Visões Alargadas do Mundo, 20ª edição do Vídeobrasil
Em momentos como o atual, de crises, impasses, catástrofes, disputas narrativas acirradas e constantes reordenamentos sociopolíticos locais e globais, a exposição Panoramas do Sul e os artistas representados nela trazem à tona o desejo da arte de ampliar e subverter nossas concepções de mundo. Pautada pela vocação política desde sempre, a produção do Sul ganha protagonismo e se refina em um cenário de retrocesso e incerteza, ressoando com potência crescente à medida que se legitima e institucionaliza. A ampliação de sua presença no mundo da arte e o reconhecimento da importância das perspectivas do Sul em qualquer concerto global de vozes tornam evidente o acerto da aposta nesta região simbólica, alinhavada há mais de vinte anos pelo Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil.
O impulso de investigar as áreas de produção do conhecimento e seus limites – que se revelou de forma patente na apreciação do total dos trabalhos inscritos – marca as práticas artísticas reunidas nesta vigésima edição, num conjunto de mais de setenta obras de cinquenta artistas. Borrando fronteiras entre arte e ciência, elas nos levam em uma viagem à origem da história, das sociedades e da Terra. Reverberam o estudo da vida, da evolução do universo, das dinâmicas sociais ao longo da história, da invenção de novas formas de fazer política. Ao permitir uma leitura integrada de arte, cultura, astronomia, biologia, história e geografia, o corpo dessas investigações artísticas traduz a ideia de que somente um alargamento de nossas concepções será capaz de restituir liberdade à imaginação humana e expandir saberes atados aos modelos e mecanismos ocidentais de produção e legitimação da verdade.
Ocupando espaços múltiplos do Sesc Pompeia, em forma de exposição, programa de vídeo e performances, os trabalhos inspiram um partido curatorial aberto, do qual deriva o que chamamos de Teoria das Constelações – um pensamento que se contrapõe à ideia de precisão do campo científico e expõe as relações entre o particular e o geral, o mínimo e o todo, a certeza e a imprecisão, a arte e a ciência. As obras organizam-se em torno de seis constelações ou eixos conceituais: Cosmovisões, Ecologias, Reinvenção da Cultura, Políticas de Resistência, Histórias Invisíveis e Outros Modernismos.
Visitas, aulas abertas, encontros e ativações acabam de compor a plataforma criativa, prática e discursiva do Festival. Como as obras, estas ações reafirmam as ideias de resistência, alteridade e dissenso, em sua capacidade transformadora, como os paradigmas mais importantes da consciência humana.
No amplo espectro político para o qual a arte contribui, a opção declarada pela pesquisa que produz experiências potentes de resistência, pluralidade e transformação traduz nosso intuito de caminhar na direção contrária ao esvaziamento progressivo dos discursos hegemônicos que circulam e moldam o campo da arte. As práticas representadas nos Panoramas do Sul opõem-se ao esmagamento progressivo de nossos horizontes, assim como ao obscurantismo e o conservadorismo que transpiram na vida pública mundo afora e, em especial, no Brasil. Assim, oferecem sua contribuição para preservar, ainda que penosamente, alguma perspectiva de futuro.
Solange O. Farkas
Curadora-geral do 20º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil
Ana Pato, Beatriz Lemos, Diego Matos, João Laia
Curadores convidados
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Tópicos sobre a linguagem visual do 20º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil
por Vitor Cesar & Felipe Kaizer
Sul e Norte
Em questão, o Sul do mundo. Destaca-se o “Sul” dos “Panoramas” em detrimento dos outros elementos que compõem o título da exposição. O Sul supera em importância tudo o mais. “Sul” é um dos nomes do Festival e remete aos debates sobre descolonização e pós-colonianismo. Assim se expressa a direção geral da curadoria nos últimos anos. A diferença dessa vez está na desierarquização dos nomes, em desacordo com a lógica oriunda do Norte.
O Sul também é tema no Norte. Mais uma vez, o Norte se interessa pelo Sul. As razões de hoje se encontram nos limites da sociedade afluente, que rapidamente se torna insustentável. Busca-se no Sul outros modos de viver, novos campos a ocupar. Nos seus termos, o Norte fala de um “estado mental” ainda destacado do corpo. Mas no Sul o problema não se coloca da mesma forma.
Antropoceno
Vivemos em uma era geológica produzida também artificialmente. A partir de agora o humano é um fator do clima do planeta. O antropoceno implica, entre outras coisas, a superação da diferença entre o natural e o artificial. O humano é resultado das condições climáticas e as condições climáticas são resultado da ação humana. O plástico está na composição das novas pedras vulcânicas. Os plastiglomerados se acumulam nos mares e nas praias. Em breve, estarão nas ruas e nos apartamentos.
Edifícios sobre calçadas sobre pedras, em camadas, dão lugar a uma grande confusão. O urbano está, a partir de agora, irremediavelmente no centro das nossas preocupações. Desse ponto não há retorno. Tudo gira em torno das suas quantidades, suas escalas, suas densidades. As cidades se expandem, se multiplicam, se obstruem.
Identidades visuais
Toda identidade visual identifica e comunica. Toda identidade busca repetição e coerência. Para tanto, mantêm-se o controle sobre suas manifestações. Tal controle se adquire por meio de sistemas e programas. Assim reza a cartilha da identidade corporativa, que se consolida internacionalmente depois de 1950.
