqueios, Guida atreve-se a romper a bolha e o orgulho do pai, que se sente traído, sentencia a filha a uma condição de desamparo. Guida teve o seu castigo como desafiadora, mas o avançar da narrativa contorna a sua possível infelicidade como moral da história.
Desafios que atravessam gerações e estratégias de resistência que se atualizam
O desenrolar do trajeto de Guida em A Vida Invisível traz, entre outras questões, a problemática em torno da maternidade, desde a sua possível rejeição, ao como enfrentá-la. No documentário Seams, a avó de Karim conta que, na sua geração, “a mulher com um filho sem casar era riscada, não podia mais voltar para casa dos pais, que geralmente não a aceitavam mais. E elas iam para onde? Ficavam por aí”. Na geração de Guida a realidade não é muito diferente. O estigma persiste no tempo. O caminho feito por Guida, nos anos 50, aproxima-se ao da protagonista de O Céu de Suely no século XXI — a desafios semelhantes respondem ambas com a mesma força de reação. Guida e Hermila passam pela encruzilhada que muitas mulheres vivem depois de desfeitas as promessas amorosas e chegado o abandono: que fazer com os seus filhos? Deixá-los ou criá-los? E como, em que contexto e com que meios?
A estratégia de Guida passa por acumular dois trabalhos. Um deles é como operária numa fábrica, onde um dos seus colegas lhe diz, numa das falas mais simbólicas do filme: “Mulher como tu teria que estar trabalhando noutro lugar”. Uma declaração que, independentemente da leitura que dela se faça, indica claramente a rejeição vigente na época à presença feminina no ambiente laboral.
Esta questão da rejeição já estava no documentário Seams, a tia Juju recorda como eram discriminadas as mulheres que trabalhavam fora de casa, diz “Não valiam nada”. A sua irmã Branca, a avó do Aïnouz, quando o marido foi embora, não conseguia trabalho, “não era por nada, não, era porque era impossível, praticamente, para uma mulher separada, ter um trabalho fora de casa. Ela virou costureira por causa disso. Foi a maneira que ela encontrou de dar subsistência à família, foi trabalhar dentro de casa, porque fora de casa era impossível.”
Superada a inclusão no mundo laboral, outra questão se coloca: com quem deixar os filhos? As personagens de Karim recorrem geralmente a outras mulheres, numa espécie de política de alianças que se enredam no entorno familiar ou no das amizades mais próximas. Em O Céu de Suely, Hermila encara a sua situação de monoparentalidade com um suporte familiar centrado na sua avó, embora esta seja instigadora de tensões que a tia (Maria Menezes) e a amiga (Georgina Castro) amenizam, uma vez que ambas ajudam a jovem sem julgar as suas decisões. Para Hermila, as alianças no seio familiar são conflituosas por desígnio do realizador. “Era muito importante falar da questão da utopia de Hermila, como personagem feminina, o que esse tipo de atitude, de decisão, impactavam dentro de uma organização familiar, dentro de uma cadeia social”, sublinha Karim em entrevista a Sumaya Machado Lima.
Numa relação mais próxima a uma real sororidade, Guida junta-se a Filó (Bárbara Santos) — uma mulher que vive sozinha e cuida dos filhos de outras mulheres do bairro para que estas possam trabalhar — e estabelece com ela um acordo de ajuda mútua que lhe permite criar o seu filho e ter uma família. À Revista Cult, Karim revelou que “Tinha um desejo muito grande de fazer um filme que, antes de qualquer coisa, fosse contra o patriarcado, mas que também questionasse a família de sangue, que tentasse falar da família como um lugar da escolha. É um tema que me interessa desde que eu comecei a fazer cinema: como é que a gente vive junto, como é que a gente constrói famílias que são eleitas e não impostas pra gente.”
Noutra latitude e no filme mais recente de Aïnouz, Nardjes A., o cineasta não deixou de fora a questão do apoio mútuo entre as mulheres. A jovem ativista, Nardjes, conta: “A minha mãe nasceu na prisão porque a minha avó estava presa na época da ocupação colonial. A minha avó foi solta depois que a minha mãe nasceu. Deixou a minha mãe com a tia e juntou-se de novo à resistência.” O avô de Narjes morreu, alguns meses antes da sua mãe nascer, em combate na guerra da independência argelina, que terminou em 1962 com a proclamação da independência.
Quase sessenta anos depois, o realizador regista, no documentário em Nardjes A., grupos de mulheres em protesto nas ruas da capital argelina, na segunda grande manifestação contra um quinto mandato de Bouteflika, a 8 de março de 2019, Dia Internacional da Mulher. Nas ruas elas reclamam a democracia, reivindicam o país para os jovens, exigem a saída “dos velhos” do governo, pedem que a juventude fique no país. Sair ou fugir para o estrangeiro tem que deixar de ser uma opção.
