Epítome para as revisitações dos tempos da provação e da disseminação continental e diaspórica da pátria africana do meio do mar

ou pelejas das premonições e das saudades futuras da nação crioula soberana

                        -Excertos-

Lembras-te, Caló de Nha Jova

das sombras pairando

sobre as casas sobre as despensas

sobre as lojas sobre os quintais

sobre outros recessos da Vila

estendidos temerosos

sobre o frescor e o torpor

do planalto de Mato Engenho

debruçados ríspidos

sobre as recentes ruas

de Nhagar?

                 (…)

Lembras-te, Loló de Nha Elisa Damas

das precatadas fisionomias

dos informadores da PIDE

da sua perfídia assoberbando-se

pelas esquinas vigiando

os temidos espectros

dos filhos das ilhas

exilados presos expulsos

mantidos em residência fixa

desterrados ostracizados

das noites longas da Assomada?

           (…)

Todos nós éramos

todos nós seríamos

todos nós almejaríamos ser

todos nós viríamos a ser

felinos possessos discípulos

clandestinos seguidores

perspicazes executantes

dos passos nómadas de Amílcar Cabral

dos seus ritos apostólicos emboscados

nas fissuras e nas quezílias da orfandade islenha

de um continente mátrio útero primeiro primordial

das anoitecidas vésperas das acontecidas

ante-madrugadas do sonho de amanhã

das fraternas vestes das palavras percutindo livres

irrompendo sísmicas com as correntezas

de lavas das úberes e ardentes trevas matriciais

da clandestinidade crepitando cintilantes

nas frontes altas nas latas espáduas

de Aristides Maria Pereira Abílio Augusto Monteiro Duarte

Fernando Ferreira Fortes Luís Severino de Almeida Cabral

Júlio de Almeida e dos outros congeminadores e fundadores

do Partido Africano para a Independência - União dos Povos 

da Guiné e de Cabo Verde e dos demais iniciadores da exaltante

e heróica saga da luta político-armada de libertação bi-nacional

dos dois povos oeste-africanos separados pela geografia pela 

imensidade do mar-oceano pelos ressentimentos seculares 

evolando do sangue e da fúria das guerras de pacificação

todavia irmanados pela História e por indestrutíveis laços 

de sangue fecundados pela língua crioula comum e pela 

secular sujeição ao abjeto e retrógrado domínio do 

obsoleto e obscurantista colonialismo português

casacomum.org/Documentos Amílcar Cabracasacomum.org/Documentos Amílcar Cabra

dos seus ecos trespassados para os passos

fugitivos meditativos militantes comandantes

de Pedro Verona Rodrigues Pires José Araújo

Osvaldo Lopes da Silva Maria da Luz Boal 

foragidos com os seus camaradas africanos

do sitiado corpo metropolitano do vasto e 

moribundo mundo imperial português do seu 

privilegiado estatuto da sua subversiva condição

de suboficiais e de estudantes ilhéus

da Casa dos Estudantes do Império

para a sua futura transmutação

em responsáveis e dirigentes políticos

em comandantes da luta armada

de libertação bi-nacional dos povos

irmanados da Guiné e de Cabo Verde

 

das suas repercussões ricocheteando

na revolta na coragem no espírito conspirativo

de Silvino Manuel da Luz Joaquim Pedro Silva

e Honório Chantre Fortes das suas mãos futuras 

guerrilheiras imbuídas de sagacidade estratégica

foragidas do arbítrio e da vergonha

trânsfugas do temor e do medo

desertoras dos lugares do ódio

da humilhação e do opróbrio

das fileiras do exército colonial

de ocupação e subjugação de feroz 

repressão do povo de Angola alevantado 

em cólera e em armas para a conquista 

da sua soberania e independência políticas

 

