Entrevista ao cineasta israelita Avi Mograbi: “A necessidade de assumir a responsabilidade em relação à ocupação está sempre presente.”
Avi Mograbi (Telavive, 1956), um dos mais destacados realizadores do cinema documental israelita, sente-se implicado nas ações políticas do seu país em relação aos vizinhos árabes, sobretudo em relação ao povo palestiniano. Esse sentido de responsabilidade é a motivação para o seu percurso como cineasta e ativista, crítico da ocupação dos Territórios Palestinianos e comprometido com a defesa dos direitos humanos e com a justiça social. Mais do que a prática do cinema, interessa-lhe gerar debate público que confronte os discursos hegemónicos.
Nos seus filmes, Mograbi expande a linguagem cinematográfica do documentário, em termos de forma e conteúdo, recorrendo a uma experimentação artística que incorpora a radicalidade para alcançar a representação incisiva da realidade que o rodeia, já por si de natureza radical. O seu trabalho amplia o panorama da produção documental israelita, que tem sido particularmente fértil, e fortemente crítico com as práticas e políticas governamentais empenhadas em manter o sistema de opressão e dominação.
O BUALA conversou com o realizador em fevereiro, durante a sua visita a Portugal, num momento em que o novo governo ameaça a frágil democracia com um plano de reforma do sistema judicial. A coligação governamental, que integra partidos da extrema-direita e ultraortodoxos, intimida também a liberdade de expressão individual e a artística, mas as vozes críticas ecoam nas ruas há onze fins-de-semana consecutivos numa onda de protestos históricos no país.
Na entrevista ao BUALA, Avi Mograbi contextualiza o seu trabalho, como cineasta e ativista, no passado intrincado e violento que perpetua a barbárie no Médio Oriente. Os seus filmes (disponíveis na página web avimograbi.org) cruzam-se e complementam-se com o seu trabalho como ativista na “Breaking the Silence”, a ONG que publica testemunhos de ex-soldados que fizeram serviço militar nos Territórios Palestinianos Ocupados.
A maioria dos seus filmes, sobretudo os que se centram na ocupação israelita, são narrativas construídas recorrendo à provocação, à ironia e à construção de situações inusitadas. Porque opta por este estilo de linguagem cinematográfica?
O primeiro filme que realizei, Deportation (1989), é uma curta-metragem de ficção inspirada em fatos reais. O filme decorre durante a Primeira Intifada [1987-1993], a primeira revolta palestiniana. Na ocasião, um dos métodos que Israel utilizou para esmagar a Intifada foi a deportação dos líderes locais dos chamados comités populares. Os soldados vinham de noite, entravam nas casas dos palestinianos, prendiam-nos e levavam-nos para o outro lado da fronteira, para o Líbano ou Jordânia. As pessoas eram simplesmente atiradas como sacos de batatas para o outro lado da fronteira. Eram ações muito violentas que geralmente não tinham cobertura televisiva, mas as poucas que existiram mostraram essa extrema violência. Na altura percebi que, à minha volta, muitas pessoas criticavam o ato violento da deportação e não a questão moral ou ética da possibilidade de deportar alguém. Ou seja, as pessoas ficavam mais impressionados com a violência usada no ato, do que com o ato.
Eu sou contra a deportação porque é inconcebível que se possa arrancar alguém da sua pátria, mesmo que seja condenado por alguma razão e, mesmo nestes casos, estamos apenas a falar de decisões tomadas pelos serviços secretos sem recurso a qualquer julgamento. Por isso decidi fazer um filme que retrataria uma deportação, mas de uma forma muito diferente, de uma forma calma e humana, de maneira que o espetador tenha a possibilidade de a considerar eticamente, sem estar sob influência da violência usada.
