Quando a arte é controlada apenas por um tipo de pessoa que pertence a um grupo que foi socializado a partir de uma cultura colonial, como a portuguesa, não é só difícil pensar nestas perguntas, como é quase impossível uma mudança estrutural. Seria preciso não só reinventar o modo de produção artística, como ainda destruir este modelo para criar um novo baseado numa nova ética, em que pessoas sem sobrenome importante podem participar com voz ativa dos circuitos que distribuem o poder. A arte é política.
Mukanda
21.11.2021 | por Rodrigo Ribeiro Saturnino (ROD)
Yvone Kane não é uma encenação do fim da ideologia, mas sim o registo da derrota de uma certa ideologia, que considerava a emancipação como uma possibilidade real, em conjunto com uma noção já há muito necessária e inclusiva, de pertença. É sobre o fim dessa utopia em particular que Yvone Kane faz o seu luto e manifesta a sua melancolia que nunca deve ser confundida com qualquer forma de nostalgia que, aliás, rejeita categoricamente.
A ler
15.11.2021 | por Paulo de Medeiros
Em 2019, uma carta oficial do México a exigir perdão a Espanha pelos crimes cometidos durante a Conquista pôs as relações entre os dois países às avessas. Dois anos depois, a discussão ganha proporções inimagináveis, metendo ao barulho governantes, ex-presidentes, a extrema direita espanhola, independentistas catalães e até Joe Biden e o Papa Francisco. Nos seus territórios, os povos indígenas assistem ao espetáculo em silêncio.
Sabem melhor que ninguém que 500 anos é pouco para lidar com a memória e o sangue.
Jogos Sem Fronteiras
01.11.2021 | por Pedro Cardoso
Sabemos que há eleitores imunes às sondagens – são os que votam sempre… e sempre no mesmo partido (ou sempre em branco/nulo), e os que ficam sempre em casa. Todos os outros serão em alguma medida influenciáveis pelas sondagens direta ou indiretamente. Ou seja, concordo inteiramente com o autor quando diz que as sondagens não são neutras quanto às suas consequências. Se é ou não lícito aceitá-las como parte do jogo político democrático, é algo que vale sempre a pena discutir e acrescento aqui algumas notas.
A ler
06.10.2021 | por João Homem Cristo António
A história de consumo do Outro, foi fulcral para garantir à igreja um plano estratégico de massacre da carne negra, uma carne amaldiçoada pelo olhar diabólico do mundo europeu com a marca de Caim que só seria expurgada através do trabalho servil, da entrega de si ao serviço do outro. Um corpo carne, um corpo máquina, um corpo deforme, um corpo de talho, pronto para um consumo voraz. Um corpo que serviu de suporte para manter toda a produção da sociedade europeia. Um corpo que ainda serve como cargueiro forte para elevar prédios, construir mansões ou servir de deleite sexual. Um corpo que é ainda é alvo, Um corpo sem política. Um não-corpo.
Mukanda
23.09.2021 | por Rodrigo Ribeiro Saturnino (ROD)
Não creio que a Argentina se transforme no Brasil. Penso que as igrejas aqui nunca terão tanto poder como lá têm. A Argentina é uma sociedade bastante secular. Agora, é preciso compreender plenamente o que acontece numa igreja, as pessoas não vão apenas em busca da promessa do paraíso, que é normalmente a primeira coisa que se pensa a partir de um lugar secular; não, as pessoas vão à igreja para encontrar colectividade, entusiasmo partilhado, dançar, gritar, êxtase. Uma pessoa cuja vida é bastante monótona, limitada e com muito esforço físico no trabalho, como poderia não querer ir para um lugar onde sente tantas emoções positivas? Porque se eliminarmos Deus e o simbolismo, quem entre nós não tem uma crença?
Cara a cara
22.09.2021 | por César González, Tomás Guarnaccia e Miguel Savransky
O que diz sobre como o cinema antecipou, por exemplo, o Holocausto, também o podemos transferir para uma cenário mais próximo, como a Argentina nos anos 70, onde havia um cinema militante que se concentrava nos sectores marginalizados e avisava ou alertava, por assim dizer, sobre o neoliberalismo e a miséria planeada. Com o passar do tempo, este fio foi cortado ou não recebeu importância; houve um aviso, mas não foi atendido (ou, pior ainda, foi reprimido).
