A nossa identidade é, toda ela, traçada com o passado. Seria então muito imprudente retirar ou apagar um momento histórico dessa mesma matriz genética, como as nossas fomes cíclicas e as murmuradas histórias de canibalismo, as ideologias e divisões feudais ainda muito presentes em Cabo Verde, Amílcar Cabral e toda a história da luta pela independência, a nossa condição africana, as atrocidades feitas a nós próprios, ou aos nossos irmãos africanos, ou qualquer outro elemento que possa ter contribuído de alguma forma para aquilo que somos hoje.
A ler
29.10.2024 | por Nuno Miranda
Uma primeira expressão do fervor afro-crioulista, pan-africanista, pan-negrista, ecumênico e internacionalista de Amílcar Cabral encontra-se nalguns dos seus poemas mais icónicos e assume laivos de esfuziante entusiasmo quando, em 1949, toma conhecimento, através do amigo e camarada angolano Mário Pinto de Andrade, dos poemas negritunidistas de poetas francófonos reunidos e organizados por Leópold Senghor na 'Anthologie de la Nouvellhe Poésie Négre et Malgache', a qual contou com um marcante prefácio do filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre intitulado “Orphée Noir”.
A ler
28.10.2024 | por José Luís Hopffer Almada
Ser uma jovem migrante brasileira negra investigadora em Portugal é resistir à destituição do meu potencial singular e complexo, quando a lógica colonial insiste em me cristalizar em identidades marcadas para morrer. É tentar equilibrar o aforismo gramsciano - pessimismo da razão e otimismo da vontade - numa fronteira cultural, social e política cujo agente de imigração não vai com a minha cara. Mas na escrevivência posso ser fronteiriça, posso ser tudo e nada, posso até abandonar esse texto sem uma lição que o valha.
A ler
27.10.2024 | por Gessica Correia Borges
Os limites do humor estão em permanente expansão, constrição e discussão. E por muito que isso seja chato, seja para veteranos como eu, com pouca paciência para novidades, seja para velhos enquistados, ou jovens com tempo a mais e vida a menos ou o contrário, é bom que assim seja. O humor faz parte do discurso e o discurso faz parte dos tempos. Muda. Aliás muda tudo, muitas vezes para tudo ficar na mesma.
A ler
25.10.2024 | por Pedro Goulão
As histórias contam-se na primeira pessoa. Fala-se de agressões gratuitas, da falta de respeito, de não se sentirem cidadãos de direito: “antes de se identificar já foi vítima”, “queremos ser tratados como cidadãos”; polícias à paisana com conversas ordinárias, insultos repetidos “pretos de me***”, “volta para a tua terra”; saídas à noite que acabam em tragédia, rusgas quando se está calmamente no café a ver a bola e se acaba deitado no chão à chuva, a ouvir insultos, festas de aniversário ou modestos convívios que de repente se misturam com balas, e ops, danos colaterais...
Cidade
25.10.2024 | por Marta Lança
Durante o último ano, em todo o mundo, tiveram lugar as maiores mobilizações das últimas décadas em solidariedade com a luta do povo palestiniano. No contexto português não foi diferente, com a presença popular massiva nas ruas e praças de várias cidades, com a partilha e discussão em vigílias diárias ou semanais e em assembleias populares onde se traçaram estratégias e objetivos, não apenas para que as exigências de um cessar-fogo se materializassem imediatamente, mas como prática descolonizadora que tem a libertação da Palestina e de todos os territórios colonizados como horizonte.
Mukanda
22.10.2024 | por Bruno Costa
A ideia de só termos saudades do futuro voltou pois a fazer todo o sentido na sequência desta "primavera", com a agravante de se estar a observar agora um tipo de gestão da comunicação social/jornalismo que tem contornos ainda mais preocupantes do ponto de vista da liberdade de imprensa, da independência editorial dos jornalistas e do pluralismo mediático. Neste segundo e último mandato de João Lourenço, sente-se que o poder político está muito mais agressivo, a lidar com os projectos editoriais que não consegue controlar directamente, com as atenções voltadas para o jornalismo digital que usa a Internet como meio de transmissão.
