Angolanos ilegais a caminho dos Estados Unidos: os passageiros
O caminho penoso e interminável da selva ficou para trás. Com poucas paragens, os angolanos Ana e João avançam pela Costa Rica, Nicarágua, Honduras e Guatemala. Nas esquinas das fronteiras, os esquemas de corrupção abundam. Passo a passo, juntam-se aos milhares de centro-americanos que também tentam chegar aos Estados Unidos.
No limite entre o Panamá e a Costa Rica, os viajantes apressam o passo. Deixam para trás os fantasmas da selva, do mar, do lodo, deixam os mortos e partem para uma viagem sem grandes entraves por quatro países. Quase 2 mil km até à fronteira da Guatemala com o México. “Nesse momento, o pior já tinha passado”, murmura-nos Ana, angolana de Maquela do Zombo.
Depois da tormenta, um inesperado paraíso cálido em tons de verde. Todos os viajantes com quem falámos se desfazem em elogios com a Costa Rica, um lugar “com grande tradição humanitária no tratamento dos migrantes”, sublinha ao NJ a investigadora holandesa Nanneke Winters. Ou, como nos diria Gustavo Gatica, da Universidade Estatal Distância, um país “que facilita o trânsito a estas pessoas para que saiam o mais rápido possível”. Dois lados da mesma moeda.
As politiquices e estratégias de gabinete pouco importam aos migrantes quando a luz para seguir viagem é (também ela) verde-viva e as portas estão abertas de par em par. “Sem dúvida foi onde melhor nos trataram, as pessoas são muito amáveis e nunca nos faltou comida, apoio nem medicamentos”, reitera o João, jovem angolano do Uíge. Aqui é terra segura.
Quando Ana e João saíram juntos do Panamá pela fronteira de Paso Canoas, as autoridades costarricenses levaram-nos “para um campo de migrantes” onde lhes “deram um salvo-conduto” que os “deixava viajar pelo país até à Nicarágua”, contam-nos. “Autorização de Entrada e Trânsito” é o nome oficial do documento. É válido por 25 dias.
O “campo” onde chegaram é o Centro de Atendimento Temporal para Migrantes (CATEM) em Golfito, no sul da Costa Rica. Há outro no norte, em La Cruz, já na fronteira com a Nicarágua, para onde seguem dias depois. Nestes sítios, as autoridades garantem estadia, alimentação, assistência médica e assessoria legal. Ao contrário de La Peñita e Planes de Guacala, no Panamá, “os CATEM não são lugares de detenção, os migrantes podem entrar e sair quando quiserem”, descreve-nos Gabriela Nuñez, directora de HIAS Costa Rica, organização não-governamental de apoio aos migrantes.
Por decreto publicado, preto no branco, no Diário Oficial costarricense, todas as instituições deste país estão envolvidas no atendimento ao fluxo de migrantes africanos. O Instituto da Criança é um dos mais activos. “Sempre tentam confirmar os graus de parentesco entre os menores e os adultos migrantes que os acompanham”, explica Gabriela Nuñez ao NJ. Para tal, “esgotam todos os recursos, fazem até testes de ADN, o que do ponto de vista cultural é complicado para muitos africanos”, testemunha. Enquanto o processo decorre, “as crianças e jovens ficam sob custódia do Estado”. Nos casos em que “não é possível chegar a uma conclusão, ficam na Costa Rica até fazerem 18 anos e decidirem por si próprios o caminho que querem seguir”. “Isto, quando não fogem!”. O que não é raro.
“Tem havido casos de tráfico de crianças migrantes, por isso o país endureceu este controlo”, detalha Nanneke Winters. Quando esteve em San José, a capital costarricense, a académica conheceu “uma mulher angolana” a quem “tinham tirado o filho”. “Ela estava no albergue ‘Obras do Espírito Santo’ com outra senhora do Congo. Não tinham documentos, nem podiam provar que eram as mães ou familiares das crianças com quem viajavam”, relembra. Nanneke perdeu-lhes o rasto. “Não sei o que aconteceu, mas na altura estavam desesperadas, tinham medo de não voltar a ver as crianças e sentiam que viviam numa prisão.”