É interessante porque, face a estas imagens antecipatórias, havia uma maquinaria que tinha de responder com outras imagens para as encobrir. Face a imagens que anteciparam, foi necessário criar imagens que serviram para fortalecer o neoliberalismo, que serviram para fazer as pessoas quererem este modelo de vida. Não se responde a imagens com um pedido de nulidade ou censura, responde-se a elas com outras imagens.
Cara a cara
20.09.2021 | por César González, Tomás Guarnaccia e Miguel Savransky
Antes de ter a cabeça a prémio, Lesther Alemán era um estudante de Comunicação Social com o dom da palavra. Tinha 20 anos e integrava a Aliança Universitária Nicaraguense. Com o país a ferro e fogo, em abril de 2018 uma mesa de diálogo entre Ortega e os opositores tentava encontrar uma saída para o caos que se arrastava há um mês. Quando o jovem de 20 anos - óculos de armação grossa e voz grave, quase cerimonial - pegou no microfone a sala congelou.
Jogos Sem Fronteiras
26.08.2021 | por Pedro Cardoso
Entre os dias 5 e 10 de Julho, o projeto Memoirs promove – em parceria com a Brotéria – um curso que quer criar ferramentas para que quem participa nele possa analisar e pensar criticamente a questão pós-colonial em Portugal, na Europa e no mundo. Para isso, partir-se-á de um conjunto de tópicos que tem vindo a preencher e questionar a atualidade do século XXI e as suas relações com o social, o político, o tempo e o espaço.
A ler
06.07.2021 | por Francisco Martins SJ
Estava a escrever para o amigo branco, mas tirei um pouco de tempo para ti. Resolvi que era melhor começar por falar contigo, por estares aqui mais perto de mim. Mas antes amigo preto, peço que não faças veto a que eu comece pelo amigo panafricanista guineense. Não penses que é nacionalismo, é apenas comodismo, porque eu o conheço melhor e tenho com ele mais espaços de encontros em comum…
Hmmm, sabes que mais, mudei de ideias, acho que vou deixar o guineense para último, típico, tipo que é mais específico.
Mukanda
24.05.2021 | por Marinho de Pina
Leituras Feministas acolhe o lançamento do livro “Matchundadi: Género, Performance e Violência Política na Guiné-Bissau” de Joacine Katar Moreira.
Um livro que coloca em fricção o conceito de “matchundadi” e a política e o Estado guineenses.
Vou lá visitar
10.05.2021 | por vários
Os amigos tugas dos chefes dos tugas estão a despedir muitos tugas, coitados, e quando isso acontece sempre mandam os tugas coitados emigrar. Por exemplo, há não muitos anos, um chefe tuga chamado Caço Coelhos também fez o mesmo, deu muito dinheiro aos seus amigos tugas donos dos bancos e despediram os tugas coitados e mandaram-nos emigrar. “Vá!, todos para o Norte, emigrem para a Europa, saiam da Tugalândia.”
A ler
21.02.2021 | por Marinho de Pina
Os acontecimentos destes últimos seis anos deram uma maior acuidade às observações de Gilroy. Simultaneamente, tornaram cada vez mais evidente que, não obstante o progresso real alcançado, as tentativas de manter privilégios baseados na desigualdade estrutural e sistémica, no tocante à classe, ao género ou à raça, se tornaram ainda mais obstinadas. Tentativas que vão de mãos dadas com os esforços, inúteis, mas devastadores, de negar a História e impor o apagamento da memória.
A ler
18.02.2021 | por Paulo de Medeiros
Com demasiada facilidade surgem diabolizações várias do povo de Ventura. Ignorante, rude, pagão, iletrado, associal, infiel à memória histórica de Abril, etc. Os passos desta caricatura são tão curtos que acabam por dizer tanto acerca de quem os diz como de quem pretendem retratar: Ventura enquanto projeção dos demónios da metrópole. Do outro lado, ainda outra caricatura: Ventura, qual flautista de Hamelin, leva para fora da polis os deserdados da esquerda. Versão obreirista: a esquerda “pós-moderna” traiu a classe. Versão cosmopolita: famintos de cultura e estado social os pobres correm para os braços do seu carrasco.