Quando algo me incomoda e se torna uma obsessão é um bom sinal para começar a fazer um filme. É assim que surgem os meus filmes; nascem a partir de alguma ideia que me perturba e com a qual preciso de lidar e procuro fazê-lo artisticamente. Penso que a arte que instiga à reflexão é, obviamente, a mais interessante. O que acontece ao cineasta, o que lhe vai pela mente, quando decide fazer ou enquanto está a fazer um filme é para mim, de certo modo, mais interessante do que o próprio filme.
Quando comecei a fazer documentários era muito ingénuo: pensava que o documentário era colocar a realidade no ecrã. Mas não é assim, sempre que se faz um documentário, sempre que se capta um momento da realidade, estamos a recriar a nossa visão da realidade. É um recorte da minha impressão do momento. Ao fazer os meus filmes, compreendi que este aspeto não deve ser ignorado, porque é muito importante.
A ocupação dos territórios palestinianos é uma das suas inquietações. Costuma dizer que “todos os governos israelitas, ao longo dos anos, fizeram um grande trabalho para tornar a ocupação invisível”. O seu filme mais recente The First 54 Years – An Abbreviated Manual for Military Occupation (2021) denuncia a ocupação de uma forma singular. Como surgiu a ideia de traçar um manual?
Não pensei no manual antecipadamente. Quando comecei a fazer o filme, concentrei-me nos depoimentos [recolhidos pela “Breaking the Silence”] e não pensava em colocar mais nada no filme. Só quando comecei a editá-los é que descobri o que realmente me interessava neles.
Ao longo das entrevistas, os ex-soldados falavam sobre o que pensavam enquanto cumpriam o serviço militar, sobre o que pensaram mais tarde, quando já estavam fora do exército, ou sobre o que pensam atualmente e como a sua experiência contribuiu para a sua compreensão política do mundo, etc. Decidi que não queria incluir este tipo de reflexões no filme e concentrei-me apenas nas descrições do que tinham feito, nas suas ações.
Quando vi o resultado da primeira ronda de edição, apercebi-me que, sem querer, tinha um manual de como fazer uma ocupação. Voilá, estas são as premissas! Não inventámos nada, aprendemos tudo com os britânicos, que também o fizeram na Índia e em África, e com Portugal, obviamente, que também tem a sua tradição colonial com métodos próprios.
Depois, quando percebi que tinha um manual descrito pelas ações dos ex-soldados, senti que ainda faltava algo e foi assim que surgiu a ideia de colocar um instrutor que elucidasse sobre os métodos da ocupação, que é a personagem que interpreto no filme.
Com esta abordagem procurei expor a lógica do grande cenário que é a ocupação porque, sendo um cidadão israelita, também estou nela implicado. Os meus impostos estão a pagá-la. Não estou isento de responsabilidade, mesmo que tenha recusado cumprir o serviço militar. O mesmo acontece com os meus filhos. A necessidade de assumir a responsabilidade em relação à ocupação está sempre presente. E isto torna-se um motivo de reflexão.
Em Israel, o serviço militar é obrigatório.
Israelitas, judeus ou não judeus, são obrigados a prestar serviço militar. Cerca de 70% dos homens e 60% das mulheres cumprem com essa obrigação. Alguns conseguem não o fazer ao alegar razões psiquiátricas, mas quando simplesmente se recusa é-se preso. Foi o que aconteceu com o meu filho mais velho. Já o meu filho mais novo decidiu ir diretamente a um psiquiatra e resolver a situação com um atestado médico.
Isso também aconteceu consigo?
Sim, estive um mês numa prisão militar que é muito “suave”, apenas para pessoas que recusam o serviço militar ou algo parecido, mas depois, quando estava na reserva, fui chamado para a Primeira Guerra do Líbano [1982], e aí fui a um psiquiatra que me declarou incapacitado.
Sofreu algum tipo de ameaça ou perseguição devido ao seu trabalho como cineasta ou como ativista?
Não, nunca fui perseguido. Mas o que é a perseguição? Censura, sim, mas não direta: por exemplo, ao recusarem, financiamento a The First 54 Years… Pode dizer-se que é censura, mas ninguém me declarou um cineasta non grata.