Pular o muro
Para Ana e João, a passagem pela Costa Rica foi rápida. “Há gente que decide ficar uns tempos para além dos 25 dias permitidos para ganhar algum dinheiro, mas eu queria avançar depressa”, comenta João. Na primeira oportunidade, os dois jovens angolanos apanharam um autocarro de carreira do sul do país até à fronteira de Peñas Blancas, no limite com a Nicarágua. São pouco mais de 520 km, umas 8 horas de viagem direcção-norte, com uma paragem na comunidade fronteiriça de La Cruz, onde também há um CATEM.
Esta pequena cidade onde abundam coyotes [gíria para traficantes de migrantes] e esquemas manhosos foi notícia em Novembro de 2015, quando a Nicarágua decidiu fechar portas para conter uma avalanche de migrantes cubanos que se aproximava. Os africanos apanharam por tabela. Desde então, a fronteira está “oficialmente” fechada. Mas nada que “umas notas” não resolvam, como ironiza Lídia Mara, da Pastoral de Mobilidade Humana das Honduras. “As pessoas continuam a passar de forma irregular, pagam ‘mordidas’ [palavra coloquial para subornos] às autoridades de migração nicaraguense e à Polícia de Fronteira”, denuncia.
Ana e João aproveitaram a brecha e soltaram a gasosa. Em Março de 2019, pagaram 150 dólares para cruzar clandestinamente para a Nicarágua. “Não importava se eram adultos, crianças ou bebés, todos pagavam o mesmo”, contabiliza Ana. “Era pagar e pular!”, sorri. “Nessa fronteira tem a migração oficial, mas ao lado há um muro baixo com mais ou menos um metro e meio que nos dá pelo peito e que é fácil de saltar”. “Era ainda de madrugada” quando Ana e João avançaram. Do outro lado, “uns oficiais da Polícia” nicaraguense estavam já à espera do grupo. “Demos-lhes o dinheiro e deixaram-nos ir embora, nem papéis nos entregaram”, testemunha a jovem angolana, que viajava com o marido e a filha de sete anos.
Esta divisão entre os dois países é conhecida sem mais metáforas como “o Muro de Peñas Blancas”. Ali, “o esquema de corrupção é uma transação ilegal à luz do dia”, confirma Gabriela Nuñez. “Quando chegas, vês muita gente junto a essa parede, como uma fila de formigas à espera de passar. É um lugar tremendamente perigoso. Os polícias da Nicarágua caminham de um lado para outro em cima do muro, há muitos coyotes que aproveitam para extorquir”, descreve a directora do HIAS Costa Rica.
O esquema é tal que, revela a investigadora Nanneke Winters, “no lado da Nicarágua há transportes já à espera dos migrantes que saltam a barreira para levá-los por 30 dólares directamente até às Honduras”. Ana e João subiram a um destes autocarros. Percorreram de enfiada os 330 km entre Peñas Blancas e Guausaule, na fronteira noroeste entre os dois países. Sem problemas.
Nas calmas, os angolanos contornaram um sistema que até ao início de 2018 era bastante restrito, e que obrigava os migrantes a viajar por mar ou a esconder-se em camiões de carga para cruzar a Nicarágua. Em Abril de 2018, o país centro-americano afundou-se numa grave crise política. A repressão, violência e descalabro económico que ainda hoje perduram desviaram a atenção do problema migratório. Mas as makas continuam, insiste Lídia Mara. “Alguns migrantes que chegam hoje às Honduras contam que há grupos de coyotes que levam as pessoas através das zonas rurais da Nicarágua. Cobram-lhes entre 5 e 12 dólares para passá-las por quintas e fazendas.”
Com os novos esquemas – às escondidas ou em viagens directas fronteira-a-fronteira –, a conturbada Manágua também deixou de ver passar os migrantes africanos. A directora do Serviço Jesuíta a Migrantes na capital nicaraguense confirma que “antes” viam-se “grupos de africanos nas paragens de transporte à espera dos táxis ou dos autocarros.” “Juntavam-se por volta das nove da noite e viajavam de madrugada durante umas quatro ou cinco horas até às Honduras”, relembra. Com a instabilidade política, “deixaram de chegar ao albergue e as autoridades e os meios de comunicação também não deram mais qualquer informação sobre o tema”, lamenta.