das suas entoações afagadas

pelas vozes feminis soberanas

na incisiva minudência dos relatórios

de Dulce Almada Duarte sobre o 

(in)controverso estatuto colonial

das ilhas africanas de Cabo Verde

a periclitante situação nutricional

e a iminente morte por inanição

do povo do arquipélago da fome

nos trilhos militantes conscientes esforçados

andantes pelas transfigurações do mundo

dos outros e dos emigrantes caboverdianos

de Amália Fonseca Lucete Andrade Cabral

Elisa Andrade Elisabeth Mascarenhas Monteiro

nos timbres majestosos das lições das asserções

das elocuções de Lilica Boal Amélia Araújo

Arlinda Santos Margarida Alfama Fragoso

Antonina Pinto também chamada

Tuna Mascarenhas Monteiro

Genialda Ferreira Querido dita Gigi

ressoando nos escritórios nas cantinas

nos dormitórios nas casas do Partido

nos pátios da Escola Piloto e das

escolas primárias e secundárias

disseminadas pelas zonas libertadas

nos improvisados estúdios da Rádio Libertação

nos boletins de informação e de propaganda

pelas distâncias habitadas pelos ouvidos

curiosos atentos entusiastas dos relatos

da saga libertária do povo irmão em luta

no crepitante dedilhar pelas mãos camaradas

caligráficas diligentes companheiras sabidas

de Carlina Pereira Maria das Dores Silveira

Henriette Vieira Virgínia Duarte Fonseca

Josefina Almeida Augusta Furtado 

redatoras e datilógrafas dos relatórios

dos memorandos das profusas notícias

sobre as hediondas e criminosas 

malfeitorias da guerra colonial 

de agressão e de subjugação 

e os muitos feitos exemplares

da luta de libertação bi-nacional

dos seus heróis das suas vítimas civis

dos seus feridos em combate trazidos

de volta à vida e ao dom da alegria

pelas mãos curadoras milagreiras

pela respiração vitalizante solidária

de Paula Fortes Damiana Duarte

Luzia Alves Ilídia Évora dita Tutú

Rosário Maria Melo dita Zazá

sustentadas pela perícia

e pela habilidade clínicas

das mãos cirurgiãs extenuadas

de Francisco Fragoso e Fernando Cabral

colocadas com os médicos angolanos

Manuel Boal e Africano Neto

e com outros médicos internacionalistas

de Cuba da Jugoslávia de la Guiné

nos hospitais e centros hospitalares

de Boké Ziguinchor e Koundara

nos hospitais de campanha

das Frentes Norte Sul e Leste

postadas hospitaleiras

sob os auspícios de Daniel Neves

em Dacar e Conacri

acolhidas nos hospitais

dos países socialistas aliados

e dos países escandinavos solidários

todos os dias transfigurando-se serenas

em silente e gratificante néctar de poesia

germinando lavada e livre

da amorosa e dilacerada

da misteriosa noite do mato 

da terra irmã libertada

 

Todos nós éramos

passageiros anónimos

incógnitos tripulantes

das ilhas dispersas

emersas sozinhas

sobre o oceano

ressonando à deriva

sobre as águas do Atlântico

sequiosas rochosas

tais filhas enjeitadas

pedaços do africano

do ingente e negro continente

tais naus da fome

da morna do sonho

e da desgraça

tais caravelas sem velas

sonhando sofrendo

em busca do Infinito

finalmente escrutado

nas vibrantes palavras

de Amílcar Cabral Abílio Duarte

Aristides Pereira Pedro Pires

José Araújo Vasco Cabral

Silvino da Luz Lilica Boal

e dos seus outros camaradas

e dos seus outros companheiros

da missão de luta e reflexão

ecoando no detalhado desassombro

e na sabedoria da minúcia analítica

do conclave de Dacar do histórico 

Julho de 1963 exaurindo-se 

no seu exaustivo diagnóstico

sobre a situação do povo das ilhas

decantando os muitos meandros

da sua história e da sua cultura

dissecando a longa e trágica saga

do seu singular nascimento

como povo africano insular

da sua dorida germinação

do cativeiro escravocrata

dos povoadores negros

sob o férreo mando

dos colonos brancos arribados

com as naus do velho Portugal

para o saque das almas

e a usura das riquezas

criadas pelas criaturas trazidas

para as terras descobertas

no meio do mar-oceano

da sua impregnação

da parda cor das ilhas

virgens e incógnitas

da desolação dos seus céus

dos seus sequeiros

anualmente reinventados

para a perpetuação

do féretro do morgadio e do latifúndio

e das cadeias da renda e da parceria

da sua inseminação

dos líquidos mananciais

das ribeiras sazonais

do seu parco verde

prosternado em oração

na encomenda das almas

dos cristos negros e mulatos

todos os dias crucificados

para o saciamento da sede

de paraísos terrestres e da vanglória

dos sacerdotes do furibundo Deus

dos mercadores e dos armadores

e dos senhores das plantações

de algodão e de cana-de-açúcar

das suas persistentes pelejas

nos pátios das casas senhoriais

no burburinho das sanzalas

no recôndito das montanhas

nas procissões religiosas

nas festividades das romarias

nas varandas dos sobrados

nos escritórios nos balcões das lojas

nos átrios das repartições públicas

nos pátios das escolas nos altares das igrejas

nos púlpitos da palavra indomada

nas tribunas dos discursos de denúncia

na grandiloquência da palavra escrita

nos muitos caminhos da penúria

nos trilhos vários da Terra-Longe

nas muitas falas da oratura

da sua voz arquipelágica

arquetípica da sua calejada alma

de nação crioula gerada

na demanda da sombra maior

da dignidade e da liberdade

sempre imaginadas

nas constantes pugnas

pelos direitos de cidadania

doravante escrutinadas e divisadas

para além dos precários horizontes

das ilhas assoladas pela esperança

expectantes na sua noite grávida de punhais

da deflagração das armas miraculosas

da sublevação para a final gestação

de uma outra terra dentro da nossa terra

para o cabal e urgente cumprimento

da sua sina de pátria do meio do mar

ancorada no seu destino africano

livre e soberanamente escolhido

 

