Diz-se no México que as boas histórias de vida são passionais. São felizes e dolorosas, atam e desatam nós cegos na garganta, tipo trago áspero de tequila barata.
Damos o tom e entramos numa das tabernas taciturnas da cidade de Guanajuato – as chamadas “cantinas”, onde se destilam contos pessoais com o avançar dos copos. Paredes de pedra bruta a meia-luz, bafo húmido. Na minha cabeça, Chavela Vargas canta “Tú me acostumbraste”. É noite e chove miudinho lá fora. Com um brinde selamos o momento. E contamos uma secreta história de vida.
24.03.2023 | por Pedro Cardoso
Quando fiz Between Fences estávamos no auge dos protestos contra a forma como o país lida com os imigrantes. O Supremo Tribunal tinha rejeitado, consecutivamente, várias leis do Governo relativas aos requerentes de asilo, o que é um ponto-chave para compreender porque o Estado entrou em conflito com o Supremo Tribunal. Atualmente, o Governo está a tentar “cortar a cabeça” deste tribunal. Foi curioso porque na época, muito destes protestos não eram em defesa dos direitos humanos, mas impulsionados pelos proprietários dos restaurantes que reivindicavam que, se os refugiados fossem expulsos, era o fim da sua atividade, porque ficariam sem mão-de-obra: ajudantes de cozinha, profissionais de limpeza, etc. A Lei de Imigração de Israel beneficia apenas a entrada de judeus no país.
23.03.2023 | por Anabela Roque
Realizador guineense da geração de Flora Gomes, estudou cinema em Cuba, filmou a guerrilha do PAIGC, foi director no Instituto Nacional de Cinema e Audiovisual da Guiné-Bissau, e tem-se esforçado por resgatar e arquivar as imagens da luta de libertação, nos últimos 13 anos com a artista Filipa César com quem colabora em projectos artísticos e de intervenção. Fez de tudo para filmar, quase sempre em baixo orçamento, e caminhando quilómetros para ir buscar e mandar revelar película. Conta-nos a importante missão que Amílcar Cabral lhes delegou e como foi, a meio do processo, saber a esmagadora notícia do seu assassinato. Calhou-lhe como primeiro trabalho filmar Amílcar Cabral numa exposição em Conacri, em 1972, e depois a transladação do seu corpo para Bissau, capturando a comoção dos guineenses pela morte do melhor pensador e líder da resistência anticolonial. No encontro essencial com Chris Marker e Sarah Maldoror e, mais recente, com Filipa César, percebe que é possível trabalhar mais autonomamente.
01.03.2023 | por Marta Lança
Continuarem a defender os nossos princípios e o programa de ação. Os Cidadãos por Lisboa defendem uma visão política de uma cidade, aberta, e que não deixa ninguém para trás. E temos bem claro que há valores e grupos que merecem a nossa especial atenção, particularmente no que toca às condições de vida das pessoas mais vulneráveis e com menos visibilidade na nossa sociedade. Estamos com estas pessoas, independentemente de uma ideia de cidade que se quer impor em Lisboa e que não as considera, como as que foram defendidas pelo Chega nesta sessão da Assembleia Municipal.
16.02.2023 | por vários
Amulongesa kutanga kyoso kyakexile hanji ni mivu iwana anga se ukamba kusoneka, mwene utanga ni paya, madivulu ma asoneki majina ma mama: omusoneki wa diyala dijina dye amwixana Dostoevski, omusoneki wa diyala dijina dye amwixana Balzac, omusoneki wa diyala dijina dye amwixana Zola, omusoneki wa diyala dijina dye amwixana Hemingwayi ni musoneki wa diyala wakamukwa hanji dijina dye amwixana Eça. Mwene anga uzola kukala mukwivila mimbu, mimbu ya ukulu kya, mimbu ya ixi ya Brazili, mimbu yatokala mu ngongo ya África ni mimbu mu kifwa kya jazz. Okusangela musoso mu kaxi ka musoso ni kukunguna omatangelu iyi kikalakalu kitenena mukukala “ikalakalu yenda kamwanyu, ikalakalu yabangiwa ni hele ye yoso”.
17.01.2023 | por Marta Lança, Aida Gomes e Mário Luís Pereira
Ndañgo okuti ame ndasonehẽle ale Os Pretos de Pousaflores l'okwivaluka ovikalakala vina vyapitiwa l'owiñgi wo ko Putu, etchi twakala k'anhamo akwĩ epanduvali, ale akwĩ etchelãla toke k'efetikilo ly'anhamo akwĩ etchea kwenda okupungula owiñgi, l'okulimba onhima kw'ovisenge, ale okutepisa ovimbundu l'ovindele kwenda alume lakãyi), etchi ndilaka tchetchi okuti p’okutanga, ava omanu epandu vo vo Ngola lava l'omanu epandu, vo ko Putu, valimbukiwe k'okuvuka kwavo l'okukala kwavo powingi, l'elako, l'usumba.
