“Para nós, por nós”: produção cultural africana e afrodiaspórica em debate
debates, workshop, cinema, exposição e concertos I 4 a 8 de Dezembro, 2018. Lisboa
Organização: ARTAFRICA (CEC-FLUL) / BUALA / PANTALASSA / APA
Programação: Clara Saraiva, Marta Lança, Raquel Lima e Raquel Schefer
Actividade realizada no âmbito do grupo de investigação CITCOM (CEC-FLUL)
O projeto Artafrica foi lançado em 2005, no Serviço de Belas Artes da Fundação Calouste Gulbenkian, sendo que a sua gestão ficou, posteriormente, a cargo do Centro de Estudos Comparatistas, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa sob coordenação científica de Manuela Ribeiro Sanches. Tratava-se de um site bilingue que identificava e inventariava a produção artística nos países de língua oficial portuguesa e nas suas respectivas diásporas. À época o seu fundador, José António Fernandes Dias, diagnosticava o “desconhecimento, desinteresse, resistência” por parte do meio artístico nacional que se estendia a tudo o que não fosse o “mainstream euro-americano”. Entre 2005 e 2018 podemos observar que o interesse pela criatividade do continente africano e das diásporas negras se ampliou bastante, a avaliar pelo número de iniciativas que, desde Lisboa, a fomentam. Este evento pretende fazer o balanço sobre o que realmente mudou em termos de criação, reflexão e acolhimento destas abordagens, seguindo percursos singulares e subjectividades, assim como identificar algumas tendências. Queremos indagar como estamos no que toca à produção cultural afrodiaspórica desde Lisboa, debatendo as perspectivas de quem a protagoniza, considerando o debate - ainda incipiente mas já no espaço público - da sociedade portuguesa em reconhecer o racismo.
Nesse sentido, temos uma série de perguntas na manga, e outras surgirão:
Que conhecimento sobre África e diásporas africanas é promovido através das artes e do ecossistema cultural? Com que condições de produção, circuitos, políticas públicas e privadas contam os artistas? Que oferta cultural podemos acompanhar em Lisboa e que temáticas específicas têm sido abordadas? Quem são os artistas e produtores de várias gerações e linguagens de expressão? Como se consolida uma vocação ou carreira entre vários mundos de influências? O que tem emergido artisticamente na periferia e como quebrar as barreiras culturais centro-margem? Fará ainda sentido fazer programas de “arte africana” ou integrá-los em contextos gerais artísticos? Como se inscreve e categoriza, no discurso dos curadores e programadores, uma ideia de “diferença” e de relação com o “Outro”? As artes contrariam ou reforçam a redoma da alteridade – de um “nós” e de um “eles”? Como se foi complexificando a crítica ao passado colonial e imperial do país, e a análise das suas continuidades na sociedade contemporânea? Que papel tem desempenhado a arte em direção a uma postura pós e de(s)colonial, tendo em conta as realidades sócio-económicas e sociais do país? O que realmente pode transformar as condições de vida da população negra portuguesa e migrante?
Este ciclo reúne coletivos, criadores e investigadores de diversas áreas e linguagens artísticas, para averiguar o estado das artes, forças e fragilidades do sector cultural, discutindo tanto a criação como as condições e políticas culturais, a par da investigação sobre temas tangentes. Vamos debater momentos e percursos que consideramos emancipatórios, potenciando um espaço de encontro, conhecimento e troca de ideias, de modo a fortalecer alianças no meio cultural. Para tal, organizamos na cidade de Lisboa três debates, duas sessões de filmes, uma visita guiada a exposição, três concertos e dois workshops.
AQUI O PROGRAMA:
DEBATES
Deslocações e práticas de(s)coloniais
HANGAR - Centro de Investigação Artística I 4 de dezembro I 18h - 20h
Eugénia Mussa (pintora), José Luís Tavares (poeta), Manuela Ribeiro Sanches (investigadora), Orlando Sérgio (actor) e Simone Frangella (antropóloga).
Moderação: Raquel Schefer (CEC-FLUL e University of the Western Cape)
Como criar a partir das subjetividades e experiências de deslocação, crescer entre culturas, num processo de crioulização? O que o trabalho artístico e académico nos tem dado de referências num processo individual, e como encontrámos as nossas próprias ferramentas de desconstrução, por cima de patrimónios fossilizados? Que lutas foram as nossas na sociedade portuguesa racista e preconceituosa? Como criar e pôr em prática uma poética de relação?
Afrotopia e Afrofuturismo: Impressões sobre o significado de arte afrodiaspórica
Livraria Tigre de Papel I 5 de dezembro I 18h - 20h
Alexandre Francisco Diaphra (músico), Ana Balona de Oliveira (historiadora de arte e curadora), José Lino Neves (associação Batoto Yetu), Vanessa Fernandes (realizadora) e Yaw Tembe (músico).