O projeto do Festival Sesc_Videobrasil procura passar ao largo desses imperativos. Trata-se de uma exposição de arte contemporânea sem problemas de continuidade. Permanece, contudo, a exigência de distinção. É em nome dela que se corre o risco do estranhamento diante do padrão de projeto para a arte.
Também são consideradas as condições dos novos meios de comunicação. O ambiente digital promove a dissociação entre a forma visual e a estrutura da informação. Agora, toda informação textual toma emprestada a forma dos meios onde circula. A pressão por distinção então recai totalmente sobre a imagem. Isso tem consequências para todo comunicador visual que se acostumou ao jogo previsível de texto e imagem.
Modos de fazer
A linguagem visual do 20º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil é uma resposta à série de questionamentos levantados. Melhor dizendo, na medida em que as questões continuam sem resposta, o projeto gráfico se constitui, ele mesmo, como pergunta. O que se vê é uma forma de perguntar.
Esse processo parte de reflexões curatoriais. Decisões sobre conceitos, mas também sobre artistas. Identifica-se um universo particular na produção escolhida. A partir daí se define um “vocabulário” possível para esse universo. Mas, nesse processo, experimenta-se a antítese da sistematização: catálogo, sinalização, anúncios são desenhados caso a caso. Essa atitude não impede que o projeto como um todo encontre, afinal, uma forma singular, considerando o modo como cada manifestação da linguagem herda características da anterior e incorpora novos elementos.
Artistas participantes
- Alia Farid [Kuwait / Porto Rico]
- Alyona Larionova [Rússia / Reino Unido]
- Ana Elisa Egreja [Brasil]
- Ana Mazzei [Brasil]
- Ana Vaz [Brasil / França]
- Andrés Padilla Domene [México / França]
- Bárbara Wagner e Benjamin de Burca [Brasil / Alemanha]
- Cristiano Lenhardt [Brasil]
- Daniel Monroy Cuevas [México]
- Débora Mazloum [Brasil]
- Elizabeth Vásquez Arbulú [Peru]
- Elvis Almeida [Brasil]
- Emo de Medeiros [França / Benim]
- Engel Leonardo [República Dominicana]
- Felipe Esparza Pérez [Peru]
- Filipa César [Portugal / Alemanha]
- Graziela Kunsch [Brasil]
- Haig Aivazian [Líbano]
- Hellen Ascoli [Guatemala]
- Ícaro Lira [Brasil]
- Jaime Lauriano [Brasil]
- Jiwon Choi [Coreia do Sul / Estados Unidos]
- Karo Akpokiere [Nigéria]
- Kavich Neang [Camboja]
- Köken Ergun [Turquia]
- La Decanatura [Colômbia]
- Louise Botkay [Brasil]
- Mabe Bethônico [Brasil]
- Manuela De Laborde [México]
- Mariana Portela Echeverri [Portugal / Reino Unido]
- Mariana Rodríguez [Argentina / México]
- Miguel Penha [Brasil]
- Mona Vatamanu & Florin Tudor [Romênia]
- Monira Al Qadiri [Senegal / Kuwait]
- Natasha Mendonca [Índia]
- Pakui Hardware [Lituânia]
- Pedro Barateiro [Portugal]
- Quy Minh Truong [Vietnã]
- Rafael Pagatini [Brasil]
- Rodrigo Hernández [México]
- Roy Dib [Líbano]
- Sammy Baloji [República Democrática do Congo / Bélgica]
- Sasha Litvintseva [Rússia / Reino Unido]
- Seydou Cissé [Mali / França]
- Tatewaki Nio [Japão / Brasil]
- Thando Mama [África Do Sul]
- Thiago Martins de Melo [Brasil]
- Viktorija Rybakova [Lituânia]
- Von Calhau! [Portugal]
- Ximena Garrido-Lecca [Peru / México]
Prêmios de Aquisição Acervo Sesc de Arte. Os seguintes artistas receberam R$ 25 mil cada um, e seus trabalhos passam a integrar o acervo de arte contemporânea da instituição:
Bárbara Wagner & Benjamin de Burca, obra Faz que vai (2015, vídeo);
Filipa César, obra Transmission from the Liberated Zones (2015, vídeo);
Quy Minh Truong, obra Vuon Bau Xanh Tuoi (2016, vídeo).
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Prêmio O.F.F. Prêmio de R$ 25 mil concedido pela fundação Ostrovsky Family Fund (EUA, Israel, Brasil) a Jaime Lauriano.
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Prêmios de residência artística. Cinco artistas foram contemplados e realizarão intercâmbios de dois meses, entre 2018 e 2019, com passagem aérea, acomodação e per diem incluídos.
Graziela Kunsch: Ujazdowski Castle Centre for Contemporary Art (Polônia);
Engel Leonardo: Kyoto Art Center (Japão);
Emo de Medeiros: Residência Vila Sul do Goethe-Institut (Brasil);
Natasha Mendonca: Wexner Center for the Arts (EUA);
La Decanatura: Pro Helvetia (Suíça).
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Menção honrosa para Andrés Padilla Domene, pela obra Ciudad Maya (2016, vídeo).