Filme 'Empate', de Sérgio de Carvalho: o legado de Chico Mendes mantém-se vivo na defesa da Amazónia.

O filme Empate (2024), de Sérgio de Carvalho, inicia-se com imagens da floresta amazónica em chamas. A ameaça do fim trágico da floresta, da sua biodiversidade e dos povos que nela habitam é o elemento catalisador da narrativa. O documentário constrói uma dialética entre a morte e a vida, ancorada no legado de Chico Mendes, célebre ativista ambiental assassinado brutalmente em 1988, aos 44 anos. O antigo serigueiro continua a ser uma referência imprescindível na luta contemporânea dos povos tradicionais por um modelo ecológico, sociocultural e económico que assegure a conservação da floresta. Empate estreou no Brasil em dezembro passado, mês em que Mendes completaria 80 anos.

Chico Mendes completaria 80 anos a 15 de dezembro de 2024.Chico Mendes completaria 80 anos a 15 de dezembro de 2024. 

No Estado do Acre, região da Amazónia Ocidental brasileira, a mobilização político-social de centenas de seringueiros - trabalhadores que vivem da recolha artesanal da borracha – iniciou-se na década de 1970, como resposta ao modelo de desenvolvimento imposto pelo regime da Ditadura Militar, que incentivou a ocupação da floresta por colonos conhecidos por ‘paulistas’, denominação atribuída aos imigrantes provenientes da região Centro-Sul do país. Fazendeiros e pecuaristas invadiram terras habitadas, desde há décadas, por seringueiros ou coletores da castanha-do-brasil, com o objetivo de desmatar para abrir pastos destinados à criação de gado.

A resistência dos seringueiros e seringueiras do Acre transformou-se num movimento histórico que ganhou força a partir de 1975. Este impulso deveu-se, sobretudo, à fundação, sob a liderança de Chico Mendes, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Brasiléia, e, posteriormente, do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), atualmente conhecido como Conselho Nacional das Populações Extractivistas. Esses anos de organização política e social transformaram profundamente a existência deste grupo de indivíduos que, habituados ao isolamento na floresta, romperam com esse paradigma e tornaram-se agentes da sua própria história. Com a força da união reivindicativa, afirmaram a identidade das comunidades tradicionais e conquistaram os direitos que, ainda hoje, garantem a preservação do seu modo de vida, baseado numa convivência sustentável entre seres humanos, seres não-humanos e a floresta.

Para fazer frente aos invasores, os trabalhadores dos seringais passaram a organizar-se numa tática de luta que ficou conhecida como empate, na qual cercavam, no meio da floresta, os que avançavam sobre o seu território. O primeiro empate aconteceu no Seringal Carmen, sob a organização do Sindicato de Brasiléia - município onde Chico Mendes iniciou sua atividade como sindicalista. A cada tentativa de ocupação, “corríamos pelos varadouros [veredas que ligam os seringais], uns chamando os outros para a luta. Com um grupo de trinta ou quarenta companheiros, estávamos reunidos para o empate”, relata um antigo seringueiro no filme de Sérgio de Carvalho, cujo título homenageia esta forma de resistência. 

Treze dias antes do seu assassinato, a 22 de dezembro de 1988, Chico Mendes explicava ao Jornal do Brasil que o empate era a forma de luta encontrada pelos seringueiros para impedir o desmatamento: “A gente se coloca diante dos peões e jagunços, com nossas famílias, mulheres, crianças e velhos, e pedimos para eles não desmatarem e se retirarem do local. Eles, como trabalhadores, a gente explica, estão também com o futuro ameaçado. E esse discurso, emocionado, sempre gera resultados. Até porque quem desmata é o peão simples, indefeso e inconsciente”. 

No documentário, um dos amigos próximos de Chico Mendes, Sabá Marinho, recorda a coragem que guiava os seringueiros: “O que fazíamos era arriscar a vida em defesa da nossa família e do nosso povo”. Marinho relembra que, perante o ambiente tenso do frente-a-frente com polícias e pistoleiros armados, Chico Mendes defendia uma abordagem não-violenta: “Vamos de mão abanando. Não vamos fazer ameaça”.