Todos nós éramos

todos nós fomos

todos nós seríamos

circunspectos observadores

da germinação da humidade

e dos ventos da mudança

nos aguardados tempos

do estoico povo de Cabo Verde

das suas sementes de esperança

dos seus signos de vitória engendrados

nos rostos entusiásticos comandados

por Pedro Verona Rodrigues Pires

inundados de audácia da resiliente textura

da revolução cubana e do verde exuberante

da bonança futura perscrutada

para o povo das ilhas e diásporas

perfilados ante a generalíssima figura

de Amílcar Cabral Secretário-Geral

do Partido Africano para a Independência

dos Povos da Guiné e de Cabo Verde

para o juramento solene de inteira dedicação

até ao sacrifício da própria vida

à causa sagrada da libertação nacional

do povo das ilhas e diásporas

no lato quadro pan-africanista

da estrita aplicação dos princípios

da unidade Guiné-Cabo Verde

mediante a urgente e efetiva concretização

da Operação Esperança de desembarque nas ilhas

dos combatentes das forças guerrilheiras libertadoras

para a neutralização e a expulsão das hostes coloniais

depois adiada sine die e finamente ponderada

nas múltiplas vertentes dos seus hipotéticos desenlaces

na derradeira e frustrante hipótese do seu abandono

por mor das suas dimensões virtualmente suicidárias

em razão dos riscos advenientes da alta traição

de agentes doutrinados instruídos e infiltrados

pelas autoridades colonial-fascistas portuguesas

e pela sua famigerada polícia política

em razão ademais do rotundo e trágico fracasso

e da morte em combate nas selvas da Bolívia

do Guerrilheiro Heroico Che Guevara

e assim do desvendamento do elevado grau

de infiltração das forças insurgentes

pelos serviços de informação inimigos

e assim do desnudamento das fraquezas

das deficiências e das insuficiências

das fraquezas da sua teoria do foco guerrilheiro

como faísca propulsora da sublevação armada

e da insurreição geral das massas campesinas

e de outras classes trabalhadoras exploradas

finalmente em razão das condições físicas 

particularmente inóspitas adversas e hostis

e das inultrapassáveis fragilidades estruturais

do meio-ambiente caboverdiano crassamente assolado

por secas prolongadas inelutavelmente conducentes

ao progressivo despojamento da sua paisagem

da já rala e muito escassa e renitente vegetação

e ao empobrecimento geral das massas camponesas

vegetando nos limiares mínimos de subsistência

e assim desprovida de meios autónomos de 

sobrevivência e de sustentação de uma 

eventual guerra de guerrilhas e em especial 

de uma luta político-armada de longa duração

especialmente agravadas pelo isolamento 

do arquipélago saheliano mesio meso-atlântico e 

pela exiguidade e pela semui semi-aridez das ilhas

mesmo se algumas delas dotadas no seu relevo

de grutas cavernas furnas píncaros rochosos

e de outras condições orográficas propícias

a servirem de seguras bases de apoio

e inexpugnáveis esconderijos contra 

forças militares coloniais de infantaria

permanecendo todavia vulneráreis

a bombardeamentos a assaltos

e a outras incursões militares

assaz passíveis de sucesso

de tropas helitransportadas

 

E todavia víamo-los

em todas as manhãs

e aos seus perfis iluminando

os toldados e convalescentes horizontes

dos portos do Rincão e da Ribeira da Barca

e aos seus rostos camuflados desembarcando

e tomando de assalto o presidio de Chão Bom

e aos seus vultos embrenhando-se pelos 

rochosos interstícios da Serra Malagueta

e às suas kalashnikovs semeando o júbilo 

e a audácia entre os serventuários da gleba 

e os mendigos da usura e aos seus sermões 

evolucionários e às suas predicações da rebeldia

alojadas nos corações alvoroçados dos estudantes

e às suas súmbias de apóstolos da liberdade e às 

suas palavras novas envoltas dos signos da luta

incandescendo nas cicatrizadas rugas dos Rebelados

 

E todavia antevíamo-los

e aos seus corpos missionários

estrumando os caminhos outrora trilhados

e calcorreados pelos escravos negros fujões

pelos moradores do Quilombo de Julangue

pelos sublevados de Ribeirão Manuel dos 

Engenhos da Achada Falcão do Pico de 

António pelos arcabuzados de Montagarro

 

E todavia escutávamo-los

sob a sombra dos poilões

e as folhas frondosas das mangueiras

erigindo o vertical perfil da dignidade

na lapidação da palavra reta

para as profecias das cantadeiras

e os frenéticos tornos das dançarinas

 

E todavia pranteávamo-los

e cobríamo-nos de luto

por aqueles de entre eles

soçobrados entre os regos

do verde recém-plantado

atingidos pelas traiçoeiras balas

das denúncias e das emboscadas inimigas

 

E todavia desfilávamos

nos cortejos fúnebres numerosos

pelas populações massacradas

das redondezas das bases de apoio

dos guerrilheiros das nossas ilhas

pelos civis provedores dos abrigos

para os armados fautores do desassossego

nas sitiadas vilas e cidades do arquipélago 

sublevado e insurreto

 

E era o sonho o limiar

da realidade antevista

na sua vindoura consubstanciação

na sua virtuosa transfiguração

 

E era a visão o superado limite

da realidade em construção

 

E era o nosso pranto a antecipação

do alto timbre das futuras vestes

da festa e do júbilo de julho

da estatuição e da consagração

dos mártires da islenha guerra da independência

dos heróis da luta armada de libertação nacional

do valente e porfiado povo das ilhas e diásporas

 

