Ser visto à socapa por um público precário

Ser visto à socapa por um público precário O Gay and Lesbian Memory in Action Project (GALA) surgiu nos anos pós-apartheid com o intuito de “recuperar” histórias dos homossexuais, lésbicas, transgéneros e bissexuais sul-africanos que, de acordo com os registos oficiais durante o apartheid, nunca teriam existido. GALA é simultaneamente um projecto reparador e activista. Ao compilar histórias de vidas precárias e desconhecidas, estas tornam-se –retrospectivamente – dignas de compaixão e valorizadas e erigem-se como base da reivindicação de direitos LGBTI no presente.

19.05.2020 | por Sara Rosa

O mito da mulher negra, o sujeito genderizado e racializado

O mito da mulher negra, o sujeito genderizado e racializado Apenas a lente intersecional, assumindo a realidade de uma opressão racial, pode combater a narrativa patriarcal branca, pois o sexismo e o racismo não são dois sistemas de opressão de génese e agressões comparáveis, mas dois fluxos opressivos distintos, produzidos pelo mesmo sistema, que agridem em uníssono a mulher negra.

09.05.2020 | por Catarina Valente Ramalho

Menos dois

Menos dois A Carla diz que tenho de deixar o cabelo seguir o seu caminho, pois sabe exactamente o que tem de fazer e como se deve enrolar até chegar a cada conjunto de caracóis. Ela admoesta-me de cada vez que me ponho a enrolar e a desenrolar nervosamente com os dedos o que de si é já enrolado. Não sei se isto me ajuda a pensar ou dificulta a função. Parece que a minha paciência não dá, afinal, para tudo. Ou então, o meu cabelo tornou-se uma novidade; se calhar tento, apenas, perceber o que há de tão especial nisto. Quando sou eu que o toco, porém, o outro não sou eu e sim o meu cabelo, que já foi outro. É, vários graus de enrolamento.

09.04.2020 | por Gisela Casimiro

Morte morrida ou morte vivida?

Morte morrida ou morte vivida? Nas sociedades tradicionais africanas, é particularmente interessante verificar o diálogo e a proximidade entre os vivos, os mortos e as re-interpretações das comunicações com o defunto e/ou a alma, antes e depois do enterro. Em alguns grupos étnicos animistas, quando uma pessoa morre, antes do enterro determinam-se as causas da sua morte pelo sacrifício de uma galinha (através da forma como saltam depois de degoladas ou então pela cor do seu umbigo), de modo a que se possa decidir se a razão da morte é digna ou não (por exemplo quando alguém é morto numa ação considerada criminosa ou decorrente dela) e, consequentemente, escolher o modo e o local do enterro – dentro ou fora da comunidade.

05.04.2020 | por Miguel de Barros e Mónica Sofia Vaz

Álbum da guerra colonial: José Rodrigues de Almeida (Angola, 1963-65)

Álbum da guerra colonial: José Rodrigues de Almeida (Angola, 1963-65) As fotografias dispersas no álbum sugerem uma organização peculiar: as imagens da infância e da juventude aparecem em páginas paralelas às da guerra colonial, não obedecendo a uma linearidade espacial ou temporal, criando uma narrativa simultânea e particular das diferentes geografias e afetos. Dentro da mesma página as imagens estão organizadas segundo dois critérios: por temáticas oriundas de atividades e por locais, pessoas e vivências.

04.04.2020 | por Lana Almeida

Política do abandono e desobediência radical

Política do abandono e desobediência radical O trabalho das feministas negras tem sido essencial para desvelar a fundação racial da reprodução social da limpeza e dos cuidados. Na era actual, que vê uma nova política racial da limpeza produzida pela ansiedade gerada em torno daquilo a que os meios de comunicação chamam crise climática, as sociedades humanas não poderão sobreviver sem esse trabalho de limpeza e de cuidado.

19.03.2020 | por Françoise Vergès

Os saltos altos de Zapata

Os saltos altos de Zapata Do dia para a noite, o caudilho virou um desses heróis disputado por duas bandeiras. Hasteiam-no os que defendem a masculinidade como força vital, símbolo da tradição, moralidade e poder; e os que vêem nele um revolucionário que não saiu do armário. Cem anos depois de traição que o matou, Zapata vive.

07.01.2020 | por Pedro Cardoso

Rodrigo é despojado dos seus uniformes

Rodrigo é despojado dos seus uniformes A figura quer conhecer-se ou receia fazê-lo? Resistência e tensão palpáveis. Mais um paralelismo com uma versão adulta mas que resume bem os anos de opressão capilar: Rodrigo ao espelho, máquina de cortar cabelo em riste, domando e inibindo, uma vez mais, o cabelo que não se permite conhecer. Ao ver o seu portfólio, encontro uma figura feminina de costas voltadas para um espelho.

10.12.2019 | por Gisela Casimiro

O corpo e os seus percalços

O corpo e os seus percalços apesar de hoje tantos de nós escreverem ao computador, anestesiados em relação à sujidade, logo esquecidos das emendas, escrever é mais parecido com andar, nadar, dançar e carregar sacos de compras do que com as coisas que não envolvem o corpo e os seus percalços: e é uma pena que corramos o risco de o esquecer, nos nossos escritórios arrumados, diante de ecrãs em branco, sem sombra do nosso rasto de papéis.

25.11.2019 | por Djaimilia Pereira de Almeida

O feminismo é um projecto de transformação radical da sociedade no seu conjunto

O feminismo é um projecto de transformação radical da sociedade no seu conjunto O que peço ao feminismo é simplesmente radicalidade nas suas propostas: abolição da determinação da diferença sexual no nascimento e despatriarquização radical de todas as instituições e administrações. Se começarmos por aí, veremos o que resta da estrutura social patriarcal que conhecemos.

