Na morte de Oswaldo Osório, um dos maiores mortos imortais da história da literatura caboverdiana e da lusografia
De seu nome próprio Osvaldo Alcântara Medina Custódio, nascido a 25 de Novembro de 1937, na Cidade do Mindelo, e falecido a 31 de Outubro de 2024 na Cidade da Praia, onde residia há mais de 50 anos no Bairro Craveiro Lopes, o ora evocado e homenageado Oswaldo Osório é, sem sombra de dúvida, um dos maiores poetas caboverdianos de todos os tempos, por ser autor de uma obra rica e volumosa em quantidade e qualidade e de uma poesia formalmente sofisticada e altamente burilada, mesmo quando de teor assumidamente cantalutista. A obra poética de Oswaldo Osório conforma-se dos seguintes livros: Caboverdeamadamente Construção, Meu Amor (1975); Cântico do Habitante Precedido de Duas Gestas (1977); Clar(a)idade Assombrada (1987); Os Loucos Poemas de Amor e Outras Estações Inacabadas (1997), A Sexagésima Curvatura (2004), Theresias e Theresias II. Na prosa literária, foi autor de um romance intitulado As Ilhas do Meio do Mundo (2013), há muito aguardado com o título antecipado As Portas de Roterdão, para além de contos curtos de paixão amorosa intitulado Amores de Rua e da novela Nimores e Clara, muito inovadora do ponto de vista temático e do imaginário caboverdiano construtivista.
Ademais, Osvaldo Osório deu à estampa o volume Cantigas de Trabalho (1980), de recolha de tradições orais caboverdianas nessa área, bem como um livro sobre a vertente poética da obra de Amílcar Cabral, cujos poemas deu a conhecer ao grande público, tendo sido também autor de uma peça teatral, datada de 1976, sobre Gervásio e a revolta anti-escravocrata de 1835 na zona do Monte-Agarro na então Vila da Praia, que foi levada à cena, em 1978, no Salão Paroquial da cidade da Praia, pelo grupo teatral Korda Kaoberdi, de Francisco Fragoso (Kwame Konde). Foi fundador e colaborador, com Mário Fonseca, Arménio Vieira, Maria Margarida Mascarenhas, Jorge Miranda Alfama e Rolando Vera-Cruz Martins, da folha Seló (dois números), suplemento literário do jornal mindelense Notícias de Cabo Verde. Perseguido pela PIDE, a polícia política colonial-fascista e salazarista, foi preso por várias vezes em razão do seu engajamento na luta pela independência política de Cabo Verde e da Guiné-Bissau sob a liderança do PAIGC, tal como, aliás, os seus confrades e amigos Mário Fonseca, Arménio Vieira e Osvaldo Azevedo que integraram o grupo de primeiros presos políticos caboverdianos mobilizados para a luta de independência de Cabo Verde pelo nacionalista José André Leitão da Graça, depois politicamente comprometidos na luta política clandestina e na luta político-armada sob o ideário do PAIGC, fundado e liderado por Amílcar Cabral. Após a exitosa eclosão do golpe de Estado militar do 25 de Abril de 1974 e da correlativa Revolução Portuguesa dos Cravos, foi membro-fundador da FAAC (Frente Ampla Anti-Colonial), então surgida como rosto legal do PAIGC, e Coordenador do “Ariópe”, suplemento literário e cultural do jornal independentista Alerta, dirigido por David Hopffer Almada, e que substituiu o famigerado, oficioso e arqui-colonial-fascista jornal Arquipélago. Com Arménio Vieira e Mário Fonseca constituiu um excelente trio de poetas modernistas da liberdade vindos dos tempos heróicos de outrora da luta pela emancipação política do povo de Cabo Verde, depois transfigurados em lídimos autores de uma poesia comprometida com as grandes causas do povo caboverdiano e da Humanidade em geral, onde todavia perpassam nítidos laivos existencialistas de desassossego e desencanto.