Moderação: Raquel Lima (CES-FEUC / PANTALASSA)
Os conceitos afrotopia e afrofuturismo categorizam experiências e manifestações que simultaneamente recuperam e reinventam uma ancestralidade africana, como imaginam e teorizam um futuro que se constrói através de uma lente artística, científica e tecnológica afrocentrada. Este debate pretende examinar o estado de uma pretensa arte afrodiaspórica desde Lisboa e levantar questões sobre visões negras de um destino alternativo, a partir de novas estéticas ético-artísticas.
Circuitos culturais lisboetas e a afirmação de negritude
Casa Independente I 6 de dezembro I 18h - 20h
Apolo de Carvalho (investigador), Filipe Reis (antropólogo), Jô Kalagary (produtor cultural), Marcus Veiga/Scúru Fitchádo (músico/produtor) e Raja Litwinoff (“blogueira” Literaturas Afrikanas).
Moderação: Marta Lança (IHA-UNL / BUALA)
Como se tem trilhado os circuitos lisboetas numa afirmação de negritude e da discussão pós-colonial nos espaços culturais e artísticos? Debatemos as oportunidades e limitações para artistas africanos e afrodiaspóricos em diferentes contextos, de forma a consolidar políticas para estes sectores, através de redes e plataformas de criação e de programação. O papel de agentes culturais e programadores é fundamental para compreender os mecanismos de sustentabilidade e vulnerabilidade de um sector que se organiza, para a promoção das artes e teoria, afirmando políticas culturais de agenciamento para determinados corpos, experiências e subjectividades.
WORKSHOP E CONVERSA COM O ARTISTA FRANCISCO VIDAL
5 de dezembro I CED D. Maria Pia I 14h - 16h
6 de dezembro I Escola Secundária António Arroio 16h - 18h
Um workshop e uma conversa conduzidas pelo artista Francisco Vidal, com alunos da Escola Casa Pia e da Escola Secundária António Arroio. O objetivo é despertar o interesse dos jovens pelas diferentes formas de arte e pela arte contemporânea em particular. Partindo da construção de “um corpo estranho” e de uma poesia pelos jovens, trabalhos de enquadramento e envolvimento na temática, os jovens serão convidados a desenharem-se e a descobrir novas formas e texturas que eles próprios são capazes de criar. No final do encontro, serão expostos todos os trabalhos, despertando-se o interesse para a intervenção que o artista irá fazer e para a qual desafia os jovens a juntarem-se.
CINEMA
DAQUI A ACOLÁ: POÉTICAS RELACIONAIS NA PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA AFRICANA E AFRODIASPÓRICA
O programa reúne um conjunto de filmes – oito curtas-metragens e uma longa-metragem – que encontra na noção de “circulação” um denominador temático e formal comum. As posições espaciais – e também temporais – estáticas são questionadas através de procedimentos narrativos e estéticos inventivos que fazem emerger perspetivas plurais e móveis sobre o presente, a história geral – e, em particular, a história colonial e anti-colonial – e a história das formas representativas. Centrado na produção cinematográfica africana e afrodiaspórica recente – ainda que incluindo um filme de Sarah Maldoror, considerada como a matriarca do cinema africano –, o programa procura questionar o eixo centro/periferias culturais e artísticas e as estruturas binárias associadas e examinar as circulações e os intercâmbios Sul/Sul. Num contexto teórico marcado por um crescente debate em torno da centralidade africana (a noção de “afrotopia”, de Felwine Sarr, ou ainda a conceção,defendida pelo economista e escritor senegalês e por Achille Mbembe, de África como cenário do “devir do planeta”), o programa coloca a hipótese de estéticas africanas e afro-diaspóricas em contraponto às formas visuais dominantes, apelando mesmo a uma releitura das declinações históricas do par dialético hegemonia/subalternidade. Nestes filmes, o ato de centrar decorre, em larga medida, de um processo de descentramento: descentramento histórico e formal, acompanhado do descentramento das posições enunciativas e cognitivas convencionais através de poéticas relacionais que deslocam a reflexão sobre as categorias de identidade e alteridade rumo a um pensamento da relação nos sistemas de representação.
Sessão de curtas-metragens
Livraria Tigre de Papel I 7 de dezembro I 18h30 - 21h
Conversa com Maria do Carmo Piçarra, Raquel Schefer, Catarina Alves Costa (antropóloga e realizadora) e Lolo Arziki (realizadora).
