A Morte em tempos de negação ou a condição humana da morte (o que nos desperta a Covid-19)

A Morte em tempos de negação ou a condição humana da morte  (o que nos desperta a Covid-19) Constatar a nossa finitude é, em tempos de pandemia, angustiante. Deixa-nos com os sentidos abertos e com a sensação de que algo nos espreita. A morte desfilou nas ruas de Bérgamo e mostrou toda a sua grandeza e nos colocou diante da nossa nulidade. Não estamos preparados, muitos de nós, para constatar nossa insignificância diante dela e do mundo. Encarnada em algo tão minúsculo como um vírus, nos priva do adeus, nos priva da sociabilidade real, nos priva do convívio e da alegria plena.

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30.03.2020 | por Waleska Rodrigues de M. Oliveira Martins

Hoje em dia

Hoje em dia   Para esta travessia, deixo estas palavras como um farol aceso sobre cada dia que atravessarmos, cada um com o seu livro, a sua música, a sua recordação, a sua prece. Cultivemos o silêncio dos automóveis dos cafés das filas das repartições, das rodas de samba, dos grupos na praia e nas pistas de dança. Pois, para além do balanço entre a recessão económica e os mortos, juntos ou separados, precisamos deixar a Terra respirar.

Mukanda

29.03.2020 | por Rita Brás

O coronavírus e as memórias do fim do mundo

O coronavírus e as memórias do fim do mundo O sentimento de vulnerabilidade partilhada que hoje vivemos, enredados na crise encetada pelo coronavírus, interroga-nos, também, sobre os limites da nossa memória para democratizarmos o nosso passado, descolonizando as hierarquias raciais, coloniais e patriarcais que definem o que é alheio. Na “lembrança minha” deveria lembrar-me de inúmeras histórias de fim do mundo, histórias há muito testemunhadas por aqueles e aquelas para quem a COVID-19 é apenas mais episódio de uma continuada exposição à desigual distribuição da precariedade.

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29.03.2020 | por Bruno Sena Martins

Contágio Social: guerra de classes microbiológica na china

Contágio Social: guerra de classes microbiológica na china É uma abertura instrutiva na qual podemos rever questões substanciais sobre como a produção capitalista se relaciona com o mundo não-humano num nível mais fundamental — como, em suma, o mundo natural, incluindo o substrato microbiológico, não pode ser compreendido sem referência a como a sociedade organiza a produção (porque os dois não estão, de fato, separados). Ao mesmo tempo, é um lembrete de que o único comunismo que vale o nome é aquele que inclui o potencial de um naturalismo totalmente politizado.

Jogos Sem Fronteiras

29.03.2020 | por COLETIVO CHUǍNG

Desenhos de Guerra de Manoel Barbosa – um exorcismo dos fantasmas da guerra colonial

Desenhos de Guerra de Manoel Barbosa – um exorcismo dos fantasmas da guerra colonial  Na ida para Zemba, aos saltos dentro do camião de transporte de tropas que mal cabia na picada, a cabeça de Manoel Barbosa começou a projetar os seus “desenhos de guerra”. São constituídos por linhas geométricas que evocam movimentos pulsantes, aberturas e fechamentos, como obturadores de objetivas fotográficas ou, segundo o texto dos curadores, “máquinas de visão”. A ordenação das linhas varia entre geometrias verticais e masculinas, ou a suave sobreposição de uma vulva-paisagem, feixes de luz atravessados por fractais ou diamantes, em evocações possíveis de uma “terra de sangue”, fonte de emoções dilacerantes e difusas.

Vou lá visitar

28.03.2020 | por Carla Baptista

Alto nível baixo: Sentados em dinamite

Alto nível baixo: Sentados em dinamite Os desenhos de Manoel Barbosa e o cinema de invenção brasileiro - são “altas” respostas a tempos “baixos”. Por isso, revisitar os anos quentes da contracultura através destas produções deve arrastar um sentido crítico. Na verdade, o AI-5 “ainda não terminou de acabar” no Brasil; a guerra colonial só recentemente é um tema de estudo e debate em Portugal; a contracultura estetizou-se; e a despolitização das subjetividades acomodou-se dentro da economia neoliberal e do mundo globalizado.

Mukanda

28.03.2020 | por Marta Mestre

Caminhar pelas ruas de Maputo é encontrar um futuro do passado

Caminhar pelas ruas de Maputo é encontrar um futuro do passado Os antigos nomes das ruas da cidade foram trocados por homenagens a líderes revolucionários socialistas: Anchieta, Diogo Cão, General Rosado, Álvarez Cabral, Duque de Connaught foram então substituídos por líderes da esquerda global considerados exemplares como Patrice Lumumba, Samora Machel, Ho Chi Min, Agostinho Neto, Mao Tse Tung, Karl Marx, Salvador Allende, Vladimir Lenine, Frederich Engels... Isso marca uma profunda distância dos nomes de rua desprovidos de história da capital brasileira - Brasília, em que a via pública é referenciada como quadras, blocos, setores pertencentes a zonas e asas do plano piloto, de forma “neutra e moderna”.

