Constatar a nossa finitude é, em tempos de pandemia, angustiante. Deixa-nos com os sentidos abertos e com a sensação de que algo nos espreita. A morte desfilou nas ruas de Bérgamo e mostrou toda a sua grandeza e nos colocou diante da nossa nulidade. Não estamos preparados, muitos de nós, para constatar nossa insignificância diante dela e do mundo. Encarnada em algo tão minúsculo como um vírus, nos priva do adeus, nos priva da sociabilidade real, nos priva do convívio e da alegria plena.
30.03.2020 | por Waleska Rodrigues de M. Oliveira Martins
O sentimento de vulnerabilidade partilhada que hoje vivemos, enredados na crise encetada pelo coronavírus, interroga-nos, também, sobre os limites da nossa memória para democratizarmos o nosso passado, descolonizando as hierarquias raciais, coloniais e patriarcais que definem o que é alheio. Na “lembrança minha” deveria lembrar-me de inúmeras histórias de fim do mundo, histórias há muito testemunhadas por aqueles e aquelas para quem a COVID-19 é apenas mais episódio de uma continuada exposição à desigual distribuição da precariedade.
29.03.2020 | por Bruno Sena Martins
As pessoas que produzem, distribuem e consomem alimentos devem ter o poder de decidir sobre os mecanismos e políticas de produção e distribuição de alimentos. E ainda o direito a alimentos saudáveis e culturalmente adequados e a definir sistemas alimentares e agrícolas de nossos territórios de vida e de trabalho.
21.03.2020 | por Oficina de Ecologia e Sociedade
Como todos, estou numa espécie de filme de ficção científica onde temos alguma comida extra e vamos acreditando no que nos dizem na TV. Só saí de casa antes de ontem à tarde para ir buscar cigarrilhas e fiquei numa "bicha" de zombies na estação da BP. Muitos com máscara e eu sem mascara porque pus no meu Buda. Tenho medo que apanhe qualquer coisa e me passe a crença budista - isto nunca se sabe. Estou meio sensibilizado com tudo o que vou vendo, mas o que mais me chocou foi o Donald Trump a ofender os chineses dizendo que o vírus veio da China.
21.03.2020 | por Adin Manuel
Às vezes, é preciso um momento ou um episódio catalítico para pôr em relevo de modo articulado uma série de pensamentos e ideias, um pouco como quando olhamos para as estrelas uma a uma por um longo período de tempo; apreciamo-las no seu carácter único e, no entanto, não reparamos na constelação que elas formam em conjunto; depois, uma rápida modificação da nossa posição permite-nos uma perspetiva diferente e as conexões vêm à luz.
14.03.2020 | por Federica Angelucci
Odete Semedo e Eneida Nelly deixam seu legado propondo obras escritas em crioulo, revelando as suas vivências e exaltando a terra natal. Fazem emergir um olhar sobre dois países africanos pouco estudados no Brasil, buscando apresentar um apanhado da complexa rede de relações que compõe a literatura, a língua e a cultura de ambos os países e abrindo uma nova possibilidade de inscrição no cânone através de autoras que fazem da afirmação da língua materna sua bandeira.
13.03.2020 | por Claudia Moraes
A confusão instalou-se. Estalou o copo na mão de Cardenal, verteu-se o rum no cetim do féretro aos solavancos na fuga em ombros pela catedral, antes de ser cinza. E ouviu-se então, num exercício de imaginação, o último grito contrapoder do rebelde num verso-único: "Tu não mereces sequer um epigrama."
10.03.2020 | por Pedro Cardoso
A ausência presentifica-se e a obra funciona como um elemento performativo de memória que retém o que, de outro modo, não se fixaria e se perderia. Nada de melhor para mostrar que a arte da memória, no modo como Boltanski a pensa e constrói, é memória, por si só. Conhecer o seu funcionamento é preservá-la do apagamento. Eis a lição que Christian Boltanski nos reserva em todos os recantos de uma obra imensa. E que, literalmente, faz o tempo.
07.03.2020 | por Roberto Vecchi
A partir destas duas paisagens vividas de um Brasil que exclui da cidadania grande maioria da sua população, Geovani Martins e Ailton Krenak colocam todas as perguntas sobre a possibilidade de um outro Brasil que se aguarda. Um Brasil em que, na era dos computadores, um jovem favelado como ele não tenha mais de escrever um livro como este numa máquina de escrever que a mãe comprou numa feira de velharias. Mas este gesto – tal como o de Ailton Krenak, em 1987, na Assembleia Constituinte – revela-nos uma energia imparável, e a confiança que dela recebemos permite-nos acreditar na “comunidade que vem”, “apesar de você”, apesar de tudo.
04.03.2020 | por Margarida Calafate Ribeiro
A realidade é que, cada vez que o mundo mais nos chama na Guiné-Bissau, para dar resposta sobre a educação, o cruzamento da educação na conquista de objetivo que propicia os indivíduos a oportunidade de observarem o mundo consciente e real – a preocupação a este setor é menos vigente. O cumprimento do desenvolvimento no país significa o exercício contínuo da educação como parte dos constituintes no processo de desenvolvimento.