Numa outra sequência do filme, Marlene Teixeira de Oliveira, seringueira e também companheira de luta de Chico de Mendes, recorda com emoção, num encontro com outras mulheres, como foi o empate no Seringal Cachoeira. Dona Marlene conta que o grupo que se reuniu para o confronto decidiu ir desarmado, colocando as mães e as crianças na linha de frente, pois acreditavam que estas não seriam atacadas, enquanto os homens seguiam atrás, adotando uma postura pacifista. Este depoimento é um dos poucos momentos do documentário em que as mulheres seringueiras assumem protagonismo, mas a descrição da sua coragem, ao colocarem os seus corpos na dianteira da contenda, revela o papel crucial que desempenharam naqueles anos de luta conturbada. 

Dona Marlene (de vestido azul, na primeira fila) e outros moradores da Resex Chico Mendes. Fotograma do filme Empate.Dona Marlene (de vestido azul, na primeira fila) e outros moradores da Resex Chico Mendes. Fotograma do filme Empate.

O último empate em que Chico Mendes participou teve lugar nesse mesmo Seringal, em março de 1988. Gomercindo Rodrigues (Guma), outro antigo companheiro, recorda no filme: “O Cachoeira custou a vida do Chico.”, pois este foi baleado por Darci Alves Pereira, filho do fazendeiro Darly Alves da Silva que insistia em ocupar as terras onde se localiza o seringal. Imagens de arquivo incluídas no filme mostram o líder sindicalista a anunciar a decisão de autodeclarar a área florestal do Cachoeira como a primeira reserva extractivista: “É uma decisão dos seringueiros antes da decisão do governo!”. 

Esta estratégia consolidou-se quando, em 1987, este seringal e outros três foram classificados como Projetos de Assentamento Agroextrativista. Mais tarde, em 1990, foram renomeados como Reserva Extractivista Chico Mendes, o que se tornou a grande conquista para todos os que, durante anos, lutaram pela manutenção das suas ‘colocações’ – nome dado às áreas atribuída às famílias de seringueiros, na quais vivem e trabalham. Atualmente a Reserva designa-se Resex Chico Mendes e é a segunda maior do Brasil, com 970.000 hectares.

A criação da Resex Chico Mendes tornou-se um marco que abriu novos rumos na história da preservação da Amazónia, ao estabelecer precedentes importantes para a justiça social dos povos amazónicos e para a proteção da diversidade cultural e ambiental. A partir deste feito fundacional, a revindicação pelo reconhecimento de outros territórios como Reservas Extractivistas propagou-se pelo bioma, como resposta à destruição dos territórios dos povos tradicionais por ‘grileiros’ – usurpadores de terras públicas - latifundiários e madeireiros.

Em 1989, o conceito de Reserva Extrativista foi declarado como “a reforma agrária dos seringueiros” pelo STR de Xapuri, pelo CNS e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT). Tal como Chico Mendes defendia, estes territórios foram organizados com base no direito de usufruto, mantendo as terras como propriedade pública, sem títulos individuais de propriedade. Este modelo, que seguia o aplicado às terras indígenas, reconheceu a posse coletiva do território, o que se tornou um instrumento valioso para o planeamento territorial na Amazónia. Como foi estipulado pelos representantes do STR, CNS e CUT em 1989: “Nelas serão respeitadas a cultura e as formas tradicionais de organização e de trabalho dos seringueiros, que continuarão a realizar a extração de produtos de valor comercial como a borracha, a castanha e muitos outros, bem como a caça e a pesca não predatórias, juntamente com pequenos roçados de subsistência em harmonia com a regeneração da mata” (STR/CNS/CUT, 1989, p. 16). 

Em 2021, o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação apontava a existência de 96 reservas extractivistas no Brasil, abrangendo cerca de 20 milhões de hectares de terra, água e floresta, onde vivem seringueiros, caboclos, ribeirinhos, quilombolas, entre outros grupos, graças ao legado de Chico Mendes.

 

Da resistência local dos seringueiros à mobilização nacional e internacional.