A ler
18.10.2024 | por Reginaldo Silva
A tua investigação parte de uma relação histórica entre humanos e lobos numa tensão mútua, e a escassez. Escreves que o lobo ocupa um lugar simbólico da escassez, ameaça tomar as almas dos últimos filhos de famílias numerosas. Nas fábulas o lobo aparece sempre como ameaça, na figura do lobo mau, aquele que vai comer os filhos da cabrinha, ou a avó do Capuchinho Vermelho.
Cara a cara
15.10.2024 | por Marta Lança e Bruno Caracol
O ocidente é um hospício, um receptáculo consciente e premeditado da magia preta. Cada desaparecimento é um registro. Isso é ressureição. Insurreição. Espalhe a magia preta, mas espalhar ou dispersar não é admitir a informidade. O som posterior é mais do que uma ponte. Ele rompe a interpretação mesmo quando o trauma que registra desaparece. Amplificação de um semblante arrebatado, retrato acentuado. Não há necessidade de descartar o som que emerge da boca como uma marca de separação. Sempre foi o corpo inteiro que emitiu o som: instrumento e dedos reclinados.
A ler
04.10.2024 | por Allende Renck
Hoje o Rei não vai estar. Não foi requerido. Mais logo no Palácio Presidencial da Cidade do México, a tomada de posse de Claudia Sheinbaum como presidente do país latino-americano não vai ter na assistência o enjoado Felipe VI a olhar com nostalgia para os céus da antiga Nova Espanha. A recusa de Sheinbaum em convidar o monarca por uma “ofensa da Casa Real espanhola à soberania e ao povo do México” está a obrigar Espanha a confrontar-se com as suas próprias lutas internas.
A ler
30.09.2024 | por Pedro Cardoso
A Espanha abre a boca para falar que, ao longo dos séculos, os dois países compartilharam uma herança comum e um relacionamento cultural e histórico que transcendem os episódios da colonização. Transcendem como? É muito conveniente para o país europeu (e para a Igreja Católica) a postura de bom gentio de outrora, quando governantes – desculpem o meu francês – abriam as pernas para os antigos colonizadores, perpetuando após a independência a mesma posição de vassalagem.
A ler
27.09.2024 | por Gabriella Florenzano
Ruy Duarte de Carvalho colocou todas estas aptidões ao serviço da compreensão e defesa das comunidades pastoralistas nómadas do Sul de Angola. Nesta missão, não o movia nenhum tipo de nostalgia romântica pelo passado, mas antes o reconhecimento da perfeita adequação das práticas dos pastores ao seu meio ambiente semidesértico, bem como da fragilidade deste modo de vida perante o avanço da ocidentalização. Do seu ponto de vista periférico em Angola, Ruy Duarte de Carvalho compreendeu as profundas ligações entre colonialismo, modernização, nacionalismo, identidade, progresso, ecologia e tecnologia, bem como a lógica por detrás da difusão da ideologia do progresso.
Ruy Duarte de Carvalho
25.09.2024 | por Alexandra Santos
Hoje já não sei o que dessa recusa é consciente ou inconsciente. Sei é que as razões angolanas continuam a arrepiar-me e as razões portuguesas me deixam perfeitamente indiferente, desde que não impliquem as razões angolanas. Isto, para mim, é uma evidência. Não decorre de nenhuma elaboração mental, ou de uma qualquer afirmação de ordem política.
Ruy Duarte de Carvalho
24.09.2024 | por Maria João Seixas
Tudo o que se faz em teatro é fictício, e a ficção identifica-se com a artificialidade. O artificial hoje, na medida em que o teatro procura ter o seu mundo, já não cria aquela ilusão de uma mensagem homenageante, uma linguagem de favorecimento do poder ou do anti-poder.(...) Uma bela história sequencial apenas nos embala e, enquanto espectadores, deixamos de ser activos. Em geral, hoje os textos estão a fugir do processo de narratividade.
