Esse movimento de reparação abre vias de modificação de organizações sociais, ainda hoje sustentadas por esses mitos sobre o ser homem e do valor da exploração e submissão dos mais fracos e dos povos mais fracos, o que, evidentemente, é simbolizado na submissão ao Deus do Antigo Testamento: O elemento chave de justificação do tráfico de escravos e sua aceitação por quase toda boa sociedade europeia.
02.06.2018 | por Miguel Sayad
Numa altura em que o discurso pós-colonial começa a complexificar-se, pela luta conjunta de pessoas e iniciativas em várias áreas, a visão ignorante e eurocêntrica que atravessa este festival não devia passar incólume. Apelo a que se celebre África, no dia 25 de maio e todos os dias, claro, mas em eventos e contextos inclusivos, onde se considere o pensamento contemporâneo africano, com ética, respeito e conteúdo.
24.05.2018 | por Marta Lança
Perderemos uma oportunidade histórica (e ética) se mantivermos uma nomenclatura de “descoberta” a propósito deste período histórico e não pensarmos uma metodologia adequada para este museu que esteja à altura de abrir um espaço novo capaz de articular crítica e criativamente, de forma informada, inclusiva e respeitadora da legitimidade das várias perspetivas e experiências que são a realidade da cidade de Lisboa e do país.
21.05.2018 | por vários
A branquitude de esquerda recusa-se terminante e furiosamente a reconhecer e admitir o seu racismo e a reconhecer a sua hegemonia exclusionária e silenciadora. Quando confrontada, a branquitude de esquerda não hesita em puxar pelos seus galardões para silenciar os seus críticos não-brancos, como se tal lhe devesse valer créditos ou fosse um cartão para escapar à cadeia no monopólio.
24.03.2018 | por Sadiq S. Habib
Fazemos parte desta coisa incrível que é este lugar. E cativos ficamos. Ninguém sai daqui alheio a assobiar. Bate uma tristeza, uma melancolia, uma saudade antecipada, porque este lugar… mesmo sendo uma madrasta cidade, tantas e tantas vezes, tem um encanto que reside na curva desse lado “Atlântico” que nos fez assim (...) Esse povo bom que lapida a vida sem ferramenta própria, capricha, encara e faz batota a rir.
13.03.2018 | por Isabel Baptista
somos o bestiário. nossa animalização nos afirma como parte da natureza. o animal pré-alegórico é o coração latente; é uma violência. a livre caça na sociedade de consumo e produção arrebata nossos corpos de margem : nos tirem do centro; é para onde caem os desejos. quiçá os vagalumes nos façam atear fogo ao céu : a luz é pulsante - o escuro é largo e espaçado pela micropolítica da carne do monstro. é a carne que sobrevive.
22.02.2018 | por Jonas van Holanda
A masculinidade se define necropoliticamente (pelo direito dos homens de dar a morte), ao passo que a feminilidade se define biopoliticamente (pela obrigação das mulheres de dar a vida). Pode-se dizer que a heterossexualidade necropolítica é algo como a utopia da erotização do acoplamento entre Robocop e Alien, pensando que, com um pouco de sorte, um dos dois se satisfaça.
18.01.2018 | por Paul B. Preciado
Esta consequente alta-visibilidade em 2017 tem as suas raízes num movimento longo, difuso, quotidiano, negro e cada vez mais no feminino, de debates, peças de teatro e cinema em torno da questão negra; celebrações das raízes culturais e ancestralidade; redes de solidariedade inter-bairros; (re)construções estéticas e identitárias afrocentradas; exposições, blogues, textos escritos a várias mãos e música a várias vozes.
17.01.2018 | por Mamadou Ba e Cristina Roldão
E se negritude se referisse a uma definição rara e obsoleta de matéria: respectivamente “substância de que consiste algo” e “substância sem forma”? Como afetaria a questão do valor? O que aconteceria com o valor econômico das coisas se fossem lidas como expressões de nossa gramática moderna e de sua lógicadefinidora da obliteração? Será que isso exporia como o objeto (de troca, apreciação e conhecimento) – isto é, a coisa econômica, artística e científica – não pode ser imaginada sem pressupor uma coisa ética (autodeterminante) que é sua própria condição de existência e determinação de valor em geral?
11.12.2017 | por Denise Ferreira da Silva
É possível pensar o passado fora da História. Fazemo-lo todos os dias. Já Hayden White o tinha dito. História e passado são coisas distintas. O passado é uma coisa e está-se nas tintas para os historiadores; a História é outra e não é indiferente ao que ofende o nosso sentido moral.
01.12.2017 | por Elísio Macamo
A política das alianças brancas no mundo da arte tem implicado a manutenção de um sistema desigual de distribuição de recursos, que permite que pessoas brancas “esclarecidas” controlem as agendas do debate racial nesses campos, irrigando os imaginários coletivamente produzidos por meio do sistema de arte com base na sua ótica e ética estreitadas pela adesão sempre parcial, e algo oportunista, ao projeto de abolição do mundo como conhecemos.