Cidade

25.03.2020 | por Priscila Dorella e Matheus Pereira

O sistema alimentar industrial e a Soberania Alimentar

O sistema alimentar industrial e a Soberania Alimentar As pessoas que produzem, distribuem e consomem alimentos devem ter o poder de decidir sobre os mecanismos e políticas de produção e distribuição de alimentos. E ainda o direito a alimentos saudáveis ​​e culturalmente adequados e a definir sistemas alimentares e agrícolas de nossos territórios de vida e de trabalho.

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21.03.2020 | por Oficina de Ecologia e Sociedade

O vírus chinês, diz Trump

O vírus chinês, diz Trump Como todos, estou numa espécie de filme de ficção científica onde temos alguma comida extra e vamos acreditando no que nos dizem na TV. Só saí de casa antes de ontem à tarde para ir buscar cigarrilhas e fiquei numa "bicha" de zombies na estação da BP. Muitos com máscara e eu sem mascara porque pus no meu Buda. Tenho medo que apanhe qualquer coisa e me passe a crença budista - isto nunca se sabe. Estou meio sensibilizado com tudo o que vou vendo, mas o que mais me chocou foi o Donald Trump a ofender os chineses dizendo que o vírus veio da China.

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21.03.2020 | por Adin Manuel

Política do abandono e desobediência radical

Política do abandono e desobediência radical O trabalho das feministas negras tem sido essencial para desvelar a fundação racial da reprodução social da limpeza e dos cuidados. Na era actual, que vê uma nova política racial da limpeza produzida pela ansiedade gerada em torno daquilo a que os meios de comunicação chamam crise climática, as sociedades humanas não poderão sobreviver sem esse trabalho de limpeza e de cuidado.

Corpo

19.03.2020 | por Françoise Vergès

Utopia: o futuro inscrito no presente

Utopia: o futuro inscrito no presente Para Bifo, existem muitos futuros contidos no presente, a Futurabilidade, poderá refletir-se no horizonte sob duas formas: uma é o simples desenrolar das tendências que operam no presente, o futuro provável (a distopia) que é assustador, outra é o futuro possível (utopia) que está inscrito no presente, sendo este plural e indeterminado, estando igualmente contido “fora da esfera da imaginação utópica, mas que somos incapazes de distinguir, de fazer emergir do nevoeiro e dos miasmas da condição actual”.

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18.03.2020 | por Lana Almeida

"Toda a terra tem um nome, é preciso anunciá-lo", entrevista a Welket Bungué

"Toda a terra tem um nome, é preciso anunciá-lo", entrevista a Welket Bungué Se a imagem é potência, uma vez que fixa e revoluciona pela multiplicidade de interpretações que inocula do sentimento humano, já a palavra irá fixar problematizando, porque está veiculada a uma ideia de linguagem de dominação e de autoridade – isto é, porque só escreve e fala quem é soberano no sentido da legitimação social-política.

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17.03.2020 | por Marta Lança e Welket Bungué

Uma política das lutas em tempos de pandemia

Uma política das lutas em tempos de pandemia Proponho olhar para a pandemia enfatizando os espaços que se abrem para movimentos, lutas sociais em curso e para a própria esquerda. Não subestimo a questão do controlo, a expansão dos poderes do Estado e a posterior promoção de uma política do medo. Isto está claramente presente no cenário atual. Mas como invertê-lo? Comecemos pela “cura” do comum, para reverter o atual rumo do “laboratório italiano”, e colhamos, na situação atual, as oportunidades para generalizar uma política de lutas em tempo de pandemia.

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16.03.2020 | por Sandro Mezzadra

Fazer parte da imagem

Fazer parte da imagem Às vezes, é preciso um momento ou um episódio catalítico para pôr em relevo de modo articulado uma série de pensamentos e ideias, um pouco como quando olhamos para as estrelas uma a uma por um longo período de tempo; apreciamo-las no seu carácter único e, no entanto, não reparamos na constelação que elas formam em conjunto; depois, uma rápida modificação da nossa posição permite-nos uma perspetiva diferente e as conexões vêm à luz.

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14.03.2020 | por Federica Angelucci

Poéticas africanas de língua portuguesa: língua, engajamento e resistência

Poéticas africanas de língua portuguesa: língua, engajamento e resistência Odete Semedo e Eneida Nelly deixam seu legado propondo obras escritas em crioulo, revelando as suas vivências e exaltando a terra natal. Fazem emergir um olhar sobre dois países africanos pouco estudados no Brasil, buscando apresentar um apanhado da complexa rede de relações que compõe a literatura, a língua e a cultura de ambos os países e abrindo uma nova possibilidade de inscrição no cânone através de autoras que fazem da afirmação da língua materna sua bandeira.

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13.03.2020 | por Claudia Moraes

Gestos solenes na poeira do terreiro, o tchiloli em São Tomé e Príncipe

Gestos solenes na poeira do terreiro, o tchiloli em São Tomé e Príncipe Nas ilhas atravessadas pelo Equador gerou-se um dos mais curiosos fenómenos performativos de imaginário popular no qual o encontro de culturas - por violências da história -, e a transformadora crioulização, deu origem a um surpreendente teatro tradicional, etno-teatro, cerimónia que combina música, movimento e um texto do século XVI.