Todos nós éramos

todos nós fomos

sombras juvenis

imaginários sósias

dos caboverdianos transmutados 

em militantes armados chamados

à luta pelo Homem de Achada Falcão

de Nossa Senhora da Graça

e de Nossa Senhora da Luz

dos seus espíritos de combatentes

calejados nas glórias e nos dissabores

da luta armada de libertação nacional

 

das notícias das suas portentosas estrelas

deflagrando-se nos obuses apascentados

pelos cálculos matemáticos da revolta e da sublevação

pela engenharia da vitória pela ciência artilheira

de Osvaldo Lopes da Silva Silvino da Luz

Manecas Santos Olívio Melício Pires

Honório Chantre Agnelo Dantas Pereira

Amâncio Lopes Júlio de Carvalho

João Pereira Silva Jaime Mota

e de outros comandantes político-militares 

e de outros bem-treinados artilheiros islenhos

experimentados especialistas exímios manuseadores

dos mecanismos e das engrenagens do triunfo

sobre os outrora inexpugnáveis aquartelamentos

sobre os outrora impunes aviões bombardeiros

das forças militares coloniais de agressão ocupantes

dos centros urbanos e de zonas remanescentes

da emergente República da Guiné-Bissau

 

das suas valentia e bravura celebrizadas

na temerária audácia nos campos de batalha

nas proezas combativas aprendizes das modernas

artes da guerra popular de longa duração

de António Lopes Santos Manuel Monteiro 

Justino Lopes Joaquim Pedro Silva chamado 

Baró António Leite chamado Tói de Suna

João José Lopes da Silva dito Jota Jota

Armindo Ferreira Eduardo Santos dito Tchifon

 

das suas bravura e valentia incorporadas

aos abraços subversivos emancipatórios

de Sotero Fortes Timóteo Tavares

Eduardo Alhinho Armando Fortes

Manuel Pedro Santos dito Nai Pritim

Manuel Piedade chamado Nai Branquinho

Ludgero Lima José Corsino chamado Djó

Manuel Gomes chamado Lela Guerrilheiro

 

das suas valentia e bravura fundidas com 

o anonimato das sombras combatentes

de Severino Alves José Rocha Daniel Alves

Penha e de outros guerrilheiros caboverdianos

 

e irmanadas à tenacidade e à heroicidade 

de ousados militantes e valentes combatentes 

e comandantes militares bissau-guineenses

combatentes destemidos guerrilheiros heroicos 

gerados pela bravura do povo em armas 

da mítica nação africana forjada na luta

tais Rui Djassi Vitorino Costa Domingos Ramos  

Pansau na Isna Agostinho Sá Titina Silá

tais Osvaldo Vieira Francuisco Francisco Mendes chamado 

Chico Té João Bernardo Vieira o mítico Nino Vieira  

Constantino Teixeira chamado Tchutcho Axon 

tais Vasco Cabral   Manuel Saturnino Costa 

Paulo Correia  Lay Seck  Arafan Mané André Gomes  

Carmen Pereira  Titina Silá Carlos Correia Umarú Djaló 

Lúcio Soares  Bobo Keita Victor Saúde Maria  

tais Awa Cassamá  Juvêncio Gomes  Otto Schacht

Fidélis Cabral de Almada  Ana Maria Vos Cabral Paulo 

Carlos de Medina  Júlio Semedo Nicandro Barreto  

Ansumane Mané Alfa Dialo Bari João da Costa

 

impregnados do espírito resiliente dos lutadores 

da frente musical e de outros coletores dos sinais 

esvoaçando com o aprisionado canto dos pássaros 

do Ilhéu das Galinhas perpassando o lato luto das 

mulheres de pano preto tais José Carlos Schwartz 

Aliu Bari e outros integrantes dos Cobiana Jazz 

 

injetados da persistência e do espírito de sacrifício 

de outras centenas de militantes guineenses e caboverdianos 

da Zona Zero clandestina de Bissau e de outras zonas de

implantação política do Partido Africano da Independência 

ainda ocupadas pelas entidades agressoras  colonialistas 

desvairando-se rebeldes persistentes esfaimados de luta

sob a austera a perspicaz a amiúde aprisionada inspiração 

e o engenho bivalente e a fronte bifacial de Rafael Barbosa

 

tornados ademais valiosos em razão da sua total identificação 

no terreno da luta com os combatentes do povo heróico da Guiné

face aos frequentes arbítrios e abusos de poder de alguns altos 

dirigentes político-militares do Partido Africano da Unidade e Luta

 

das suas bravura e valentia incorporadas

ao potente retinir dos aparelhos de comunicação

das rodas dos camiões dos motores dos barcos

na intermitente e fértil didática do quotidiano 

Embrenhamento embrenhamento nos meandros e nos dissabores

nos muitos assombros e desafios da unidade na luta 

e da luta na unidade sob a gloriosa bandeira do partido

para a futura para a almejada para a dúbia para a renitente

união política orgânica dos dois vindouros Estados independentes

dos seus avanços e recuos das suas asseverações e reiterações

das suas intrigas e conspirações no despojado e angustiante no 

bastas vezes ocioso e pesado ambiente humano de La Miniére

das suas insofismáveis provas dadas nas frentes diplomática 

logística e político-armada insuflando de ousadia e espírito solidário

a coragem a obstinação o afã combativo de Manuel de Ocante 

Afonso Gomes Carlos Reis  Álvaro Dantas Tavares Alcides Évora 

dito Batcha Arnaldo Araújo Baltasar Barros Osvaldo  Azevedo 

Nicolau Tolentino dito Faca  Corsino Tolentino Arnaldo Araújo

Henrique Semedo Pereira Carlos Andrade  Armindo Ferreira 

o mais velho José Aguiar Galina Monteiro sempre chamado 

Zezé Manco Timóteo Tavares Cai Freitas e de outros militantes 

e combatentes islenhos expectantes do início da fase armada

da luta no arquipélago caboverdiano aguardando impacientes 

os desfechos da planeada Operação Esperança

dos seus futuros avatares dos seus símiles militares

 