No entanto, se os meus filmes são ignorados, isso é pior que censura: sempre tive a expectativa que os meus filmes conseguissem passar das páginas culturais dos jornais para as páginas sociopolíticas. Isso nunca aconteceu. Sempre senti que não consegui o reconhecimento social e político que procurava. Não estou a tentar dizer que eu merecesse, porque tento ser modesto, mas que esperava obter.
Sou um dos fundadores da “Breaking the Silence”, que é a ONG mais odiada em Israel. Como um dos fundadores e membro da direção também nunca me senti perseguido. E não sou caso único, existem outros membros da direção que nunca sofreram perseguição, embora as pessoas que trabalham na organização, essas sim, sofrem, em certas ocasiões, violência física e verbal. Ninguém foi morto, nem ficou gravemente ferido, mas sofrem com a agressividade em espaços públicos, especialmente quando vão para os Territórios Ocupados.
“Breaking the Silence” é muito controversa e tem estado sob ataque de diferentes esferas, desde do Primeiro-Ministro aos mais baixos ativistas ou grupos da direita fascista. Existem, inclusive, duas leis aprovadas no Knesset [Parlamento israelita] que tentam limitar a nossa atividade, leis que foram explicitamente designadas com o nome da ONG.
Já voltaremos a falar da “Breaking the Silence”, mas antes conte-me um pouco mais sobre as dificuldades em conseguir financiamento para as suas produções?
Até há dois filmes atrás não tive problemas. Até 2012, quando fiz Once I Entered a Garden, não senti censura. Até então, eu tinha os problemas que todos os cineastas têm. Por vezes, os meus projetos eram melhor ou pior avaliados pelo júri das Fundações [Instituições públicas que apoiam financeiramente a atividade cinematográfica em Israel e nos Territórios Palestinianos Ocupados]. Esta é uma situação normal, uma vez que cada jurado tem os seus gostos e a sua capacidade intelectual para avaliar e ninguém está a salvo de críticas.
Mas no filme seguinte, Between Fences (2016), que é um filme sobre os requerentes de asilo em Israel, a situação mudou. O documentário não recebeu, até ao último dia de pós-produção, qualquer apoio de qualquer fundação ou canal de televisão, o que significava que faltava dinheiro para terminar o filme e que este não teria distribuição para o público israelita. Somente no último dia de pós-produção, surgiu um apoio de uma fundação que ainda tinha dinheiro em caixa e precisava de gastá-lo até ao final do ano. Foi por mero acaso que contactei essa fundação: disse-lhes que o filme estaria na Berlinale e que estava a ponto de o terminar. De repente, recebi algum apoio, mas foi devido a uma questão burocrática, porque nem sequer viram o filme. E ainda assim, o filme não conseguiu atrair o interesse de nenhum canal de televisão.
The First 54 Years…, obviamente, não recebeu nenhum apoio. Isto é a censura. Não recebi porque todas as fundações, estações de televisão e festivais [em Israel] rejeitaram o filme. Não disseram porquê, mas posso assumir que é porque é crítico em relação à ocupação, por isso, não apto ao apoio do Estado.
Outro cineasta israelita, o realizador Noam Sheizaf escreveu recentemente no The New York Times que “o Governo de Israel está a tentar transformar a indústria cinematográfica num instrumento de propaganda”. Pensa o mesmo?
Basicamente penso o mesmo. Não tenho a certeza se está a tentar transformar a indústria cinematográfica propriamente em propaganda, mas está sem dúvida a tentar esmagar todas as vozes críticas. E, claro, é expectável que o resultado seja esse.
O cinema israelita, especialmente o documentário, tem sido muito crítico. Nos últimos anos foram feitos muitos documentários críticos. Agora, o que estão a tentar fazer é que isto não seja mais possível e as vozes críticas estão a abandonar Israel, não só as do cinema.