“Parabéns às mulheres!”, grita Nardjes na manifestação, a quem se junta em vários momentos do protesto. No início do filme ela conta que antes pensava sair do país, “parte de mim queria um visto, um bilhete só de ida”, mas depois de 22 de fevereiro de 2019, dia do primeiro grande movimento de protesto, já não quer mais deixar a Argélia. Desde essa primeira manifestação, a mobilização popular estendeu-se até ao início de 2020, quando foi interrompida pela pandemia. Este 22 de fevereiro último, os protestos voltaram à rua porque o partido de Bouteflika continua no poder, embora o político veterano tivesse abdicado do seu quinto mandato.
A travessia para outro lugar para ser outra
Nardjes é mais uma das personagens femininas da filmografia do realizador que pondera partir em busca de uma nova vida, no entanto, a jovem ativista decide lutar por essa nova existência no seu próprio território, através da resistência política. É de grande simbolismo a cena em que o cineasta filma Nardjes no meio de uma imensa multidão que atravessa o túnel de acesso a uma das praças da capital argelina, lugar nevrálgico da manifestação. Em O Abismo Prateado, Karim também coloca Violeta a cruzar a pé, sozinha, um túnel do Rio de Janeiro, num transe que sugere uma deslocação interior mais que física.
Outras personagens femininas de Karim sobem a transatlânticos, viajam de autocarro, desesperam à procura de um bilhete de avião, sonham com voltar à grande cidade ou estudar no estrangeiro. Algumas fazem paragens provisórias, outras vão e voltam ou voltam, com a promessa de ir embora. À Revista de Cinema o realizador confessa: “Sempre achei que as pessoas têm vontade de se jogar no mundo e serem outras pessoas. Importa a travessia para outro lugar para ser outra pessoa.”
Em O Céu de Suely, Hermila está inserida numa classe social desprivilegiada numa pequena cidade de interior do mesmo território de “cabras machos” em que viveram a avó e as tias-avós de Karim. Nesse espaço simbólico, que segue conservador e machista, o horizonte árido e opressor concentra a vida num lugar de passagem, onde os que ficam se sentem sufocados. Hermila quer ir para o mais longe possível, anseia chegar do extremo norte ao extremo sul do país.
Na mesma entrevista a Sumaya Machado Lima, o realizador enquadra essa decisão de Hermila: “Eu tinha uma vontade de fazer um filme que fosse sobre uma mulher que vai embora, entendeu? Porque os homens podem deixar tudo pra trás e as mulheres não podem?” Eu acho que O Céu de Suely, de algum modo, traduz um negócio que sempre imaginei. Porque acho que a minha mãe deve ter sonhado tanto em ir embora (…). Então a história do filme está relacionada a uma certa fantasia que eu tinha que era: seria tão bacana que, mesmo na ficção, eu pudesse imaginar o que teria acontecido se a minha mãe tivesse ido embora, entendeu? Então o filme vem como um lugar, exatamente como uma possibilidade de imaginar coisas que eram inimagináveis.”
Com uma força vital para buscar alternativas à sua encruzilhada, Hermila se desdobra e cria a personagem Suely, a que negoceia com o seu corpo para financiar a viagem. A jovem decide vender aos homens da cidade uma rifa cujo prémio é uma noite “no paraíso” com Suely, uma decisão que a coloca em confronto com os seus afetos. A avó, reproduzindo a atitude patriarcal do pai de Guida, exclui a neta, condena-a igualmente ao desamparo. Outros questionamentos se sucedem. A cidade, com a sua moral apavorada, ameaça transformar Hermila na maldita Geni - da canção Geni e o Zepelim de Chico Buarque. A jovem contesta com uma declaração taxativa: “Quero ser puta não! Quero ser porra nenhuma!”.
Hermila protagoniza na ficção um caso real de uma mulher que, no início dos anos 90, se rifou na cidade de Juazeiro do Norte, também no interior cearense. A notícia ganhou tanta popularidade que foi escrita como uma história de Literatura de Cordel. No ano 2000, Karim Aïnouz e Simone Oliveira Lima a adaptaram ao cinema na curta-metragem de ficção Rifa-me que também decorre no interior do mesmo Estado, na cidade Quixeramobim localizada a poucos quilómetros da cidade onde, em 2006, Karim ambienta O Céu de Suely.
Ambos os filmes, a curta e a longa-metragem exploram o território do sertão cearense como um elemento dramático que impõe às protagonistas condições sociais adversas, uma certa invisibilidade e um sentimento não pertencimento que as leva ao deslocamento para outras geografias. Afinal Hermila/Suely e Ana Paula (protagonista de Rifa-me) são desdobramentos da condição feminina em territórios hostis, são mães com filhos para criar, são jovens sem meios para se sustentar. Geralmente, o destino é a grande metrópole e, dentro desse espaço, as periferias.
Na série de TV, Alice, que Aïnouz realizou com Sérgio Machado para a HBO Brasil, a protagonista (Andréia Horta) não ansiava por esse deslocamento, mas ele aconteceu e ela acaba por optar vivê-lo, quando decide não voltar para a sua pequena cidade. Em São Paulo ela constrói uma nova identidade, não numa geografia periférica, mas numa espécie de “zona franca” às margens do convencional, onde ela descobre uma nova família e a solidariedade de novos amigos. Dois anos depois da estreia de O Céu de Suely, Alice (2008) é mais um interessante relato no feminino com a assinatura do cineasta.