No final da década de 1980, o Estado do Acre viveu uma das situações mais conflituosas registadas no Brasil. A disputa pela posse das terras amazónicas foi especialmente violenta, tendo causado várias baixas entre seringueiros e sindicalistas. Eram comuns as emboscadas, os assassinatos, as intimidações e os incêndios criminosos de casas. Numa entrevista a Iuri Freire, do site de notícias de cinema Cine Trincheiras, em dezembro passado, Sérgio de Carvalho relembra que, nessa época, os seringueiros não tinham apenas os latifundiários como adversários; enfrentavam também “um sistema que estava completamente contra eles: a polícia, a política, o poder económico”. Apesar disso, acrescenta o realizador, “eles lutaram e avançaram…”. 

Para compreender melhor este panorama, é fundamental recordar que a mobilização dos seringueiros teve início durante o regime ditatorial e se desenvolveu ao longo do período de lenta reabertura democrática no Brasil, que culminou com a promulgação da nova constituição em 1988. Nesses anos, a Igreja Católica, através da Comissão Pastoral da Terra e das Comunidades Eclesiais de Base, desempenhou um papel fundamental no apoio ao movimento. Dom Moacyr Grechi, um dos bispos que mais promoveu a Teologia da Libertação, assumiu, em 1972, a diocese de Rio Branco, capital do Estado do Acre, onde ficou conhecido como o Bispo dos Seringueiros. Dom Moacyr envolveu-se ativamente na defesa da floresta, apoiando trabalhadores rurais, indígenas e seringueiros, e passou a ser um dos mais importantes aliados de Chico Mendes. 

À medida que a luta ganhava força e repercussão, outras pessoas e organizações que defendiam a Amazónia uniram-se à causa. Algumas dessas alianças foram fundamentais para que a mobilização alcançasse uma dimensão internacional, tornando o seu líder numa referência mundial na defesa da floresta e dos direitos dos seus povos tradicionais.

Entre estes aliados destaca-se a antropóloga Mary Allegretti, descrita por Júlio Barbosa de Aquino - presidente do Conselho Nacional das Populações Extractivistas e parceiro de Chico Mendes em diversos empates - como “uma companheira imprescindível”. Na mesma época, o cineasta britânico Adrian Cowell, também desempenhou um papel significativo, contribuindo, juntamente com Allegretti, para dar visibilidade ao movimento no estrangeiro, especialmente nos Estados Unidos. Cowell, em parceria com o cineasta brasileiro Vicente Rios, foi corealizador da série A Década da Destruição (1980-1990), dedicada à Amazónia. A série foi produzida para a Central Television de Londres em coprodução com a Universidade Católica de Goiás. Algumas das imagens dos empates ocorridos antes do assassinato do ativista ambiental, incluídas no documentário de Carvalho, são provenientes do sexto episódio dessa série, intitulado Chico Mendes: Eu Quero Viver (1989). 

O atual Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, companheiro político e amigo de Chico Mendes foi outra personalidade que exerceu uma influência considerável no reforço da mobilização. O documentário inclui parte do discurso proferido por Lula, então deputado federal pelo Estado de São Paulo, durante o funeral do seringueiro. No seu discurso, Lula da Silva questionava: “Será que essas pessoas são tão burras que imaginam que matando o Chico Mendes, vão parar a luta do Chico Mendes? Vocês conheciam bem o caboclo Chico, vocês sabiam o que ele queria, o que ele pensava. (…) O que ele espera de cada um? Ele espera que aumente a coragem e a disposição de luta de cada companheiro. Ele dizia sempre: no dia em que eu morrer, os meus companheiros vão se dobrar, cada um vai valer por dez e a luta vai continuar”. O filme Empate demonstra que Lula da Silva tinha razão ao evocar a disposição dos antigos companheiros de Mendes para se mobilizarem. Estes nunca abandonaram o seu legado e continuam a defendê-lo, agora ao lado das novas gerações.

Sabá Marinho caminha ao lado Raimundo Barros (no centro com boné do MST). Fotograma do filme Empate.Sabá Marinho caminha ao lado Raimundo Barros (no centro com boné do MST). Fotograma do filme Empate. 

As lutas do passado continuam a reverberar nos desafios do presente.