A primeira declaração do novo Ministro da Cultura [o novo Governo tomou posse 29 de dezembro de 2022] foi sobre dois filmes que foram parcialmente financiados pelo Estado, dos quais quer reclamar esse dinheiro, porque, segundo ele, os filmes são Anti-Israel, antissemitas, etc. Obviamente que legalmente isso é impossível. Todos esses apoios foram aprovados pelos comités, etc. É uma declaração populista, mas já sabemos que, em Israel, não é preciso implementar as ameaças que se fazem, a mera expressão dessas ameaças cria uma autocensura.
É muito claro que Israel está a passar por uma situação muito severa de autocensura desde o anterior Governo Netanyahu.
Há cerca de sete anos, a então Ministra da Cultura [Miri Regev] quis aprovar uma lei que se chamava Lei da Lealdade, que determinava que quem recebesse fundos do Estado teria de assinar uma declaração na qual se comprometia a não dizer coisas terríveis sobre o Estado como, por exemplo, não mencionar o Nakba, o êxodo palestiniano de 1948, como um dia de luto e outras coisas como essa. Basicamente, tratava-se de uma espécie de declaração nacionalista, fascista.
Nesse momento, a Ministra da Cultura não teve êxito na sua tentativa de implementar a lei, mas uma das fundações de apoio ao cinema, a maior de Israel, a Fundação Rabinovich, adotou voluntariamente esta cláusula nos seus contratos. Por isso, se eu receber dinheiro da Rabinovich, tenho de assinar um contrato em que a declaração de lealdade vem incorporada e não há forma de a excluir.
E o que aconteceu recentemente foi que o novo Ministro da Cultura anunciou que irá reescrever o regulamento [relativo aos financiamentos] e incorporar esta cláusula, para que todos os artistas que sejam financiados pelo Estado tenham que assumir o compromisso de não prejudicar a reputação de Israel, nem dos soldados israelitas. É um novo patamar na escalada da limitação da liberdade de expressão pelo Estado.
Também há a questão das fundações regionais como a Fundação Shomron que deveria servir os habitantes da sua região [território ocupado no norte da Cisjordânia]. Mas, na verdade, esta fundação serve apenas os habitantes judeus. Os palestinianos não podem candidatar-se aos apoios, embora possam trabalhar numa produção cinematográfica judaica. A Fundação Shomron é a prova de que existe um sistema de apartheid. Já há muito tempo que afirmamos que Israel está a cometer este crime, mas Israel consegue camuflá-lo com leis, através de dois regimes jurídicos e administrativos no interior do território, um dirigido às comunidades palestinianas e o outro aos israelitas.
Como é que o público israelita reage a os seus filmes, sobretudo os que denunciam a ocupação, uma vez que estamos a falar de uma sociedade que não gosta de a discutir?
Tenho a sensação de que os meus filmes são, na sua maioria, ignorados pelo público. Está muito claro, para mim que, no meio cinematográfico, os meus filmes são muito apreciados; são exibidos nas escolas e universidades, onde os jovens cineastas expressam respeito e admiração pelas obras. Porém, fora deste meio, os filmes não conseguem atingir um público mais vasto.
Embora seja um cineasta, a minha motivação não está no cinema, não está na teoria ou na prática cinematográfica, está nos temas ou ideias que me inquietam, que quero colocar em debate e não tenho a certeza de ter sucesso nisso.
Os seus filmes são exibidos nos Territórios Palestinianos Ocupados?
Os meus filmes tiveram muito poucas exibições nos Territórios Ocupados. Em primeiro lugar, porque há muito pouca exibição cinematográfica na Palestina. Não existem salas de cinema. Há uma sala de cinema ativa em Ramallah, tanto quanto sei, que faz exibições especiais, mas não tem programação regular.
Por outro lado, se algum palestiniano quisesse exibir o meu filme aí, seria acusado de colaboração com o inimigo e é assim que, com frequência, se exerce o boicote de forma invisível. O facto de há muito tempo eu ser crítico da ocupação israelita pode não ter chegado a muita gente [nos territórios ocupados], mas chegou a alguns que me defendem, o que os coloca sob suspeita de serem colaboradores. É um paradoxo!