Jogos Sem Fronteiras
16.02.2021 | por Luhuna de Carvalho
No seu livro, Applebaum reproduz uma conversa telefónica em que Stenner lhe disse que “a ‘predisposição autoritária’ que identificou não é exactamente a mesma coisa que uma mente fechada.” “Seria melhor descrita”, explica, “como uma mente simplória: as pessoas costumam ser atraídas por ideias autoritárias porque a complexidade as incomoda. Não gostam da divisão. Preferem a unidade. Uma ofensiva repentina de diversidade — diversidade de opiniões, diversidade de experiências — deixa-as irritadas. Procuram soluções numa nova linguagem política que as faça sentirem-se mais seguras e protegidas.”
Os populistas conhecem bem esta psicologia e é com base nela que constroem as suas tácticas: alimentam o desconforto e o medo e com poucas mensagens, curtas e simples, “vendem” segurança e protecção.
Jogos Sem Fronteiras
12.02.2021 | por Maria Vlachou
As discussões sobre a chamada revolução logística iniciada em meados do século XX exploram as continuidades entre a história da logística como arte militar e a sua história mais recente, enquanto meio de administrar o movimento de pessoas e coisas orientado pelo critério da eficiência económica, nos transportes e na comunicação. Nesta medida, o estudo da logística é ensombrado pela tese da militarização da sociedade.
Jogos Sem Fronteiras
25.01.2021 | por Sandro Mezzadra e Brett Neilson
Que exemplos de solidariedade transnacional e de cruzamentos disciplinares podem inspirar a prática artística e curatorial contemporânea contra os ressurgimentos nacionalistas à escala global? Recordemos o impacto da Guernica (1937) de Picasso produzida durante a Guerra Civil Espanhola, um dos mais consagrados manifestos contra o fascismo e exemplo da “revolta da consciência e da arte face aos desastres que devastavam a Europa.” Guernica demonstra a importância da ação conjunta de atores estatais e não estatais no desarmamento da ideologia fascista. Que práticas de crítica e reflexão artística e que soluções locais e globais, podem as redes de arte contemporânea – artistas, curadores e instituições – promover para a desradicalização de extremistas e fomentar novas sensibilidades ancoradas na linguagem da igualdade e da não discriminação?
A ler
16.01.2021 | por Sofia Lemos
A afiação da luta de classes e os surtos revolucionários reais ou potenciais eram o pressuposto dos fascismos.O esmagamento do movimento operário, a supressão dos sindicatos independentes, a proibição e a aniquilação dos partidos de esquerda foram prioridades da sua acção, numa tentativa de resolver a luta de classes com proscrições e repressão. Os fascismos ofereceram ao capital o fim do "caos" de greves e revoltas, para evitar o "perigo comunista" e para o substituir por uma ordem inabalável favorável aos seus lucros. Grandes secções das grandes empresas financiaram, acompanharam e beneficiaram da ascensão do extremo direito ao poder.
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06.11.2020 | por Daniel Campione
O tio Paulo Bano Bajanca tinha-me ensinado para ficar desconfiado quando os tugas me mandam ficar em casa, ele disse assim: “Sobrinho!, fica desconfiado quando os tugas te mandam ficar em casa e te dizem para não sair, porque, de repente, quando te mandam sair, já nem a tua casa te pertence. Foi o que fizeram na Guiné.” Eu, às vezes, pensava que o tio Paulo Bano exagerava, mas descobri que não. Toda a história dos tugas da Europa é desse tipo, tios que matam sobrinhos para tomar o poder, irmão que mata a irmã, tio que casa a sobrinha, uiiiiii.
Mukanda
19.10.2020 | por Marinho de Pina
Como todos, estou numa espécie de filme de ficção científica onde temos alguma comida extra e vamos acreditando no que nos dizem na TV. Só saí de casa antes de ontem à tarde para ir buscar cigarrilhas e fiquei numa "bicha" de zombies na estação da BP. Muitos com máscara e eu sem mascara porque pus no meu Buda. Tenho medo que apanhe qualquer coisa e me passe a crença budista - isto nunca se sabe. Estou meio sensibilizado com tudo o que vou vendo, mas o que mais me chocou foi o Donald Trump a ofender os chineses dizendo que o vírus veio da China.
A ler
21.03.2020 | por Adin Manuel