O Triângulo Norte
É nas Honduras que as regras começam a mudar. Quanto mais para norte, mais se sente a mão pesada de Trump. No início de 2019, o presidente norte-americano ameaçou cortar 615 milhões de dólares em ajudas económicas à Guatemala, El Salvador e Honduras, caso não detivessem as caravanas que saem destes países em marchas de pés doridos rumo aos Estados Unidos. As nações do chamado Triângulo Norte centro-americano cederam e enrijeceram as políticas migratórias contra os seus e contra os migrantes de todo o mundo que chegam à região, vindos da Nicarágua.
O grupo em que Ana e João viajavam teve sorte, passou pela região poucos meses antes do agravamento das restrições. Para eles, os bons ares que traziam desde a Costa Rica continuaram a soprar na terra quente das Honduras. Sem sobressaltos, chegaram então de autocarro a Guausaule, cidade-limite na passagem da Nicarágua para território “catracho” (gentílico que significa hondurenho). Avisados por “guias”, desceram antes do posto de controlo migratório para esquivar as autoridades e entraram nas Honduras por um ponto cego da fronteira, no departamento de Choluteca. João resume o percurso: “Caminhámos por um pequeno mato durante uma ou duas horas e depois apanhámos um autocarro para Tegucigalpa [capital das Honduras]. Ficámos lá dois dias e deram-nos o salvo-conduto para continuar a viagem para a Guatemala”.
João e Ana regularizaram a situação migratória sem contratempos. Mas as coisas agora são diferentes. “Com a pressão dos EUA, nos últimos meses há migrantes que esperam semanas por um salvo-conduto em Tegucigalpa”, testemunha Lídia Mara. Sem dinheiro para pagar a estadia forçada, vão ficando pela cidade até que “um amigo ou familiar que já está nos EUA lhes envie um ‘giro’, que é como chamamos ao dinheiro que eles recebem pelos sistemas de transferência internacionais.”
“A situação deles é difícil, mas nem o governo hondurenho lhes pode ser de grande ajuda”, reforça a coordenadora regional do Serviço Jesuíta de Migrantes na América Central. A braços com “uma crise interna de migrantes nacionais, as Honduras tentam focar-se em atender primeiro os seus cidadãos”, comenta Karla Rivas. Não é difícil entender porquê: “Todos os dias saem deste país entre 200 e 300 pessoas; há migrantes hondurenhos desaparecidos; há centenas de milhar de deportados e retornados, alguns deles mutilados e descapacitados. É uma realidade muito dura de miséria e pobreza.”
Apesar das dificuldades estruturais, as ameaças de Washington obrigaram as autoridades hondurenhas a reagir. Nos últimos seis meses, 400 agentes da Força Policial de Controlo Migratório (FPCM) reforçaram a vigilância dos 19 pontos cegos que identificaram na linha de fronteira com a Nicarágua. Os 40 km que os migrantes cruzam desde que entram no país para chegar a Choluteca, a principal cidade da zona, são agora campo minado. Há barricadas e operações stop por todo o lado. A FPCM varre os campos, caminhos e veredas no mato raso à procura dos indocumentados.
Também a papelada mudou. Quem consegue fintar ou subornar a polícia de migração hondurenha e chega a Choluteca, já não precisa ir a Tegucigalpa para obter a autorização de saída. A investigadora holandesa Nanneke Winters acaba de chegar da região. “Desde 2016, há nesta cidade um Centro de Atendimento ao Migrante Irregular, mas só há poucos meses começaram a emitir ali salvo-condutos.” Mais prático, mas mais caro. “Antes este documento era gratuito, mas agora custa cerca de 180 dólares por pessoa. Todas as manhãs há uma fila de africanos, cubanos e haitianos, sobretudo, à espera de regularizar a sua situação. O processo pode demorar uma semana. Enquanto esperam, alugam quartos nos bairros à volta do edifício da Migração.”
Com pompa e circunstância, as Honduras presumem os resultados da política de choque. Segundo o Instituto Nacional de Migração (INM) do país, em 2019 a FPCM capturou 9.067 migrantes indocumentados em Choluteca – 103 foram identificados como angolanos, 55 homens e 48 mulheres. No início deste ano, garante o INM, a migração ilegal na região sul já diminuiu 62%, comparando com igual período de 2019. Mas a legalidade dos métodos usados não está clara para todos. Nos últimos meses, a imprensa hondurenha tem testemunhado casos em que agentes hondurenhos obrigam os migrantes a voltar para a Nicarágua. Neste país com problemas maiores que os forasteiros que vêm de longe, os “retornados” deambulam pela linha fronteiriça, indiferentes à vigilância desinteressada dos militares nicaraguenses. Esperam apenas um momento de distração da “migra” das Honduras para tentar entrar novamente no país e continuar a viagem para norte.