É um grande problema fazer exibições dos meus filmes nos Territórios Ocupados, então raramente aconteceu.
É por isso que os seus filmes estão todos disponíveis online?
Não se deve somente à tentativa de alcançar o público palestiniano mas também e, por essa razão, todos os meus filmes estão legendados em árabe. Quero chegar aos palestinianos e aos árabes em geral, na privacidade da sua casa. Praticamente todos os meus filmes tratam da relação de Israel com árabes no Médio Oriente, na sua maioria palestinianos, mas basicamente com árabes.
Por outro lado, por exemplo, depois de Between Fences ser exibido na Berlinale e na Cinemateca, percebi que, apesar de ter feito o filme para os israelitas, estes não o iriam ver. Então disse aos meus produtores que o iria colocar no YouTube, só com legendas em hebraico e com acesso limitado ao público de Israel. Para divulgar o filme no YouTube, iniciámos uma campanha no Facebook. Investimos muito dinheiro para chegar ao máximo de público possível e fomos bem sucedidos. Inventei um novo sistema de distribuição: o produtor paga para que as pessoas vejam o filme!
Isso fez-me pensar sobre os meus filmes anteriores, que já estão fora de circulação… Porquê mantê-los na gaveta? Decidi colocá-los também no YouTube, cada um com legendas em vários idiomas. Os filmes já não são rentáveis, por isso, não há razão para lhe restringir o acesso.
Quando fizeram uma retrospetiva do meu trabalho num festival em França, em maio do ano passado, os responsáveis pelo evento não se importaram que os filmes estivessem no YouTube, porque ver nas salas é outro tipo de experiência. Discutimos o assunto com os meus distribuidores em França e eles compreenderam, sabem que é uma lógica ultrapassada [ter os filmes inacessíveis], porque não se ganha com isso e perdem-se espectadores e impacto. Portanto, a ideia é partilhar.
O filme The First 54 Years… também não teve qualquer distribuição em Israel e, igualmente, acabamos por o disponibilizar online, desta vez no Facebook, onde gastámos o que não sabemos, nem queremos saber, mas foi todo o dinheiro que era suposto eu ganhar como realizador, diretor de produção e produtor, guionista, ator, cozinheiro e sonoplasta. Todo este dinheiro foi colocado numa campanha, com a qual alcançamos cinco milhões de pessoas no Médio Oriente. O filme esteve acessível apenas em Israel, Palestina, Líbano, Síria, Jordânia, Iraque e Egipto, com legendas em hebraico e em árabe. Pelo menos as pessoas desses países sabiam que o podiam ver, o que era nosso objetivo.
Como The First 54 Years… já tem quase dois anos, a sua circulação comercial está terminada e os meus distribuidores já sabem que não quero esconder o meu trabalho, por isso, dentro de um ano, penso disponibilizá-lo para outros territórios com as respetivas legendas, como fiz com os filmes anteriores.
Sou da opinião que todos os cineastas deveriam considerar esta modalidade, porque é muito antiquado, old school, ter os filmes inacessíveis. Atualmente, a maioria dos filmes recentes está disponível para download. Se alguém quiser descarregá-los, vai encontrá-los online.
Between Fences foi um filme polémico devido à questão dos refugiados, que é mais uma problemática que se poderá agudizar com o novo Governo?
Quando fiz Between Fences estávamos no auge dos protestos contra a forma como o país lida com os imigrantes. O Supremo Tribunal tinha rejeitado, consecutivamente, várias leis do Governo relativas aos requerentes de asilo, o que é um ponto-chave para compreender porque o Estado entrou em conflito com o Supremo Tribunal. Atualmente, o Governo está a tentar “cortar a cabeça” deste tribunal.