muitos deles entretanto ocupados

com a instrução político-militar dos combatentes

e com a afinação das armas para a deflagração dos tiros

disparados no fértil e pujante solo da Guiné-Bissau para 

a independência futura do arquipélago de Cabo Verde

 

muitos deles entretanto indigitados

para a angariação de apoios políticos e diplomáticos

de recursos militares de bens de consumo e de produção

para a duradoura sustentação da luta na Guiné

e a progressiva melhoria das condições de vida

das heróicas populações das zonas libertadas

 

muitos deles entretanto colocados

nos navios mercantes armados Ocante e 28 de Setembro

e em outros barcos e vedetas da Marinha de Guerra do Partido

e em outros serviços de logística de transporte e de comunicações

para o tempestivo municiamento das frentes de luta para 

o pronto abastecimento dos combatentes do partido  

e das martirizadas populações do interior da Guiné

 

muitos deles entretanto indicados

para a elaboração dos manuais políticos dos cadernos escolares 

dos novos livros de leitura para a capacitação dos comissários 

políticos dos responsáveis militantes e simpatizantes do partido

dos professores e alunos da Escola-Piloto das crianças das 

escolas do mato dos membros das milícias populares

dos camponeses e lavradores das zonas libertadas

 

muitos deles entretanto ocupados

com a prossecução dos estudos superiores

nos países socialistas e nos países escandinavos

com a formação em cursos de superação ideológica

e de especialização técnica político-militar

em Cuba na União Soviética na China

na Jugoslávia na Checoslováquia

e em outros países de Leste festejados

como seguros e fiáveis aliados naturais

dos movimentos de libertação nacional

 

muitos deles entretanto destacados

para a mobilização dos emigrantes das ilhas

no Senegal na Costa do Marfim no Gabão no Zaire

em França na Holanda na Bélgica na Alemanha

na Suécia nos Estados Unidos da América

no Brasil na Argentina na Venezuela

 

alguns deles entretanto enredados

na levedação e no apuramento

dos mais convictos e vibrantes ritmos

para a afinação dos sons do canto armado

de reafricanização dos espíritos

da sua guerra de libertação nacional

 

Todos nós éramos

todos nós fomos

todos nós seríamos

todos nós viríamos a ser

repositórios dos vários mundos da luta

arrevesando-se fundindo-se colidindo

na pedagogia da paciência no desbravamento

dos caminhos mais fecundos e eficazes

para o desenvolvimento da luta nas ilhas

contraposta à predicação da iniciática e progressiva

emersão da total e completa da integral inserção

dos militantes oriundos das ilhas de Cabo Verde

integralmente subjugadas pelo poder colonial português

no fraterno e pelejante seio da massa dos combatentes

do povo da nação africana em construção

na emergente República irmã da Guiné-Bissau

contraposta à irritada postulação da imediata passagem

à fase armada da luta no arquipélago caboverdiano

contraposta à opção por atentados e ações relâmpago

de guerrilha urbana contra infraestruturas militares cruciais

e forças vivas emblemáticas da repressão colonial nas ilhas

evolando das evocações das interpelações das exortações

de dirigentes e de outros prestigiados veteranos do partido

descontentes com o deficiente estado da luta nas ilhas

desiludidos com a sua alegada secundarização ecoando

na crescente ansiedade na dilatada angústia no alarme

gerado pelos prenúncios desistentes derrotistas

das vozes sussurradas desapontadas desalentados

dos seus ecos desavindos conspirativos impacientes irritados

semeados pelos clamores revolucionaristas e aventureiristas

de inúmeros estudantes intelectuais quadros e professores

domiciliados na confidencialidade das asserções e observações

vindos das ilhas da emigração dos debates e das controvérsias

das tertúlias e das altercações dos cafés e das universidades

dos memorandos dos relatórios das notas prévias das reflexões

dos núcleos dirigentes das estruturas clandestinas do partido

 

Todos nós éramos

todos nós fomos

todos nós seríamos

todos nós viríamos a ser

ávidos depositários da inteira e exemplar 

dedicação dos comandantes militares celebrizados

na ocupação do aquartelamento de Madina do Boé

nas marcantes batalhas de Guidadge e Guiledje

de cerco e aniquilação final das forças coloniais

em concretização da operação Amílcar Cabral

em resposta ao hediondo assassinato

do grande intelectual e líder africano

do responsável máximo da luta

dos sacrifícios quotidianos inúmeros

de outros militantes e responsáveis políticos

de outros anónimos guerrilheiros ilhéus

filiados e fundidos na saga combatente

do povo da nação africana forjada na luta

pela independência total e verdadeira

dos povos irmãos da Guiné e de Cabo Verde

para a libertação imediata e incondicional

do sagrado chão da pátria africana de depois

sonhada binacional nos dilemas e nas convicções

nos fragores da unidade e luta para o parto futuro

da união orgânica dos dois vindouros países soberanos

transpondo as fronteiras e os limiares da separação

erigidos pelas muralhas atlânticas do mar-oceano

edificados pelos passadistas e adulterados

vaticínios dos cultores d´Os Lusíadas

para o seu desenvolvimento sustentado

para a plena e integral emancipação

de todas as criaturas humanas suas filhas

 