Também com aspirações de mudar de vida noutro território, em A Vida Invisível, Eurídice sonha com ir estudar piano para a Áustria, mas os seus desejos estão sob domínio: na sua vida, o pai, o marido Antenor (Gregório Duvivier) e, inclusive, o seu médico (Nelson Ferreira) são autoridades opressoras. Todos exercem sobre ela uma tutela que lhe retira o poder de decisão, limitando-a ao papel de mãe, esposa e dona de casa. Embora sejam homens dos anos 50, personagens construídas a partir da lógica do machismo vigente na época, é arrepiante perceber o que dele permanece na nossa sociedade.
Eurídice é um corpo violentado, consequência de uma forma de afirmação violenta do poder pelo sexo. No filme, algumas cenas dão visibilidade ao que em geral se guarda no foro íntimo da vida das mulheres de diferentes gerações, raças e latitudes. Em conversa com Branca Vianna no podcast da Rádio Novelo para a Revista Piauí, Karim salienta: “É como se eu tivesse desvendado algo nunca falado, como se eu abrisse uma panela de pressão. Parece que são coisas que a gente sabia que as avós e as mães tinham vivido mas sobre as quais nunca falamos. Porque eu nunca perguntei como é que foi a vida da minha mãe? Existe um silêncio tão gigante sobre os relatos do feminino dentro de um foro íntimo.” A violência sobre as mulheres atravessa os filmes citados de Karim Aïnouz, é exercida diretamente e indiretamente pelo patriarcado, de forma física e psicológica. Inclusive, dentro do próprio universo feminino, algumas das personagens reproduzem ou compactuam com as opressões patriarcais, numa extensão subvertida das mesmas.
Sem reservas, Karim constrói, a partir da sua experiência familiar, narrativas simbólicas que questionam modelos e normas, ao mesmo tempo que dão visibilidade a desafios comuns a diferentes gerações de mulheres. Na entrevista a Branca Vianna já citada, Aïnouz confessa que se questionou sobre o direito de falar sobre o universo feminino, quando preparava A Vida Invisível: “É um debate que esteve muito presentes quando eu pensei fazer o filme. E eu me perguntava todo o dia. Nunca esqueci essa pergunta. Será que eu tenho o direito de fazer esse filme, será que eu tenho o direito de contar essa história? Foi importante eu não esquecer essa pergunta. Ela era ativada em mim o tempo inteiro e acho que ela provocou coisas que foram muito incríveis como a constituição da equipa, basicamente feminina, com diretora de fotografia, montadora, engenheira de som e diretora assistente. Foi poderoso. A gente não pode ser ingénuo ao ponto de achar que essa pergunta não tem que ser feita. É uma pergunta produtiva.”
Atualmente, o cinema brasileiro já conta com vários filmes que apresentam um olhar diferenciado para o universo feminino, mas poucos cineastas reúnem um conjunto de obra tão significativamente elaborada sobre as questões de género como Karim Aïnouz. Os seus filmes são retratos mais que enredos, e não é por acaso que um dos traços autorais do realizador é colocar, em algum momento do filme, as suas personagens a olharem diretamente para a câmara. São mulheres que olham de frente com audácia.
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KARIM AÏNOUZ é cineasta, roteirista e artista visual. Estreou como realizador de longas-metragens com Madame Satã (Un Certain Regard/Cannes 2002). O Céu de Suely foi distinguido como melhor filme do 10ºFestival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira, em 2006, onde recebeu também o prémio da crítica. O filme estreou na secção competitiva ‘Horizontes’ do Festival de Veneza, no mesmo ano, e participou em mais de 90 festivais, onde recebeu vários prémios. A Vida Invisível, que estreou em Portugal em Fevereiro de 2020, foi o primeiro filme brasileiro a vencer o grande prémio da mostra paralela Un Certain Regard do Festival de Cannes, em 2019. No mesmo ano, o filme foi selecionado para concorrer na categoria de Melhor Filme Internacional no Independent Spirit Awards, célebres prémios norte-americanos que distinguem o cinema independente. O elenco do filme conta com a participação especial da atriz Fernanda Montenegro, considerada a grande dama do cinema e do teatro brasileiro. A cinematografia de Karim Aïnouz inclui ainda as longas-metragens Aeroporto Central (Prémio de Amnistia, Berlinale 2018), Praia do Futuro (Competição oficial, Berlinale, 2014), e O Abismo Prateado (Quinzena dos Realizadores, Cannes, 2011). A sua obra mais recente Nardjes A. (Panorama Berlinale, 2020) ainda não tem data de estreia em Portugal. Atualmente Karim Aïnouz vive entre Berlim, Fortaleza e São Paulo. Um dos filmes que tem em desenvolvimento é sobre o seu pai argelino. Ao crítico de cinema brasileiro Pablo Villaça disse, em Abril do ano passado, que a filme está a transformar-se numa narrativa sobre a sua mãe.
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