Foi curioso porque na época, muito destes protestos não eram em defesa dos direitos humanos, mas impulsionados pelos proprietários dos restaurantes que reivindicavam que, se os refugiados fossem expulsos, era o fim da sua atividade, porque ficariam sem mão-de-obra: ajudantes de cozinha, profissionais de limpeza, etc.
A Lei de Imigração de Israel beneficia apenas a entrada de judeus no país. A um judeu, de qualquer parte do mundo, basta pisar solo israelita para, se quiser, ter automaticamente a nacionalidade – inclusive pode votar no dia seguinte. Caso um cidadão não seja judeu, nunca se poderá tornar israelita. Em Israel não se permite que os imigrantes tenham nacionalidade e mesmo que tenham residência permanente, esta pode ser cancelada a qualquer momento.
Tudo isto deve-se a uma lógica demográfica. Israel, que se define como um Estado democrático judeu, está obcecado por esta questão. A única forma de o país continuar a ser judeu é através de uma maioria judaica.
Porque é que Israel não permite que os cinco milhões de palestinianos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza se tornem cidadãos ou residentes? Porque agora, entre o rio Jordão e o Mediterrâneo, temos um equilíbrio demográfico entre israelitas e palestinianos. Portanto, no momento em que Israel acabar com a ocupação e criar um Estado com direitos iguais para todos, será o fim do Estado judaico.
Atualmente, os requerentes de asilo são uma fração minúscula em comparação com o número que existe em toda a Europa - temos menos de trinta mil – mas mesmo assim, este Governo prometeu uma lei que permita enclausurá-los, indefinidamente, nos campos de refugiados até que decidam partir.
De volta a “Breaking the Silence”. Como surgiu a utilização do arquivo da ONG como material fílmico para a sua obra?
No início da atividade da ONG, quando esta ainda não tinha financiamento, a minha função era ouvir os testemunhos, organizá-los e editá-los para que, com um formato mais curto, fosse mais fácil decidir como publicá-los. Ouvi muitas horas de depoimentos e fiquei impressionado, então pedi à Direção que me permitisse fazer o meu próprio filme com os testemunhos e foi assim que comecei a trabalhar o arquivo para fazer curtas-metragens. Foi assim que o meu ativismo e a minha arte se juntaram.
Em 2008, fiz Z32, a primeira longa-metragem baseada num dos depoimentos recolhidos por “Breaking the Silence”. Depois, ao ouvir outros depoimentos, surgiu The First 54 Years – An Abbreviated Manual for Military Occupation, como já contei antes.
Como é o processo de recolha dos depoimentos? Há uma boa adesão por parte dos ex-soldados? Manifestam a necessidade de falar do passado?
Todas as testemunhas são obviamente críticas em relação à ocupação. Quando as abordamos, o que acontece de maneiras diferentes, torna-se evidente que estão traumatizadas pelo que fizeram e que precisam de falar sobre isso. Sabemos que a recolha dos depoimentos é necessária, mas também somos conscientes de que as testemunhas têm necessidade de discutir o que fizeram e que isso serve para fazerem a sua “limpeza”.
Com “Breaking the Silence” começámos por querer expor a ocupação, mas acabámos por revelar também o fardo que os ex-soldados carregam devido ao serviço militar. Não somos uma organização de assistência psicológica a ex-soldados, mas é evidente que fornecemos uma oportunidade para estes falarem sobre o que fizeram e se sentirem melhor. A propósito, neste momento, estamos a iniciar um projeto para dar apoio psicológico às testemunhas, mas este não é o nosso principal objetivo, é uma atividade paralela.
Continuamos com a nossa missão de recolher e fazer circular vídeos com os depoimentos. A exposição “Breaking the Silence” esteve recentemente nos EUA, onde foi exibida em Nova Iorque e Washington, e irá viajar para muitos outros lugares.
Deportation. (Sem diálogos/curta-metragem)
Between Fences. Legendas em espanhol.
Z32. Legendas em português.
Once I entered a garden. Legendas em português.