das suas penumbras e dos seus augúrios 

dos seus agoiros desenhados em figurações 

da dúvida e do escarnecimento

dos seus propósitos e dos seus desconcertos

das suas contendas e das suas pelejas

reaprendidas e repreendidas em encenações várias

do ludibrio e de infrene interrogação dos dons

da utopia e dos mandamentos da liberdade

das emergentes e das vindouras virtudes

do homem novo radicado na congeminada

miragem de um povo africano esculpido

em dois corpos e num único e uníssono coração

parturientes de uma futura comunidade política erigida

em pátria africana livre isenta das mazelas e das taras

da subjugação do ser humano por outros seres humanos

liberta dos opróbrios da exploração do homem pelo homem

pelas letras pelas missivas pelas perplexidades

pelas insinuações pelas falácias pelos memorandos

sufragados manuseados destilados propalados

por José André Leitão da Graça Lucílio Braga Tavares

Maria das Mercês Ferreira Querido depois mais conhecida 

por Tchutcha Leitão da Graça e por outros conhecidos e 

tradicionais e por vezes ferozes adversários políticos

pelas omissões pelos ritmos pelos silêncios acalentados

por Sílvio Ferreira Querido Mário Alberto Fonseca

Francisco Fragoso  Cláudio Duarte Manuel Delgado

Onésimo Silveira António Mascarenhas Monteiro

e por outros antigos credenciados correligionários 

do partido da unidade e luta para a independência

e a libertação binacional da Guiné e de Cabo Verde

e por outros veteranos e convictos caminhantes

dos atalhos do litígio e do dissídio e por outros 

professos émulos dos argumentos da indagação

e das armas da litigância sobre o peso devido 

do partido e a vera e imprescritível leveza da 

liberdade na balança de agora e naquela por 

vir da democracia e da soberania popular da 

premência e das muitas modalidades do subtil

ou efetivo exercício do autoritarismo revolucionário

dos diversos modos e dos rostos vários da afirmação

da potência futura da democracia representativa das

imprescindíveis vestes da democracia participativa

da pertinência histórica da democracia revolucionária

na inevitável via socialista do desenvolvimento para a 

definitiva abjuração do mando burocrático e cleptocrático

das classes oligárquicas e compradoras para a total 

erradicação da corrupção e da dependência neo-coloniais

para a radical extirpação da fome da miséria  da ignorância 

do medo e do obscurantismo para a definitiva liquidação

das classes sociais exploradoras e predatórias parasitárias

do inferno do atraso endémico e do subdesenvolvimento

 

Todos nós éramos

todos nós fomos

todos nós seríamos

todos nós viríamos a ser 

estremunhados decifradores dos rastos

e das pegadas deixados intactos mantidos 

secretos por outros acerbos e ferozes críticos

dos conturbados trilhos do canto armado

e por outros intrépidos peregrinos

e por outros resignados sedentários

do exílio rente à noite grávida de punhais

das suas futuras instâncias da reiteração

do pecado que redime e salva do olvido

dos seus vindouros instantes de percussão

do remorso que exime das margens da História

da sua equívoca equiparação

às desonrosas e iníquas façanhas

de conhecidos e execrados

traidores e desertores da luta

dos desprezíveis informadores

e agentes cooptados infiltrados

da polícia política colonial-fascista

tais as protagonizadas tais as devassadas

tais as pirateadas tais as denunciadas

pelos famigerados José dos Reis Borges

e Albino Ferreira Fortes dito Bibino

 

E muitos seriam os que frontais

e incisivos interpeladores das ilicitudes

cicatrizadas na atribulada História da germinação

da terra e dos tempos da humidade e da provação

com João da Silva dito Djunga de Biluca

Humberto Bettencourt Santos dito Humbertona

celebrizado como músico excelso e instrumentista virtuoso

louvado como o artífice das mornas rapsódias da saudade

e com Valdemar Lopes da Silva e Onésimo Silveira

trazido para a posteridade da lenda e da glória

dos combativos poemas e canções de protesto e luta

depois inundados dos feitos e das tragédias da guerra

por Baltasar Barros também conhecido como Nho Balta

depois trajados com os lavores da saudade em lágrima

nas afrontas e nos muitos desassossegos da emigração

por Jorge Monteiro dito Jotamonte Renato Cardoso 

Manuel Faustino Manuel de Novas e Caló Querido

depois retomados e investidos do áfrico tambor da liberdade

por Tony Lima e pelos seus companheiros do grupo Kaoguiamo

e com Jorge Humberto Freitas António St. Aubyn Manuel Delgado

Sílvio Ferreira Querido e Elsa Mascarenhas Monteiro

com Olívio Melício Pires Zeca Santos Corsino Tolentino

e os irmãos António e Manuel Mascarenhas Monteiro

com Jorge Eduardo Barbosa  Carlos Reis Luís Silva  

Adão Rocha e Béni Varela

com Ovídio Martins e João Manuel Varela dito Geunzim 

de Bia d´Ideal dito João Vário também chamado pelo 

nome dele do grande poeta Timóteo Tio Tiofe

envergariam as indumentárias das estações todas do 

calendário para a ocasional indagação das peripécias

da sorte e do azar das duradouras e enregeladas fontes 

da fortuna e diante dos filhos da Europa

- dessoutra Europa da neve longeva

e das perspicazes e opulentas mulheres

divisada para além das fráguas marítimas

e dos imponentes rochedos dos Pirenéus 

 