Fogo, Ile de Feu, Sarah Maldoror, 1977, 23’
Dois Duas, Mariana Carrilho, 2011, 7’
Release/Libertação, Maimuna Adam, 2013-2015, 4’
Concrete Affection - Zopo Lady, Kiluanji Kia Henda, 2014, 12’
Casa Portuguesa, Mónica de Miranda, 2016, 5’
Kbela, Yasmin Thayná, 2015, 22’
Beautiful People Know, Keyezua, 2017, 15’
Relatos de uma rapariga nada pudica, Lolo Arziki, 2016, 4’
Independência, de Mário Bastos, Geração 80, 2015, 110’
Livraria Tigre de Papel I 8 de dezembro I 18h30 - 21h.
Conversa com Marta Lança e Victor Hugo Lopes (cinéfilo).
A 11 de Novembro de 1975 Angola proclamou a independência, 14 anos depois do início da luta armada contra o domínio colonial português. O regime de Salazar recusava qualquer negociação com os independentistas, aos quais restava a clandestinidade, a prisão ou o exílio. Quando quase toda a África celebrava o fim dos impérios coloniais, Angola e as outras colónias portuguesas seguiram um destino bem diferente. Só após o golpe militar de 25 de Abril de 1974 ter derrubado o regime, Portugal reconheceu o direito dos povos das colónias à autodeterminação. Os anos de luta evocados em “Independência” determinaram o rumo de Angola após 1975. Opções políticas, conflitos internos e alianças internacionais começaram a desenhar-se durante a luta anti-colonial. As principais organizações (FNLA e MPLA e, mais tarde, UNITA) nunca fizeram uma frente comum e as suas contradições eram ampliadas pelo contexto da Guerra Fria. A independência foi proclamada já em clima de guerra, mas com muita emoção e orgulho, como é contado no filme.
EXPOSIÇÃO
MORANÇAS - HABITATS TRADICIONAIS DA GUINÉ-BISSAU
MUHNAC I 7 de dezembro I 16h - 16h40
Visita guiada por Clara Saraiva
Os arquitetos Fernando Schiappa Campos, António Saragga Seabra e o sociólogo Amadeu de Castilho Soares, em 1959 e 1960, partiram em Missão de Estudos do Habitat Nativo da Guiné, promovida pela Junta de Investigações do Ultramar. As imagens captadas foram além do simples registo documental, demonstrando um enorme domínio no uso da fotografia, do desenho e as profundas impressões que esta viagem deixou aos investigadores. Munidos de cadernos de campo e das icónicas câmaras fotográficas Leica e Rolleiflex, percorrem o território da Guiné-Bissau, focando-se em diagnosticar as formas de habitar, numa perspetiva clara de valorização cultural e tecnológica. Um trabalho que é agora apresentado ao público na exposição “Moranças | Habitats tradicionais da Guiné-Bissau”, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, Universidade de Lisboa, em articulação com objetos etnográficos das coleções do Instituto de Investigação Científica Tropical e do Museu Nacional de Etnologia.
CONCERTO JOSÉ GALISSÁ
MUHNAC I 7 de dezembro I 16h45 - 17h15
José Galissá é mestre da Kora. O músico nasceu, cresceu e vive com este instrumento típico da música africana, a kora. “Djidiu” é o seu apelido de rua, Kora o seu instrumento de 22 cordas. Oriundo de uma família de “djidius” (músicos hereditários), o Mestre Galissá nasceu em 1964 em Gabú no Leste da Guiné-Bissau. A viver em Portugal desde 1998, tem abraçado novas formas de música e conhecido outros intérpretes que o influenciaram.
CONCERTO SCÚRU FITCHÁDU + DJ MAD CARAS
Casa Independente I 7 de dezembro I 22h30 - 2h
“Atitude punk e distorção cruzam-se com os ritmos cabo-verdianos do funaná, mediados pelas técnicas do dub ou hip-hop e pelas metamorfoses electrónicas. No Portugal dos últimos meses é difícil encontrar uma outra aventura musical tão vital. Por detrás dela está Marcus Veiga, também conhecido pela alcunha Sette Sujidade, e também como Scúru Fitchádu.” Vitor Belanciano, Público 23/11/17
DJ João Gomes aka Mad Caras
CONCERTO KIMI DJABATÉ
Cais na Preguiça I 8 de dezembro I 22h30
Kimi Djabaté é um músico Afro-beat / blues oriundo da Guiné-Bissau. Baseado em Lisboa, continua a ser um dos elos contemporâneos numa cadeia de música da África Ocidental que remonta a centenas de anos.
LOCAIS
Cais na Preguiça | Rua dos Bacalhoeiros 4C, Lisboa
Casa Independente | Largo Intendente 45, Lisboa
CED D. Maria Pia | Rua Madre de Deus 1, Lisboa
Escola Secundária António Arroio | R. Cel. Ferreira do Amaral, Lisboa
Hangar - Centro de Investigação Artística | Rua Damasceno Monteiro 12, Lisboa
Livraria Tigre de Papel | Rua de Arroios 25, Lisboa
Museu Nacional de História Natural e da Ciência | R. da Escola Politécnica 56, Lisboa