Palcos

13.03.2020 | por Marta Lança

Os versos de Cardenal

Os versos de Cardenal A confusão instalou-se. Estalou o copo na mão de Cardenal, verteu-se o rum no cetim do féretro aos solavancos na fuga em ombros pela catedral, antes de ser cinza. E ouviu-se então, num exercício de imaginação, o último grito contrapoder do rebelde num verso-único: "Tu não mereces sequer um epigrama."

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10.03.2020 | por Pedro Cardoso

Visita à Setúbal Negra (séc. XV-XVIII): Desocultar a história local através da educação não-formal

Visita à Setúbal Negra (séc. XV-XVIII): Desocultar a história local através da educação não-formal O presente artigo dá conta de um roteiro sobre a presença negra em Setúbal, nos séculos XV a XVIII, concebido enquanto “aula-passeio”, espaço de educação não formal sobre o colonialismo português. Pretende-se suscitar o rompimento com a narrativa lusotropicalista, entender a escravatura como um sistema complexo e parte de conflitos geopolíticos globais e conduzir os participantes na “descoberta” de como os outros estão, afinal, em nós.

Cidade

10.03.2020 | por Ana Alcântara, Carlos Cruz e Cristina Roldão

A ausência: o material da memória

A ausência: o material da memória A ausência presentifica-se e a obra funciona como um elemento performativo de memória que retém o que, de outro modo, não se fixaria e se perderia. Nada de melhor para mostrar que a arte da memória, no modo como Boltanski a pensa e constrói, é memória, por si só. Conhecer o seu funcionamento é preservá-la do apagamento. Eis a lição que Christian Boltanski nos reserva em todos os recantos de uma obra imensa. E que, literalmente, faz o tempo.

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07.03.2020 | por Roberto Vecchi

Inquietude no Luisiana

Inquietude no Luisiana Acrescentaria que podemos encontrar um paralelismo entre a lógica universalista da geologia, o plano de gestão (ou falta dele) de descargas tóxicas e o racional supremacista por trás das estratégias de recuperação costeira, que estão a ser elaboradas à porta fechada em maquetes que fazem lembrar um centro de comandos de guerra, lembrando-nos sem reservas que vivemos na época da militarização da água.

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06.03.2020 | por Margarida Mendes

A câmara e a nação: a criação de um país nos filmes de ruy duarte de carvalho

A câmara e a nação: a criação de um país nos filmes de ruy duarte de carvalho É essencial que o intelectual – neste caso, o realizador – esteja consciente do seu papel, do seu lugar, das suas ideologias e pontos de vista, uma vez que sendo ele o mediador, os que por ele são representados estão sempre vulneráveis a uma possível agenda do realizador. Só assim conseguirá estabelecer uma delicada zona de compromisso.

Ruy Duarte de Carvalho

04.03.2020 | por Inês Cordeiro Dias

Seeing Being Seen: territórios, fronteiras, circulações

Seeing Being Seen: territórios, fronteiras, circulações Nestes filmes de cineastas latino-americanas o tratamento das noções dinâmicas de “território” e de “fronteira” — e do princípio de circulação subjacente — assenta num sistema de mobilidade e de retroação do olhar. Esse sistema põe em xeque a relação dual e hierárquica entre as categorias de observador/observado, sujeito/objecto, humano/não-humano que estrutura o modelo epistémico e representativo dominante.

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04.03.2020 | por Raquel Schefer

Apesar de você

Apesar de você A partir destas duas paisagens vividas de um Brasil que exclui da cidadania grande maioria da sua população, Geovani Martins e Ailton Krenak colocam todas as perguntas sobre a possibilidade de um outro Brasil que se aguarda. Um Brasil em que, na era dos computadores, um jovem favelado como ele não tenha mais de escrever um livro como este numa máquina de escrever que a mãe comprou numa feira de velharias. Mas este gesto – tal como o de Ailton Krenak, em 1987, na Assembleia Constituinte – revela-nos uma energia imparável, e a confiança que dela recebemos permite-nos acreditar na “comunidade que vem”, “apesar de você”, apesar de tudo.

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04.03.2020 | por Margarida Calafate Ribeiro

Bacurau — a propósito de sangue, mapas e museus

Bacurau — a propósito de sangue, mapas e museus É preciso salvaguardar uma possibilidade de futuro — essa poderia ser uma outra definição para bacuralizar, ou uma outra forma de descrever a atitude museológica que coloco como urgente. É preciso habitar Bacurau, aliar-se aos que caíram (João Pedro, Marielle) e aos que resistiram (Elizabeth Teixeira, camponeses, Eduardo Coutinho, Cabra marcado para morrer), convocar outros filmes e outras lutas para conjurar futuros. Como o pássaro-escriva-anjo-museólogo, é preciso convocar os mortos e caídos a esse cortejo fúnebre para, com eles, ir de encontro ao porvir. Esse cortejo não é mais que um museu. É possível que falhemos. Mas eles também falharam.

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04.03.2020 | por Patrícia Mourão