Por tudo isso, Oswaldo Osório era, na minha opinião, um legítimo e justo postulante ao Prémio Camões, quiçá o mais merecedor de todos os escritores caboverdianos vivos, depois de o maior galardão literário para escritores de língua portuguesa ter sido tardiamente atribuído, em 2009, a Arménio Vieira e, dez anos depois, a Germano Almeida. O primeiro merecedor, seguindo-se-lhe certamente e por ordem incerta outr@s grandes escritor@s noss@s contemporâne@s e que pude elencar em diversas ocasiões, a última das quais na entrevista concedida a Joaquim Arena para o jornal caboverdiano A Nação. Doravante, Oswaldo Osório passa, pois, a integrar o elenco dos escritores nossos que, tendo justamente merecido o Prémio Camões, todavia não o puderam receber, tal como Manuel Lopes, Henrique Teixeira de Sousa, Gabriel Mariano, João Manuel Varela (João Vário, Timóteo Tio Tiofe, G. T. Didial) e Corsino Fortes. Foi com o apoio de Oswaldo Osório, então Coordenador, com Ondina Ferreira, do Voz di Letra, que a novíssima geração literária promovida pelo Movimento Pró-Cultura se revelou a partir de 1986 nesse importante suplemento literário do semanário Voz di Povo. Dantes conhecera-o de perto quando, sob a sua direcção, integrei, com Henrique Silva, Jorge Tolentino e Ovídio Fernandes, a Delegação caboverdiana que participou num Seminário Cultural na cidade de Rufisque no Senegal. Viagem memorável porque, além do mais, foi a minha primeira visita a um país do nosso continente africano. Depois disso tudo tornámo-nos muito amigos e, confrades próximos em tertúlias poéticas e em paródias em todos os cantos e recantos e em todos os becos e belecos da cidade da Praia e dos seus subúrbios. Por isso tudo, e pelo seu imenso legado à literatura caboverdiana, a Delegação da ALMA-CV em Portugal vai certamente homenageá-lo, conjuntamente com Ildo Lobo, no dia dos seus aniversários natalícios que cai no próximo dia 25 de Novembro. Ainda pude participar com o confrade Oswaldo Osório na Comissão que, em 1989, organizou a Assembleia Constitutiva da Associação dos Escritores Cabo-Verdianos (AEC) e que, por proposta minha, elegeu-o como o seu primeiro Secretário-Geral.
Em gratidão por esse gesto meu de reconhecimento, respeito, admiração e amizade por ele, o mais velho Oswaldo Osório convidou-me para ler perante a mesma Assembleia Constitutiva e as altas entidades culturais do país a Proclamação da Fundação da Associação dos Escritores Cabo-Verdianos, redigida pessoalmente por ele. Integrámos juntos alguns júris literários e partilhámos muitas confidências, tendo eu beneficiado sobremaneira da sua longa experiência literária e da sua muito burilada oficina poética. Finalmente seja dito que, depois do grande Eugénio e a par do António Nunes ultra-romântico do livro Devaneios, Oswaldo Osório é o maior poeta do amor e do mal de amor de todos os nosso tempos crioulos e de todas as ilhas e diáspora caboverdianas. Em sua homenagem e da sua poesia, criámos o Grupo Tapoé de recital de poesia e que, anteriormente adstrito à Associação Caboverdeana (ACV), de Lisboa, e actualmente à Delegação da ALMA.CV em Portugal, tem feito um meritório trabalho de promoção e divulgação de poetas caboverdianos de todas as gerações e estirpes literárias em ambas as línguas de Cabo Verde bem assim em francês.
Saravá para toda a eternidade ao dilecto poeta Oswaldo Osório e ao grande amigo Osvaldona (Osvaldo Alcântara Medina Custódio).
As minhas sinceras condolências à esposa Armandina, a sua amada e dedicada Dinah, aos filhos e filhas, aos muitos netos e netas e aos numerosos confrades, compadres e amigos.