O filme de Sérgio de Carvalho, inicialmente idealizado para registar a memória histórica da luta dos seringueiros de Xapuri - o município da região que foi o epicentro do movimento - transformou-se no testemunho dos desafios e das ameaças contemporâneas às Reservas Extractivistas e às Áreas de Conservação na Amazónia, com foco no caso da Resex Chico Mendes. Ao demonstrar que os problemas enfrentados no passado ainda persistem, o documentário evidencia a importância da política defendida por Chico Mendes. Empate deixa claro como o Brasil continua a ser cenário de intensos conflitos agrários, onde a violência permanece uma constante estrutural e histórica, impondo a necessidade de novas mobilizações, mesmo por parte daqueles que já protagonizaram grandes empates.

“O que está acontecendo no Acre é uma pequena área de estudo do que está acontecendo no Brasil”, destacou Beth Formaggini durante o debate do filme de Sérgio de Carvalho, após a sua exibição na Mostra de Tiradentes 2019. Formaggini, coautora do guião e responsável pela pesquisa do filme, trouxe para o projeto a sua vasta experiência no tratamento de temas semelhantes, acumulada ao longo de uma carreira que inclui filmes de que foi realizadora, assim como importantes colaborações em outras obras, entre as quais se encontram alguns dos mais relevantes documentários do cineasta brasileiro Eduardo Coutinho. 

Sérgio de Carvalho, cineasta paulista residente no Acre há mais de vinte anos e realizador do premiado Noites Alienígenas (2022), visita frequentemente a Resex Chico Mendes. Ao longo dessas visitas, o realizador veio a conhecer os habitantes locais, incluindo alguns dos antigos companheiros de Chico Mendes.

A ideia de produzir este filme surgiu de Elenira Mendes, uma das filhas do ativista, que contatou o realizador por ocasião do vigésimo aniversário da morte do pai. Contudo, as filmagens de Empate só se concretizaram anos mais tarde, entre 2017 e 2018, num período marcado pelo recrudescimento do assédio dos latifundiários. Este cenário foi impulsionado pelas mudanças políticas provocadas pelo impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, em 2016, que conduziu Michel Temer à presidência do Brasil.

Sob a liderança de Temer, os latifundiários sabiam que seriam favorecidos, dado o alinhamento do novo Presidente com a bancada ruralista do Congresso Nacional e as suas ambições expansionistas na Amazónia. Neste contexto, a pressão sobre as terras da Resex Chico Mendes intensificou-se de imediato: entre 2016 e 2018, cinco mil hectares de floresta foram derrubados na reserva, enquanto a presença de gado no território aumentou significativamente - uma prova de que nenhuma conquista na Amazónia é definitiva.

Depois do estopim do impeachment de Dilma Rousseff, o Brasil mergulhou num período de profunda instabilidade política e ideológica, que se revelou a antecâmara dos quatro anos de governo de extrema-direita, com consequências devastadoras para a floresta amazónica. Como afirmou o realizador Sérgio de Carvalho ao site brasileiro Cine Trincheiras, o filme testemunha o “momento em que o ovo da serpente estava para eclodir.” Na Resex Chico Mendes, os habitantes já pressentiam o agravamento da situação, um receio assinalado no documentário através do desabafo de uma das personagens: “Está chegando 1988! Porque, na verdade, eu já estou-me sentindo ameaçado de novo.” 

As preocupações destacadas no filme tornaram-se realidade. Nos últimos anos, a Resex Chico Mendes tem sido alvo de projetos de leis estaduais que visam reduzir a sua extensão e, entre agosto de 2022 e julho de 2023, tornou-se a área protegida mais desmatada. No documentário, imagens aéreas que enquadram, num mesmo plano, a floresta preservada e as terras desmatadas ilustram as marcas de uma disputa histórica e persistente.

Alguns dos habitantes da Resex Chico Mendes reunidos.Alguns dos habitantes da Resex Chico Mendes reunidos.

Sérgio de Carvalho trouxe para o filme o debate sobre como enfrentar o ressurgimento dos conflitos e das invasões. Em assembleias e reuniões apela-se à participação coletiva na defesa e no fortalecimento dos valores fundacionais da Resex, ao mesmo tempo que se discutem as melhores formas de viabilizar a sua gestão e preservação. Entre os participantes, além dos antigos companheiros e companheiras já mencionados, destaca-se Raimundo Barros (Raimundão), de 79 anos, ativista ambiental e primo de Chico Mendes. 