07.11.2017 | por Jota Mombaça
Assim como nós estamos hoje vivendo o desastre do nosso tempo ao qual algumas seletas pessoas chamam Antropoceno. Para a grande maioria está sendo chamado de caos social, desgoverno geral, perda de qualidade no quotidiano, nas relações, estamos todos jogados nesse abismo.
26.10.2017 | por Ailton Krenak
Vozes do Sul é um pequeno ciclo que programei para o Festival Silêncio, no qual se pode assistir ao filme "Independência", um olhar angolano sobre a guerra de libertação, e a duas conversas: a 30 de setembro Achille Mbembe discute as ideias de "Políticas da Inimizade" sob moderação de Mamadou Ba; a 1 de outubro Jota Mombaça questiona o Problema de Escuta, Rita Natálio mostra a face oculta do Antropoceno: Misantropoceno e misantropia, juntamente com a investigadora Maria Paula Meneses, co-autora de "Epistemologias do Sul", que aqui faz convergir uma Ecologia de Sabores e Saberes.
06.09.2017 | por Marta Lança
Esta nova disseminação de colónias – que vem juntar-se às anteriores vagas de migrações provenientes do Sul – baralha os critérios de pertença nacional. Pertencer à nação não é apenas uma questão de origem, mas também de escolha. Uma massa incessantemente crescente de pessoas participa agora em vários tipos de nacionalidades (nacionalidade de origem, de residência, de escolha) e de ligações identitárias.
11.08.2017 | por Achille Mbembe
Esta consciência da fragilidade do corpo negro dentro de uma história de ataques sistemáticos condicionou a educação e o comportamento de gerações e gerações de negros. Qualquer atitude fora dos padrões de submissão e obediência definidos pelos brancos podia ser entendida como insolência e ameaça, logo, como justificação para a violência. Responder a um insulto, fazer gestos mais bruscos, olhar o outro nos olhos, exigir respeito, eram comportamentos que podiam, de um momento para o outro, abrir as portas do inferno e fazer recair sobre o corpo negro a violência pronta a explodir da população branca.
20.05.2017 | por Bruno Vieira Amaral
O “eurocentrismo” entra na equação quando os europeus nas suas práticas e nas suas proclamações entram sistematicamente em contradição com estes valores por si próprios declarados. Ou por outra, “eurocentrismo” não é impôr um padrão europeu como medida de tudo, mas sim não ter vergonha de violar o que se declara como sendo sua própria cultura quando convém.
05.05.2017 | por Elísio Macamo
Porque este não-reconhecimento tem constituído a pedra angular da política da memória preconizada pelo poder político em Portugal desde essas datas, a omissão presidencial nada trouxe de novo. No entanto, ela foi acompanhada de declarações que, marcadas por uma inquietante imprecisão histórica, fizeram ecoar uma narrativa de pioneirismo humanista português cujo paternalismo implícito foi liminarmente rejeitado por portugueses e africanos quando, em 1974-75, optaram por solidarizar-se na defesa do princípio da autodeterminação dos povos e no repúdio do colonialismo.
19.04.2017 | por vários
Da mesma forma, o profundo pensamento filosófico desenvolvido ao longo de milhares de anos na China pode passar sem uma única menção em muitos currículos de filosofia no ocidente. Os estudantes de filosofia devem ser encorajados a travar contacto com o trabalho desafiador de pensadores como Kwami Anthony Appiah, Franz Fanon, Achille Mbembe, Valentin-Yves Mudimbe, Enrique Dussell e Walter Mignolo do mesmo modo que o fazem com Parfit e Strawson. Ou não devemos nós todos assumir a tarefa de nos envolvermos, para citar Nietzsche, com “o que pode ser pensado contra o nosso pensamento”?
04.04.2017 | por World Philosophies
O machismo e a violência de género nos comportamentos de homens e mulheres portugueses é resultante de forças perenes de inculcação dos modos de ser homem e mulher guiados pelas estruturas discursivas do poder. Depois da leitura deste livro, espero que não restem dúvidas acerca das raízes de uma ideologia perfeitamente devastadora em relação ao papel de cão de guarda atribuído à mulher, nada mais, nada menos que uma mulher-ser-silêncio. Essa ideologia não esteve – em absoluto – centrada no Estado. Foi promovida por muitos outros sectores da sociedade e contou com uma forte regulação intra-género, mas onde é possível encontrar resistência também a partir do Estado.
27.03.2017 | por Inês Brasão
Diversas narrativas literárias e artísticas da época colonial refletem o trabalho do colonialista que coleta informações na floresta e as depõe em vitrinas de museus. O esforço para realizar um Museu de História Natural torna-se simétrico à narrativa hostil do olhar forasteiro, que coloniza mantendo-se à distância, remetendo um continente inteiro a Lugar das Trevas. A paisagem concebida pelo homem torna-se aqui ponto de partida para uma visão crítica que, para além de levantar questões sobre a narrativa histórica, rebate o discurso político que tem enorme impacto na construção de identidades modernas em África.
20.03.2017 | por Kiluanji Kia Henda e Lucas Parente