17.01.2023 | por Marta Lança, Aida Gomes e Moisés Malumbu
A sociedade angolana, diz a jornalista angolana, é profundamente patriarcal e as mulheres sofrem todos os dias. São forçadas a uma tripla jornada, são vítimas de violência obstétrica, sofrem assédio no local de trabalho e todas as tarefas de cuidado recaem sobre elas. Sem falar da violência e desproteção contra as trabalhadoras do comércio informal. "É das coisas mais difíceis de fazer, a luta dentro e fora de casa. É preciso ter um certo cuidado, afinal, somos todos consequência do mesmo sistema. Nós abraçamos uma luta, mas compreendemos a nossa realidade, temos de contextualizar o nosso discurso também. Se formos muito agressivas e radicais acabamos tendo resultados contrários. A pessoa tem de perceber que está a defender uma coisa que não faz sentido para a maioria, para poder convencer a outra pessoa de que há necessidade de mudar, que as visões já não são as mesmas, porque ninguém precisa de ser como antigamente."
04.01.2023 | por Marta Lança
Nasci em 1989 e cresci num país onde nunca vi um partido diferente a governar, nunca vi alternância política, cresci com um único Presidente da República, que só mudou há quatro anos. Estou a ver outro Presidente no poder e aí se quer manter. Por causa disso, penso que houve mais união popular para fazer pressão e empurrar o sistema. A ativista angolana fala das dificuldades de quem trabalha em recorrer à Justiça angolana e de como falha em casos de abandono familiar, situações de abuso e violações sexuais e despedimentos por gravidez. "Temos as mulheres totalmente acorrentadas e condenadas a serem cada vez mais pobres."
14.12.2022 | por Marta Lança
O corte simboliza a situação do que aconteceu comigo com a minha cicatriz. Foi em Luanda. A festa é já cá em Portugal no bairro Fim do Mundo, as festas que a minha mãe fazia. A amnésia são partes em que busco coisas no subconsciente.
28.11.2022 | por Marta Lança
A instalação é o pretexto para falarmos da sua trajetória de vida. Equilibrista entre várias culturas, vive há 31 anos numa Lisboa agora mais aberta e diversa, abertura e diversidade para as quais pessoas como Lucky tanto contribuíram, desde construí-la a pô-la a dançar. Uma cidade de momentos duros, mas de encontros e possibilidades com os quais foi crescendo. Neste texto, são as memórias de Dj Lucky que nos conduzem, entre várias pistas de som, de quisange, semba e afroblues, e várias pistas no chão, de Kinshasa ao bairro da Graça, passando por Luanda, Cova da Moura e Bairro Alto.
15.11.2022 | por Marta Lança
Achille Mbembe discute a história e o horizonte da comunicação e identidade digital no continente africano com Bregtje van der Haak. Mbembe sugere que o que alguns consideram a explosão da Internet é, na verdade, apenas a continuação das antigas culturas na nova era do Afropolitanismo.
04.11.2022 | por Bregtje van der Haak
"A escrita de literatura infantil é uma aventura. É um exercício de regresso a um tempo em que não se tinha certezas, mas em que havia muita ousadia. Um tempo em que se transformava as incertezas em certeza de que não se sabe, mas que tem de se descobrir. E descobria-se e criavam-se mundos e possibilidades. A escrita de literatura infantil é um processo de sobrevivência."
28.10.2022 | por Carla Fernandes
#4 MANGIFERA é a quarta de cinco partes de um projeto artístico transdisciplinar sobre a perda e o luto, criado por Flávia Gusmão no seguimento da morte prematura da produtora, gestora e ativista cultural cabo-verdiana Samira Pereira.
A criação NA LUT@ organiza-se em torno de cinco partes, a primeira das quais estreada há cerca de um ano, no Festival Internacional de Teatro Mindelact, em Cabo Verde; e que terá o seu último capítulo apresentado no Teatro São Luiz, em Lisboa, em abril de 2023. Concebido como forma de processar a perda, NA LUT@ cria um jogo de palavras que, em crioulo, significa simultaneamente “na luta” e “no luto”, e introduz como temas as fases do luto — negação, raiva, negociação, depressão e aceitação —, assim como noções e questionamentos de identidade e pertença, o sincretismo das comunidades cabo-verdianas, e os seus conceitos históricos, políticos e culturais.
26.09.2022 | por Flávia Gusmão, P.J. Marcellino e Helena Ales Pereira
Separados por uma tela de computador, mas unidos pelo interesse em debater alguns contornos da sua profissão, sentámo-nos frente a frente. Angelo Raimundo, mais conhecido por Another Angelo, faz sucesso na cena artística portuguesa graças às suas ilustrações, quase sempre complementadas por poemas ou frases cuja grafia é também ela única e se tornou a marca do artista, sendo poucos os que ficam indiferentes às mensagens passadas por este.
