Conversa sobre Colonialismo Invertido I Porto
Fundação Serralves, Porto 31 OUT (SÁB), 15h00-18h00/ 18h30 (filme)
A crise económica em Portugal enviou os portugueses para as praias de antigas colónias em busca de emprego, como é evidenciado numa quantidade de artigos publicados nos últimos anos na imprensa internacional. Ao mesmo tempo, os investimentos de países como Brasil e Angola são cada vez mais importantes para a economia portuguesa. Uma expressão comum entre os portugueses é “500 anos depois, estamos a ser colonizados por eles”, numa referência a esses investimentos na economia portuguesa. Embora seja verdade que os ricos e politicamente poderosos angolanos estão a comprar parcelas de empresas portuguesas, isso não tem comparação possível com a colonização. Os angolanos não estão, por exemplo, a criar colónias em Portugal, nem a alterar a natureza e o caráter das instituições educativas, governamentais e culturais locais.
Considerar um “colonialismo inverso” significa transferir o centro da atenção de Portugal ou da Europa para duas ex-colónias, Angola e Brasil. Nesse processo, as necessidades e as histórias de Angola e do Brasil precisam de ser examinadas pelo menos na mesma medida que o declínio económico de Portugal. Essas duas colónias foram sem dúvida a joia da coroa imperial portuguesa e as relações delas com Portugal nunca foram francamente económicas. Durante centenas de anos Portugal pode ter explorado as antigas colónias através do negócio da escravatura, mas também investiu a sua identidade e as suas fantasias nesses lugares. O simpósio olhará para os entendimentos artísticos contemporâneos da relação colonial, ao nível da produção artística e do desenvolvimento institucional.
Participantes:
José Neves, Lígia Afonso e Nuno Domingos
Filipa César – projeção e conversa a propósito do filme CACHEU (2012)
Moderação: Marta Lança
Strange bedfellows? Ou do colonialismo e do anticolonialismo como formas do nacionalismo português- José Neves (Unipop)
No Portugal dos séculos XIX e XX as narrativas nacionalistas dominantes comemoraram uma e outra vez a época em que o país terá sido uma potência dominadora no espaço europeu e mundial. Já no decurso do século XX, narrativas críticas de tais nacionalismos demarcaram-se do elogio ao Portugal colonial, ao mesmo tempo apontando a uma condição subalterna do próprio colonialismo português, não raras vezes apresentado como veículo de outros imperialismos. É no cruzamento destes vários movimentos narrativos da condição de Portugal no mundo que pode ser compreendida a recente emergência no país de um certo anti-angolanismo primário, a um tempo nostálgico do passado colonial português e tributário da crítica anticolonial que venceu no mundo do segundo pós-guerra. Nesta comunicação, pretendo discutir de que modo este fenómeno interpela diferentes actores políticos portugueses, com particular atenção para actual quadro de acentuação da crise da soberania nacional que marca a situação dos países da Europa do Sul.
Lígia Afonso
Entre 15 de janeiro de 1963 e 2 de janeiro de 1964 cerca de uma trintena de documentos foram trocados a respeito dos desenvolvimentos da representação portuguesa na VII BSP. Portugal e o Brasil eram ali sistematicamente referidos ora como “Nações amigas” ora como “Nações Irmãs”, num período em que o Brasil vivia o fim da era Goulart e as vésperas do golpe militar e da instauração do regime ; e Portugal o período mais traumático da sua ditadura com o início da Guerra Colonial. Desse conjunto de documentos destaca-se, na correspondência entre a Fundação BSP, a embaixada portuguesa no Rio de Janeiro e o SNI, uma carta que expõe que a Bienal teria deferido a atribuição de uma sala independente aos artistas de Angola e Moçambique. O que resulta deste gesto desafiador e em que medida o mesmo afecta uma certa narrativa da história da arte?