Residente no Seringal Dois Irmãos, em Xapuri, há mais de quatro décadas, Raimundão emerge como uma das figuras centrais da narrativa do filme, que é enriquecida pela narração das suas memórias. A sua permanência na linha da frente da defesa do território e dos seus habitantes honra o pedido que Chico Mendes lhe fez: que continuasse a luta, caso algo lhe acontecesse. Algumas das memórias de Raimundão remetem aos piores anos de luta, quando, conforme diz, os seringueiros eram “uma categoria explorada, espoliada, judiada, maltratada”. Apesar de tudo o que passou, reafirma a sua motivação para continuar a ser o Raimundo que sempre foi, fiel aos seus princípios até ao fim da vida.

Raimundão é um dos principais responsáveis pela organização e mobilização dos moradores da Resex. Durante os encontros, defende com determinação: “É necessário ir para a luta de novo! Só assim vocês vão dar testemunho de que o que temos hoje aqui não foi coisa que caiu do céu. Foi conquistado na luta”. Para este antigo seringueiro, a questão vai além da preservação da floresta na Resex; é indispensável torná-la atrativa para as novas gerações, de modo a manter as populações no território, “para que não aumentem o exército de desempregados e miseráveis nas cidades”.

Noutro momento do documentário, o antigo companheiro de Mendes expressa o seu pesar ao afirmar: “nem todos se dão ao cuidado de valorizar o que a gente conquistou. Ficam aí, inclusive sendo incentivados por esses fazendeiros medíocres, pensando em ser fazendeiro também, desmatando dentro da nossa reserva para criar bois. A gente precisa ver que mecanismo trabalhar para ver se [os] sensibiliza a deixar de se comportar dessa forma”. Em relação aos mais jovens, o seu objetivo é incutir-lhes orgulho pela sua identidade: o ativista ambiental defende que os filhos dos seringueiros não devem sentir vergonha das suas origens.

Na segunda parte do filme, Sérgio de Carvalho revela que não são apenas os bois a ganhar terreno dentro da reserva; a cultura associada à atividade pecuária também tem sido adotada por alguns jovens. Numa das sequências mais surpreendentes do filme, um rapaz, descendente de seringueiros, ostenta uma indumentária típica de vaqueiro antes de participar num rodeio. As imagens de uma festa de pecuaristas, com rodeios e outras atrações típicas, realizada nas imediações da Resex, evidenciam o choque cultural e a ameaça de fragmentação das novas gerações. 

Para ‘desempatar’ esta situação, o Comité Chico Mendes, uma organização criada logo após o assassinato do ativista e atualmente liderada por Ângela Mendes, a sua filha mais velha, tem promovido ações direcionadas à juventude com o objetivo de fomentar a consciência sobre a preservação da floresta. Como resultado dessas iniciativas, representantes das novas gerações declararam-se “guardiões do legado de Chico Mendes” e reivindicam políticas públicas que lhes permitam permanecer nos seus territórios. 

Em setembro de 2023, um grupo de jovens – composto por seringueiros, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, entre outros representantes dos povos tradicionais – enviou a Carta da Juventude das Florestas ao Presidente Lula da Silva, solicitando, entre outras medidas, a regularização de áreas florestais desprotegidas, o apoio à educação, a criação do Fundo da Juventude das Florestas e a implementação de novas unidades de conservação de uso coletivo. Estas ações são classificadas pelos jovens como urgentes no combate ao aquecimento global do planeta. 

É sob esta conjuntura que se debate também a urgência de encontrar um modelo sustentável que responda às exigências contemporâneas dos habitantes da Resex, garantindo a sua subsistência e evitando que sucumbam à atividade pecuária ou abandonem a floresta. Um dos participantes no filme descreve a situação como “o novo empate”. Este homem argumenta que é fundamental que todos os moradores da reserva tomem consciência da importância de combater o desmatamento, propondo que isso seja alcançado através de implementação de novas formas de aproveitamento sustentável do que a floresta tem para oferecer. Segundo este homem, que ainda pratica a extração da borracha, é essencial “conciliar a questão da conservação ambiental com a questão económica”, reforçando que “a vida boa é aqui. A gente pode transformar isto aqui, no melhor lugar para se viver”.

por Anabela Roque
Afroscreen | 6 Janeiro 2025 | Amazónia, Chico Mendes, Empate, seringa