No Presépio doméstico português, a plêiade de diferentes personagens, arquiteturas e paisagens coexistem numa montagem não só dialética – entre o sagrado e o profano, o erudito e o popular, o exuberante e o espartano, o solene e o lúdico –, mas também palimpséstica, em que distintas temporalidades se vão acomodando: os antigos palestinianos atravessam os mesmos caminhos que pastores, lavadeiras e pescadores da década de 1940 (e não por acaso desta década, já lá vamos!); as casas da aldeia evocam a arquitetura tradicional portuguesa e há até uma igreja católica com uma torre sineira e um padre de batina, que integra o cortejo para ver Jesus-menino, apesar do advento do Cristianismo estar a decorrer nesse exato momento em que o estamos a ver; um soldado inglês da Primeira Guerra Mundial faz a segurança na porta do castelo de Herodes, rei da Judeia, sendo tão alto quanto o próprio castelo, que é, por sua vez, medieval! A perspetiva renascentista não tem lugar no presépio doméstico português, daí que personagens, animais, casas e árvores “flutuem” à mesma escala como que numa pintura pré-Giotto.
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30.12.2022 | por Inês Beleza Barreiros