16.10.2019 | por Paul B. Preciado

Maternidade, Mãe, e o Monstro do Lago Mess

Maternidade, Mãe, e o Monstro do Lago Mess Estas neuroses tornaram-se um pouco a imagem de marca das mães recentemente: mães que são mães mas que, mais ou menos abertamente, sentem ou podem sentir, como a Júlia, que não querem ser mães o tempo todo. Ao tornarem-se marcas, as mães, ou uma ideia de mães, também se torna mercadoria, e há uma certa ideia de quotidiano – e de mãe - que é vendida.

20.09.2019 | por Patrícia Azevedo da Silva

Fogo e Vida

Fogo e Vida A formulação crítica que aqui proponho nasce em francês porque provem do jogo do termo de Didi-Huberman (soulevement) e do entendimento de Butler do por vir (la venir) derridiano e do acontecimento (evénement) de Alain Badiou.

21.08.2019 | por Allende Renck

Piraeus Atenas

Piraeus Atenas Estamos no mês em que todas as gaivotas que erram pelo mundo e seus marinheiros voltam para arrumar, cultivar o sonho de um retorno digno e justo a um país que só existe nos seus sonhos, agosto e Portugal, mas que importantes são precisamente por o imaginarem em tão graça e idílica visão. Os da babilónia têm em si mais amor pelo céu que seus habitantes.

16.08.2019 | por Adin Manuel

O corpo contra o Capital: uma breve estória da Itália de hoje

O corpo contra o Capital: uma breve estória da Itália de hoje Cattelan questiona, a partir da inserção do corpo na política de elisão corporal do capitalismo financeiro, justamente a possibilidade de democracia frente ao sistema que vive bem ali na Piazza Affari em Milão: A sociedade de controle por si. Um questionamento da possibilidade de concretização da concepção agambeniana de que o nomos de nossa sociedade contemporânea é o campo de concentração.

14.08.2019 | por Allende Renck

Ser homem não é só fazer xixi de pé

Ser homem não é só fazer xixi de pé Somos todos o mesmo, afinal ser humano é um exercício de paciência com os outros e nada nos pode salvar deste exercício a não ser a ermitagem que começo a considerar seriamente. Temos regras de limpeza que me parecem mais exercícios militares do que a alegre manutenção de um espaço de surrogate home, mas quem sou eu para explicar seja o que for aos doutores do espaço? Os modos de controlo deixam os inmates meio malucos e os doutores também, mas como o mundo está assim também não destoa.

24.07.2019 | por Adin Manuel

bell hooks: haverá um nós «mulheres»?

bell hooks: haverá um nós «mulheres»? O racismo e sexismo, de que foram alvo desde a escravatura, contribuíram para as deploráveis condições e estatuto das mulheres negras: «nenhum outro grupo na América teve a sua identidade tão rasurada da sociedade quanto as negras. Raramente nos reconhecem como grupo autónomo e distinto dos negros, ou como parte integrante, nesta cultura, do grupo alargado de mulheres.»

07.07.2019 | por Marta Lança

We don't just tell the story we live it

We don't just tell the story we live it Depois de ouvir o leão rugir vezes sem conta, preciso de integrar este animal. Revejo a minha emergência e subsequente início do processo de diagnóstico de disforia de género e tratamento ou transição. O processo está em curso como uma maré que por vezes me deixa tranquilo e noutras se agita, sem de facto pedir muita licença para me solicitar atenção. Eu, apesar de tudo, ainda e cada vez mais lúcido, vou retirando do seu percurso os obstáculos que me impediram de integrar a minha identidade negada.

01.06.2019 | por Adin Manuel

O Obituário- “Todas as mulheres querem fazer sexo comigo!"

O Obituário- “Todas as mulheres querem fazer sexo comigo!" Já visitei os quatro cantos e as entranhas dos subúrbios. NADA. Já velejei no limite dos oceanos no cabo das agulhas, já corri que nem um leopardo pelas savanas e terreiros. Andei em baixo de pântanos que nem um hipopótamo, cortejei as anacondas serpenteei o seu veneno para avistar a geografia da mulher violentada…e, nada!

29.05.2019 | por Indira Grandê

Corpos Dissidentes |Cidades Rebeldes

Corpos Dissidentes |Cidades Rebeldes Acreditamos que é sobretudo através das corporalidades que se manifestam potências criativas e que são os corpos dissidentes e os gestos rebeldes que se tornam capazes de resistir aos diversos tipos de intolerância e discriminação. Acreditamos também que este conflito se expressa muitas vezes nas ruas, nas tensões e nas disputas em espaço público, mas também no modo como as cidades contemporâneas são construídas sem atender às diversidades. Explorar e discutir as dimensões intersecionais (racialidade, classe, género, mobilidade) que se exprimem nestes fenómenos são fortemente acolhidas neste encontro, assim como a sua contextualização em territórios urbanos periféricos ou “periferizados”.

17.05.2019 | por vários

A mulher e a prepotência masculina

A mulher e a prepotência masculina A luta continua. A liberdade e a equidade social, desprovidas de opressões egocêntricas, serão as derradeiras vitórias humanitárias. A violência generalizada contra as mulheres é sinal de que, afinal, a liberdade e a segurança só são aceites quando se respeita a prepotência masculina; por outras palavras, na prática, o atual direito humano é lamentavelmente concedido como recompensa aos que consentem com a supremacia.

24.04.2019 | por Ricardo Cabral