Cara a cara
24.09.2024 | por Marta Lança
Por Cláudia Simões, Bruno Candé, Daniel Rodrigues, Danijoy Pontes, Giovani Rodrigues, Mumia Abu Jamal e todas as pessoas que ainda hoje enfrentam a brutalidade dos poderes capitalista, fascista, xenófobo, patriarcal, racista, afrofóbico e neocolonial.
Pelo direito de existir, resistir, circular e habitar.
Pelo trabalho digno, sobretudo das mulheres que trabalham no setor das limpezas.
Mukanda
20.09.2024 | por vários
As canções originais que compõem o espetáculo são outro ponto forte do projeto. Cada uma delas nasce de um contexto específico, de observações do quotidiano e de reflexões sobre a vida. São músicas que dialogam diretamente com as questões de identidade e polinização cultural, criando uma ponte entre o passado e o presente. “Acreditamos que, por isso, conseguimos tocar o público e ligar-nos às nossas experiências comuns”, referem.
Palcos
17.09.2024 | por André Soares
No Manifesto apresentado no Festival de Cinema de Berlim, os líderes indígenas reclamavam: “Mais pajés, mais Céu, mais espíritos, mais floresta, mais vida. Menos ódio. Menos intolerância. Menos racismo.” E deixavam claro que “precisamos superar a impossibilidade de conviver em igualdade nas nossas diferenças, e passar a partilhar o mundo com outros seres vivos, outros viventes, viver e se olhar e se reconhecer no olhar do outro, com reciprocidade, com respeito aos humanos e respeito também aos não-humanos, uns ao lado dos outros, vivendo juntos em nossas diferenças”.
Afroscreen
17.09.2024 | por Anabela Roque
Então se nos perguntam porque escrevemos, respondemos, desde a nossa povoada e frutífera solidão: escrevemos para darmos um sentido ao fracasso, pois, conhecer o inferno, exige-nos que também o apontemos com sujo dedo indicador (de remexer nas escórias da vida), num idioma tão precário e duradouro como a poesia, que tresanda a sangue e horrores, e existe não para convencer, mas porque é da sua livre natureza existir.
A ler
16.09.2024 | por José Luiz Tavares
A dialéctica partido/movimento de matriz cabraliana/cabralista e que propugna uma ampla e massiva base social de apoio aliada a critérios cada vez mais rigorosos, dos pontos de vista ético-moral e político-ideológico, para a selecção dos militantes entre os “melhores filhos do povo” para a edificação de um partido meritocrático verdadeiramente de vanguarda, parece ter influenciado, ainda que de forma involuntária e inconsciente, a dinâmica da construção do MpD como um amplo e emergente movimento (curiosa e consabidamente, póstumo à Abertura Política Democrática de 19 de Fevereiro de 1990) de estridente contestação do regime caboverdiano de partido único socializante, incensado por Carlos Veiga como o maior movimento popular até hoje surgido em Cabo Verde,
A ler
16.09.2024 | por José Luís Hopffer Almada
Muita gente se declarou de “alma lavada” com a agressão de Datena em Marçal. O discurso de ódio tem o poder de despertar o pior não só naqueles que corroboram com ele, mas também naqueles que discordam veementemente e que, de tão ultrajados, acabam por também cair na barbárie. Datena, mesmo se ainda não ostentasse cabelos brancos da experiência e quase meio século de carreira, jamais poderia ter agido através da violência. Para agravar, ainda publicou nota admitindo o erro porém dizendo não se arrepender. Se aqueles que se propõem a representar o povo não procederem através e não confiarem nas instituições de justiça, que futuro terá o país além do caos?
Cidade
16.09.2024 | por Gabriella Florenzano