É nas redes sociais que causa furor, quer pelos temas que aborda: ansiedade, amor, felicidade, solidão... quer pelo modo de o fazer.
“Afinal de contas, eu também sou um ser humano”, diz enquanto conversamos sobre as interações que tem com os seus seguidores (que intitula de finches) no seu instagram. Será a tranquilidade e humor com que Angelo aborda os temas, que cativa os seus 90 mil seguidores, ou a segurança, vontade de sorrir e paz interior que sentimos ao tomarmos contacto com a sua arte?
21.09.2022 | por Alícia Gaspar
Acho que há um modo de trabalhar e um reconhecimento do espetáculo “Meridional” que passam por aquilo que considero três elementos basilares: o afeto, o rigor e exigência e a vontade do espanto. Isto é, no Meridional o espetáculo tem duas fases: o seu levantamento, até à estreia; e depois, a sua carreira, acompanhada de perto enquanto organismo vivo que é, logo necessariamente mutável. Essa mutabilidade deve corresponder, para nós, a um crescimento no sentido vertical, não a uma engorda, o que é, aliás, muito comum acontecer.
16.08.2022 | por Frederico Bernardino
São Tomé e Príncipe, diz Conceição Lima, vive numa tensão entre a impaciência e a paciência. Por um lado, há uma forte insatisfação com o estado de coisas: “temos uma curta esperança de vida e queremos assistir a mudança!” Por outro, quarenta e sete anos é “um lapso de história muito curto, quase insignificante no grande plano.” A solução passa por um equilíbrio entre os dois: “é preciso cultivar a paciência para remendar e semear, mas nunca permitindo que se esvaia a tão importante impaciência.” Parece que estamos perante uma identidade formada a partir e contra um trauma histórico, que teima em resistir, contra todas as probabilidades. A poetisa responde com um poema: Um pássaro ferido./ Um pássaro ainda ferido / e teimoso.
12.07.2022 | por João Moreira da Silva
Se deste lado do mundo, o assunto é debatido há já algum tempo e institucionalmente desde os anos 80, o interesse pelo tema começa, decisivamente, a chegar ao lado de lá. O Kit de Sobrevivência materializa, com recurso ao exercício paródico e interdisciplinar, esse movimento. Uma mulher portuguesa escreve tão cínica quanto criticamente sobre o grande passado português cujos paradoxos e ilusões decorativas, e penso nas audiências que conheci ao longo de 2021 e 2022, são familiares para as leitoras e os leitores de muitas outras línguas e culturas.
Afinal, assim como não há mistério algum no riso, não há mistério algum na violência. As suas dinâmicas desdobram-se em vários idiomas e lugares do mapa.
17.06.2022 | por Alícia Gaspar
Sabemos que vivemos numa sociedade estruturalmente racista, com escassa representatividade da mulher negra nos vários setores importantes e relevantes da sociedade. Cada vez mais é notória a invisibilidade que a mulher negra sofre na sociedade. A mulher negra é o pilar da sociedade, pois é ela que limpa as cidades, no entanto, são marginalizadas ao nível da empregabilidade, de tratamento em setores públicos, de valorização e ascenção profissional, entre outros.
Então, tornar o "Chá de Beleza Afro" um dos maiores eventos de afroempreendedorismo e networking feminino de Portugal, vai não só mostrar às mulheres negras e racializadas, que elas têm um lugar de referência onde podem discutir as suas problemáticas, mas acima de tudo, um ambiente seguro onde podem promover os seus negócios, promover-se a si. Pretendemos que seja uma espécie de Websummit de mulheres negras.
03.06.2022 | por Alícia Gaspar
Enquanto escritora sinto-me uma construtora da vida marginal, ou mais propriamente uma espécie de testemunha do tempo que passa. No plano da mudança social, o facto de nos termos integrado na Europa, depois da Revolução, colocou em estado de stress um país que mantinha demasiados traços arcaicos, e o percurso rápido que precisou de fazer pôs em evidência conflitos profundos da sociedade portuguesa. Foi necessário um esforço estoico por parte da população. Em situações desse tipo, as questões ontológicas colocam-se com grande agudeza. Faço parte do grupo dos escritores que tornaram essa mudança social e histórica literariamente visível, mas a partir do palco interior das personagens, a partir de uma olhar individual transfigurado.
20.05.2022 | por Margara Russotto e Patrícia Martinho Ferreira
Acho que existe um preconceito, não só na sociedade, mas no meio artístico também. Não podemos ter em conta que um personagem tenha a cor de quem a representa, a não ser para certos personagens históricos, que impliquem zelar pelo que escreveu o autor. Qualquer personagem é feito por qualquer outra pessoa, só que, infelizmente, quem dirige ou coordena as companhias, ao pensar num espectáculo não pensam nos actores negros, sejam africanos ou afrodescendentes.
Não existe esse pensar de que há no meio artístico português actores negros. Quando se pensa tendencialmente, os pápeis são característicos digamos.
27.04.2022 | por Sílvia Milonga