dessoutra Europa evocada e anunciada

na sua ostentação de civilização e riqueza 

para além dos estarrecidos espectros da Ibéria

 

dessoutra Europa denunciada e flagelada

nos seus alicerces genocidas e predatórios

para além dos vultos dos mortos-vivos

de Vila Velha de Ródão interpelados

pelo grande poeta a caminho do exílio

 

dessa Europa convocada e denunciada

nas suas formulações imperiais nos seus 

efeitos corrosivos diluentes desagregadores

da vitalidade das outras culturas

 

dessoutra Europa dissecada e fulminada

nos seus fundamentos heterofóbicos

para além das renovadas núpcias com

as infinitas e aliciantes máscaras

da liberdade e da prosperidade –

 

e com Luís Cabral Abílio Duarte Dulce Almada Duarte 

Pedro Pires Mário Fonseca José Brito e Augustin Sagná

 

com Lilica Boal s Pedro Tavares Fernando Azevedo

Pedro Lope e as irmãs Verónica e Lina Tavares

 

com   Eugénia Rodrigues Gregório Freire de Andrade 

mais conhecido por Nhonhô Laura Andrade mais 

conhecida por Nha Laurinha e Nha Spanha

 

com Fernando Fortes Júlio de Almeida

Inácio Soares de Carvalho e Pedro Duarte

 

com Silvino Manuel da Luz Tony Gonzalves

Bento Fernandes Salahudia Omewale Mattheos

mais conhecido por Salah Mateus e Imamu Baraká

 

com Eli Gonzalves José Figueiredo Ramos Jack 

da Luz Alice Almeida  e Silvestre Lopes dito Sal

 

com Luís Pires Maria de Brito John-Peter Santos

Raymond Almeida e Benjamim Pinto Monteiro

 

com Luís Romano Irineu Gomes Artur Vieira

Viriato Gonçalves  e José Gomes

 

diante de todas as moradas da saudade

desabrochadas nas sete partidas

da África da Ásia e das Américas

dariam conta da incomensurável medida

da morabeza das suas antigas e secas vidas

das suas camaleónicas ilusões e elucubrações

do seu tabelado preço do seu escrutado peso

em acervos certos de vilania e subserviência

das suas expressões nas várias línguas

surtas nos portos e ancoradouros das ilhas

navegantes dos mares e das ilusões do mundo

da sua lenta metamorfose da sua explosiva transmutação

em irritada postulação dos modos eretos da fraternidade

da sua aflitiva demanda dos tempos da liberdade

 

E muitos seriam os que discretos e clandestinos 

licitadores das proposições do passado e das 

vicissitudes do temido destino do povo das ilhas

se fariam indigitados e mandatários da indignação

no branco e dilacerado coração do Império

e com Manuel Duarte Aguinaldo Brito Fonseca

Telmo Crato Monteiro Ovídio Martins  Gabriel Mariano 

António João Monteiro Sousa dito Tony Sousa

 

com Jorge Ferreira Querido Manuel (Lela) Rodrigues

Viriato de Barros  Arlindo Vicente Silva dito Baco  e 

Felisberto Vieira Lopes dito Kaoberdiano Dambará

 

com Silvino Lima António Caldeira Marques Amiro Faria 

Arsénio Fermino de Pina e Henrique Oliveira dito Djick

 

com  Olívio Melício Pires João Pereira Silva

Manuel dos Santos Júlio de Carvalho Carlos Reis 

João José Lopes da Silva dita Jota-Jota

 

com Amaro da Luz José Luís Fernandes dito Djidjé

Érico Veríssimo Ramos Francisco Fragoso 

 

com Eurico Pascoal Francisco Fragoso

e Henrique de Oliveira Barros dito Dick

 

com Manuel Delgado Belmiro Gil

e José Pedro Morais dito Djopam

 

com Óscar Ribeiro David Hopffer Almada

Alberto Mota Gomes Manuel Figueira

e Cândido Santana dito Santaninha

 

com Terêncio Alves Isaura Gomes

António Sabino Maria das Dores Silveira

e José Eduardo Barbosa dito Zé Dadá

 

com Armindo Maurício Manuel Inocêncio 

e Alírio Vicente Silva dito Tacalhe

 

com José Tomás Veiga Eugénio Inocêncio

Renato Cardoso e Manuel Faustino dito Tilela

 

com José Moniz Sérgio Centeio Célia Delgado

e Jorge Carlos de Almeida Fonseca dito Zona

 

com Natalina Martins Fátima Silva e Alcestina Tolentino

com as irmãs Fátima Dina Alice Dulce e Adelina Dupret

e as irmãs Fernanda e Helena Lopes da Silva ditas Pantchol

 