28.02.2020 | por Armando Arnaldo Correia
Para uma pessoa urbana, pode ser surpreendente a aparente negligência e o grau de poluição em áreas onde os impactos dessa contaminação não derivam somente da presença das empresas, mas também dos impactos de políticas e ações que promoveram a exploração intensiva da água e dos solos para monoculturas de arroz e tomate e criação intensiva de suínos. Para os habitantes da região, os impactos vão além dos aparentes, pois as paisagens estão diretamente enraizadas nas memórias daquelas pessoas que nasceram ali, aprenderam a nadar em trechos de água onde agora seria impossível.
24.02.2020 | por Oficina de Ecologia e Sociedade
Descolonização é um processo de desconstrução de conhecimentos, de uma epistemologia maioritariamente europeia que sempre teve uma vocação universalista, existente tanto na Academia como no espaço público, que implica não só os africanos que vivem em África e os que constituem as diásporas, como também os europeus que vivem na Europa ou são imigrantes em países ex-colonizados.
22.02.2020 | por António Pinto Ribeiro
Com o amparo de mecanismos de natureza jurídica, científica ou artística, a exploração da diferença tem sido, desde sempre, uma das vias mais seguras para o exercício da dominação. Por penetrar no cotidiano ao ponto de criar uma ilusão de espontaneidade, esta prática engendra uma “estrutura de sentimento” (1) cujos efeitos são perversos e duradouros. Ao reformular pautas, algumas muito antigas e outras nem tanto, o mundo de hoje reconstrói o cenário excepcional do “campo”, além de inventar outros que, por serem móveis e líquidos, poderiam ser chamados de “mares de concentração”. Ergue ainda novos muros, em cima dos quais algumas lideranças se sentam para observar a agonia continuada de indivíduos em situação de risco e sem qualquer dispositivo legal ou político que leia o seu caso.
21.02.2020 | por Nazir Ahmed Can
Nas obras literárias da pós-memória, a figura do pai ausente é recorrente quando se quer abordar a questão da persistência do trauma pós-colonial nas gerações seguintes. Em Portugal, o romance Estranha Guerra de Uso Comum, de Paulo Faria, constitui talvez o exemplo mais significativo deste diálogo post-mortem à volta de um inquérito sobre a transmissão da experiência da guerra do pai para o filho. Contudo, neste conjunto de obras, há alguns casos em que o filho decide, através da escrita, reviver o passado traumático do pai desde o interior, num enredo que descreve com pormenores o tempo dos combates do progenitor. Nestes casos, o narrador privilegia os cenários do passado bélico para contar a guerra do pai como se ele estivesse no seu lugar.
19.02.2020 | por Felipe Cammaert
Projeto piloto de educação antirracista que pretendeu promover, com os alunos, a reflexão crítica dos processos que conduziram e conduzem atualmente ao racismo interpessoal e institucional. Sem a preocupação com a formação dos mais novos não há preocupação com a sustentabilidade da cidade, logo do próprio Estado. O grupo alvo deste projeto é reflexo claro desta multiculturalidade.
17.02.2020 | por Ariana Furtado
Um ataque contra sua autonomia (inclusive a sua ciência). Bruxa, feiticeira, curandeira, mágica – esses xingamentos atravessaram os séculos e ainda são usados hoje. Seu objetivo? Controlar a desordem expressada pelos corpos rebeldes, seus saberes e suas alianças. Dominar as mulheres, a natureza e os lobos. Na caça às bruxas que marca o início desse período histórico, uma minoria de condenados era de homens. Qual era a acusação? Eram lobisomens!
06.02.2020 | por Jean Tible
A memória fraturada irlandesa mostra outros contextos de memória dilacerada e conflituosa em que, do trânsito geracional, pode emergir um lugar de elaboração comunitário com as gerações testemunhais e além delas. E pode também emergir um outro modo que permita ultrapassar a escassa moralidade da memória e, assim, fundar, através de rituais renovados, uma ética coletiva das relações memoriais que mostre como o uso do passado fraturado deve ocorrer a partir de um sentido de responsabilidade público e não privado, presente e não passado.
28.01.2020 | por Roberto Vecchi
O problema é que dentro de um sistema desse tipo, poucos e quase nada exercem um verdadeiro ofício crítico útil para a sociedade, vindo-se assim a esgotar qualquer função civil da cultura. Acaba assim por se construir na cena cultural uma contra-narrativa apenas superficial do populismo e do racismo reinante, que exerce uma função auto-reconfortante alimentada pela constante autopromoção do que se escreve, se filma, se pinta, se encena etc.
27.01.2020 | por Lívia Apa
A suprema fantasia seria pensar, ingenuamente, que o reconhecimento do sangue negro na base de nações-imperiais e pós-imperiais pudesse cumprir-se deixando no mesmo lugar as pedras que sustentam e adornam a ideia de nação.
18.01.2020 | por Bruno Sena Martins
A atualidade francesa tem sido regularmente marcada por casos que envolvem agentes da Polícia na morte de jovens de ascendência africana. Este tema da morte violenta ligada à colonialidade do poder inscreve-se numa longa história.
18.01.2020 | por Rachida Brahim