Diálogos com Ruy Duarte de Carvalho - painel V Nomadismo, conflitos e a construção do Estado
Durante os dias 10 e 11 de dezembro de 2015, teve lugar, na galeria Quadrum, o colóquio Diálogos com Ruy Duarte de Carvalho, integrado no ciclo Paisagens Efémeras. Publicamos as comunicações, antecipando a futura publicação online dos artigos resultantes do colóquio.
Dia 11
Nomadismo, conflitos e a construção do Estado – V
Moderação - Luhuna Carvalho
Maria Benedita Basto. Notas e imagens por uma epistemologia nómada: RDC e James C. Scott.
Inquirimos a construção de uma epistemologia nómada como meio de aferição de uma construção não dominadora do saber. A construção do saber que ocupa RDC é a que releva da memória futura dos presentes a sul do centro que a nação angolana, a fazer-se, terá de incluir. Diante da tarefa de “registar” para o futuro esses saberes, colocam-se-lhe vários tipos de análise e de interrogações. Será interessante cruzar com o trabalho do politólogo e antropólogo James C. Scott. Embora procurando respostas para problemáticas de base diferente, muitas das considerações sobre as populações nómadas, por exemplo em Zomia (2009), em Seeing like a State (1998), as relações com o Estado, ou a análise do “colonialismo interno”, são muito úteis para a leitura de RDC. Nesse âmbito, a escolha da oralidade é uma tática de resistência relevante. Colocam-se também aqui vários problemas de caráter epistemológico: como transcrever fielmente esta oralidade, como guardar o nomadismo que a sustenta, como construir a nação angolana a partir desses “suis” e desses “nois”, como escreve em a Terceira metade (2009)? Como filmar em imagens “de fronteira” essas populações e as suas práticas quotidianas que são também práticas de resistência?
Rita Chaves. Escrita e mediação sob o signo do conflito.
A consciência da contradição como uma das matrizes do olhar assegura ao trabalho de RDC uma verticalidade que se plasma na opção por uma escrita que, sem renunciar ao desejo de totalidade, tenciona a perplexidade como forma de apreender a “respiração” dos mundos em foco. No jogo entre antropologia e literatura, o autor projeta diferentes possibilidades de investigar dilemas e conflitos que a contemporaneidade tenta elidir ou intensificar, elegendo a palavra como um modo de conhecer e reconhecer terras e gentes, investigando tempos e espaços que visita como observador, analista, viajante e escritor.
Fernando Florêncio. O papel das autoridades tradicionais angolanas na construção do Estado de Direito. Reflexões a partir do caso do Bailundo.
A partir do estudo de caso do município do Bailundo (Angola), equaciona-se através das práticas e das representações dos atores locais, nomeadamente das autoridades tradicionais, a mise en scéne do Estado Local em Angola. Enquanto problema teórico mais amplo, pretende-se discutir as vantagens e as desvantagens do lugar das autoridades tradicionais nesse processo, nomeadamente na sua contribuição para a construção do Estado de Direito, através do papel dos direitos costumeiros e sua relação com o direito estatal. Pretende-se saber se o pluralismo jurídico, institucionalizado em África no período colonial com a implantação do indirect rule, não reproduz na atualidade, através das autoridades tradicionais, de um modelo dualista de cidadãos e súbditos (citizens and subjects, Mandani), tão característico do modelo colonial.
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Fernando Florêncio. É professor de Antropologia Social na Universidade de Coimbra. Tem um Doutoramento em Estudos Africanos, pelo IUL-ISCTE. Tem efectuado pesquisas sobre o papel das autoridades tradicionais na construção do Estado Local, e sobre questões relacionadas com o pluralismo jurídico e a formação do estado de direito em África, a partir de múltiplas estadias de campo em Moçambique e Angola. Foi chefe de missão de Direitos Humanos no Ruanda, entre 1995-1997. É membro do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA).
Fernando Florêncio <fjpflorencio@gmail.com>
Rita Chaves
Doutora em letras pela Universidade de São Paulo, é professora associada de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na mesma instituição. Seus projetos de pesquisa têm focalizado as modalidades e o lugar da narrativa romanesca nos sistemas literários de Angola e Moçambique. Foi professora visitante na Yale University, em 1996/97. Tem dois estágios de pós-doutoramento ne Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique. É autora de A formação do romance angolano e de Angola/Moçambique – experiência colonial e territórios literários. É co-organizadora de Portanto …Pepetela (Luanda: Chá de Caxinde, 2003), Brasil/África: como se o mar fosse mentira ( Luanda/São Paulo: Chá de Caxinde/ Editora da UNESP, 2006); A kinda e a misanga: encontros brasileiros com a Literatura Angolana ( Luanda/ São Paulo: Nzila/Editora da UNESP, 2007); Mia Couto: o desejo de contar e de inventar ( Maputo: Ndjira, 2009) ; Portanto … Pepetela (Cotia:Ateliê, 2009) Passagens para o Índico: encontros brasileiros com a Literatura Moçambicana (Maputo: Marimbique, 2012); Mia couto: um convite à diferença ( São Paulo: Humanitas, 2013).
contacto: rita.chaves@uol.com.br
Maria-Benedita Basto é Maîtresse de conférences (professora associada) no departamento de Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade de Paris-Sorbonne. O seu trabalho interdisciplinar no cruzamento da história, literatura e cinema, concerne as problemáticas coloniais e pós-coloniais em torno das memórias, das identidades e dos (trans)nacionalismos nos espaços lusófonos assim como os movimentos internacionalistas dos anos 60 e 70 e as lutas de libertação. Publicou A guerra das escritas. Literatura, nação e teoria pós-colonial em Moçambique, Lisboa: Vendaval, 2006, e dirigiu Littératures de l’Angola, du Mozambique et du Cap-Vert, ELA, 37, 2014 ; Enjeux littéraires et espaces démocratiques en Afrique subsaharienne, Paris: Éditions EHESS, 2007. Publicações recentes: “The Writings of the National Anthem in Independent Mozambique: Fictions of the Subject-People”, Kronos. Southern African Histories, 39, 2013. « Said lecteur de Vico et de Gramsci: politiques de l’affiliation, pratiques des communs possibles », dans Philippe Bazin et Christiane Vollaire, Edward Said, les effets des mythologies coloniales, Montigny-sur-Canne : Association Ici et Ailleurs pour une philosophie nomade, 2014 ; « Material Futures, Dialectical Dances: Utopia in Angolan and Mozambican Literatures », Francisco Bettencourt (ed), Utopia in Portugal, Brazil and Lusophone African Countries, Oxford/Bern : Peter Lang, 2015.
Organização: BUALA / Marta Lança / Parceria estratégica: AFRICA.CONT/CML e EGEAC-Galerias Municipais / Colaboração: Centro de Estudos Comparatistas – FLUL e Gulbenkian / Comissão científica : Ana Paula Tavares, Manuela Ribeiro Sanches e Marta Lança