Nuno Domingos
A utilização do colonialismo e do pós-colonialismo como elementos centrais de uma gramática utilizada para ler a história recente da Europa, das vastas regiões que colonizou, mas também das relações contemporâneas entre estes espaços, proporcionou uma outra forma de olhar a cronologia dos últimos séculos. Nesse movimento, o papel dos processos de racialização na constituição de instituições modernas, como o Estado, ou na organização do quotidiano das sociedades coloniais e pós-coloniais, ganhou uma nova e importante centralidade. Ainda assim, a simplificação destes termos, a sua redução a relações de poder bipolares, e o modo como correm o risco de substituírem outras cronologias dos processos de poder e dominação, com as quais estão articuladas, geram formas limitadas de ver o processo político. A hipótese da imagem do “colonialismo invertido” se ter transformado numa ideia-feita partilhada por muitos é relevante em si mesma. Mas esta concepção, mais do que resultar de um pensamento espontâneo, tem origem na imposição de formas de ver o mundo cuja origem se encontra na própria linguagem do poder colonial.
Re-colonizar a Europa - Descolonizar o Mundo
Manuela Ribeiro Sanches (Centro de Estudos Comparatistas, FL-UL)
Theo Angelopoulos, numa das suas últimas entrevistas, no ano de 2011, assinalava que a história não acaba, na certeza — afirmava o cineasta face à crise grega e europeia — de que as suas consequências seriam mais imprevisíveis do que a aparente bonança parecia prometer.
O seu último filme, L’altro mare, deveria basear-se na Ópera dos três vinténs de Bertolt Brecht, peça surgida, também, em plena crise financeira, o que levara o dramaturgo alemão a formular, segundo o realizador grego, uma “frase capital” sobre o que seria pior: o assalto ou a fundação de um banco. Face ao carácter incontrolável da crise, acrescenta ainda o cineasta, haveria que assumir posições “mais diretas” no plano da cultura, vista como indissociável do domínio do político.
A entrevista servirá como ponto de partida para interrogar não as causas, mas o sentido que podemos dar à crise europeia e às representações da Europa, cruzando este olhar de Ulisses com o julgamento severo de Aimé Césaire, cerca de 60 anos antes, sobre o ‘velho continente’ no seu Discurso sobre o Colonialismo, numa tentativa de deslocar a perspetiva ensimesmada que caracteriza muitas das reflexões sobre as crises locais e globais.
Dito de outro modo: duas perceções particulares, local e temporalmente situadas, servirão de ponto de partida menos para um postulado, do que para uma interrogação sobre as possibilidades de um universal concreto. Que sentido dar aos nossos modos de identificação, a nível nacional e transnacional? Qual o peso da herança colonial nesses processos?
Filme CACHEU (2012)
16 mm film transferred to HD, colour, sound, 10’ 20’’
Written, directed and produced by Filipa César; performed by Joana Barrios; photography by Matthias Biber; Sound by Nuno da Luz; production assistance by Diana Artus, Jorge Biague, Joaquim Gomes and Rita Pestana. Shot as a live performance in the context of “What Happened 2081?” congress, curated by Georg Diez and Christopher Roth, Kunstwerke, Berlin
Cacheu is a 10 minute shot of a lecture, performed by Joana Barrios, revolving around four colonial statues, which are stored today at the Fortress of Cacheu, one of the first bastions constructed by the Portuguese in 1588 in order to facilitate slave trade in the West African country of Guinea Bissau. Barrios evokes symbolic conflicts by tracing back different contexts in which the statues make an appearance: on a pedestal during Portuguese colonialism, dethroned and broken in pieces after Independence in the film Sans Soleil by Chris Marker, as background ghosts in Mortu Nega by Flora Gomes, and finally displayed at the Cacheu fort. The montage is a process that takes place before shooting, so that the image production is a result of a performative assemblage between text, acting, projected image and the framing of the camera by the director of photography, Matthias Biber.