Com Élvio Fernandes Júlio Martins Tony Gamal Neves

José Maria Martins e Silvino Aguiar Galina Monteiro

 

com Rui Spencer António Espírito Santo Fonseca 

Luís Leite Celso Fernandes  Georgina Melo Tolanta Nhelas

Maria da Luz José Henrique Vera Cruz dito Torritcha

 

com Margarida Moreira Orlando Hopffer Cordeiro Almada

Luís Martins Carlos Moreira Alexandre Deus Monteiro 

Norberto Tavares e Carlos Alberto Martins dito Katxás

 

prestariam testemunho sobre a indigência

por que passava o povo do arquipélago da fome

e os exorbitantes trabalhos e as obras extenuantes

nos sequeiros ressequidos nas ribeiras pedregosas

em perigosos precipícios e fundos e abissais abismos

erigindo-se abruptos entre as montanhas das ilhas

nas estradas inúteis regadas com a lata miséria

dos escassos e incertos salários dos trabalhadores

das obras públicas de apoio às populações vulneráreis

desempregadas da lavoura na agricultura e a sua busca

dos usurários e desconhecidos caminhos da Terra-Longe

para as sufocantes minas para as sobrelotadas camaratas

para as insanas barracas dos bairros degradados

para os insalubres subúrbios e arrabaldes

das grandes cidades e urbes metropolitanas

dos seus prédios em construção dos seus andaimes

dos seus logradouros dos seus logros e alvíssaras

das suas vizinhanças hostis das suas injúrias

dos seus insultos replicados a golpes de navalha

e de torrentes em fúria de palavras

lavradas em crioulo fundo honrado

lavado em sangue e saudade

 

E muitos seriam entretanto os que

sob os auspícios das missivas de longe

das palavras de ordem gerais e de outras

diretivas e orientações políticas de Amílcar vivo

se juntariam às consignas patrióticas

e aos signos pictóricos de denúncia

antecessores da tempestiva fuga

das sinistras garras da polícia política

e do exílio em Dakar Paris e Berlim

do militante cofundador e enviado da luta

Abílio Augusto Monteiro Duarte

submersos na irreverência contestatária

das lides conspirativas entre estudantes e empregados

iluminadas pela sageza e pelo desassombro

das proposições e das reiterações afro-crioulistas

de Manuel Monteiro Duarte também chamado

Manecas Duarte também dito A. Punói

nos subterrâneos luandenses da liberdade

das suas veras sucintas e iconoclastas

das suas elaboradas doutrinações teóricas

dos seus inusitados escorços ensaísticos para 

a plena consciencialização na literatura caboverdiana

depois trespassadas para outras nomenclaturas

conluiadas com os tempos da viagem e da guerra

e com os anónimos acasos da clandestinidade

depois disseminando-se e agregando-se

às efabulações poéticas

dos jovens vates da liberdade

Mário Fonseca Arménio Vieira

Osvaldo Osório e Corsino Fortes

e à intransigência anticolonial

de outros convictos conspiradores

seus velhos companheiros de prisão

e antigos correligionários políticos

do nacionalista José Leitão da Graça

forçado ao exílio em Dacar depois de

precipitada fuga da prisão política iminente

tais Manuel Chantre Aires Leitão da Graça

Alcides Barros Anastácio Filinto Correia e Silva

tais Francisco Moreira Correia Teófilo Leitão da Graça

Lucílio Braga Tavares Joaquim Francisco Silva

tais Daniel Monteiro Osvaldo Aranda Azevedo

Carlos Alberto Fonseca

 

e com Jorge Querido dito Ioti Kunta

Felisberto Vieira Lopes dito Kaoberdiano 

Dambara do seu clandestino nome literário

e outros militantes entretanto regressados

do sitiado e explosivo coração do império

para o soterrado coração da luta nas ilhas 

 

com Osvaldo Alcântara Medina Custódio 

Rolando Vera-Cruz Martins Alberto Koenig 

Gil Ferreira Querido  João Luís Lubrano 

Adriano Brito chamado Dul Silvino Lima

António Neves Joaquim Monteiro

 

com José Braga Tavares José Filomeno Carvalho 

Luís Vieira Estevão Rodrigues Osvaldo Furtado

e Fernando Jorge Monteiro chamado Corvo

com Gustavo de Jesus Galina Monteiro Eugénio 

Barros e Francisco Varela dito Tchico Cham

com as irmãs Ferreira Querido com as irmãs Martins

com as irmãs Braga Tavares com as irmãs Almada

com Maria Rosa da Veiga e com essoutro

temerário insurgente da Achada Falcão

Sérgio dos Reis Furtado de seu nome de igreja

com essoutros rebeldes dos Engenhos da Achada 

Lém da Achada Falcão e da Serra Malagueta

com essoutras corajosas vítimas futuras da valentia

e do logro do temerário e inusitado assalto 

do navio a motor Pérola do Oceano

se acoitariam no afago e nos sussurros

da clandestinidade das palavras interditas

em demanda dos uterinos alicerces

das negras placentas do brado africano

inicial primordial primacial fundacional

desvendados para a madrugada da rebelião

na avassaladora e rebelada poesia 

do livro Noti de Kaoberdiano Dambará

depois aprisionado e tornado afónico

nas letradas (re)invenções

do mundo lusotropical

que o português criou

para a assimilação

e a ingénua recreação

dos escribas da adjacência

política cultural e identitária

de Cabo Verde a Portugal

para o aliciamento e a alienação

do caboverdiano simples pobre

Humilde humilde anónimo nosso irmão

depois asfixiado e paralisado

na respiração luso-crioulista

do arquipélago atlântico

anestesiado pela água benta

jorrando em inofensivo sangue

do corpo exposto branco de Jesus

o martirizado Cristo crucificado

o vilipendiado Filho de Deus feito Homem

das ribeiras dos seus canaviais dos seus

mananciais de sofrimento coagulando-se

no lavrado suor dos bois

sob o jugo da almanjarra

por José Luís Hopffer Almada
Vou lá visitar | 20 Janeiro 2025 | Cabo Verde, Guiné