Este jogo do gato e do rato é frenético e constante, confirma a irmã Lídia Mara. “Os viajantes adaptam-se, recuam, encontram sempre formas de contornar as autoridades”, confirma a responsável da Pastoral de Mobilidade Humana. Para os traficantes de pessoas, o vaivém desesperado dos estrangeiros é ouro sobre azul. “Nos últimos meses, os africanos compram o que se pode chamar de pacote-migrante. O serviço inclui viagem directa desde o sul das Honduras até à Guatemala, o pagamento aos coyotes e os subornos às autoridades migratórias para poderem viajar sem salvo-condutos.”
Outros, continua a religiosa brasileira, assumem riscos mais extremos. “Cada vez se ouvem mais histórias de migrantes, tanto hondurenhos como de outros países, que viajam em barcos ilegais do norte das Honduras até ao Caribe mexicano”. “É uma rota desconhecida, não sabemos exactamente o que está a acontecer, mas temo que o mar Caribe se esteja a transformar num segundo Mediterrâneo”.
A maioria dos africanos que sai por terra de Choluteca segue a rota pelas cidades de Ocotepeque, Santa Fé e Agua Caliente até chegar a Esquipulas, já na Guatemala. “Muitos vão também por San Pedro Sula até Corinto, no norte do país, aproveitando que é uma fronteira menos controlada”, acrescenta Karla Rivas, do Serviço Jesuíta de Migrantes.
O Cristo Moreno de Esquipulas
El Salvador, Guatemala e Honduras encontram-se cara-a-cara em Esquipulas. É uma fronteira tripartida, vértice comum dos países do Triângulo Norte. É também a casa da Basílica do Senhor de Esquipulas, o chamado “Cristo Negro”.
Judith Ramirez, voluntária da Casa do Migrante na cidade, confirma que “desde há uns anos” o “fluxo de africanos é contínuo”, nunca se deteve. A activista diz que “normalmente vêm misturados com haitianos e chegam em grupos grandes de 50, 60 pessoas, alguns com famílias completas”. “Há gente que vem frustrada e cansada, mas a maioria está alegre porque já avançou bastante no caminho e sente que está mais próxima do destino final”, testemunha.
“Em Esquipulas ficam poucas horas”, a palavra de ordem é avançar rápido. “Quando chegam à Casa do Migrante querem apenas descansar um pouco, tomar banho, comer qualquer coisa para continuar a viagem, é muito raro que fiquem, a não ser que precisem ganhar algum dinheiro”, descreve a voluntária. “Apesar de falarem outros idiomas, os africanos são muito rápidos e ágeis, não ficam parados”, nota Judith, que tem também uma padaria onde serve refeições grátis aos migrantes que passam por ali.
Tal como os seus vizinhos, a Guatemala está cada dia mais atenta à passagem dos viajantes. Ultimamente, há relatos de deportações de migrantes de várias nacionalidades para as Honduras. Em Janeiro deste ano, a polícia guatemalteca barrou uma caravana de centenas de hondurenhos em Esquipulas com uma força nunca antes vista. Ainda assim, diz uma fonte do NJ nesta fronteira, que preferiu não dar o nome, “isto é mais fogo-de-vista do que uma acção concertada”. “Os serviços de migração da Guatemala em Esquipulas não têm apoio nem registos reais de quem por ali cruza. Alguns oficiais já me chegaram a dizer que estão de mãos atadas e que, em muitos casos, fazem vista grossa à passagem destas pessoas”, comenta.
Por seu lado, relata que as “restrições de Trump” também mudaram a dinâmica da viagem dos africanos dentro da Guatemala. “De há uns meses para cá, um estrangeiro só pode comprar um bilhete de autocarro se comprovar que está no país de forma regular”. Para contornar a medida, “os coyotes criaram um serviço ilegal de transporte e cobram 100 dólares a cada migrante para levá-los em viaturas particulares até Tecún Umán, na fronteira com o México.” “Os traficantes juntam-se a umas ruas da Casa Migrante, à espera dos africanos”, diz.
Os angolanos Ana e João chegaram de autocarro a Esquipulas em Abril do ano passado. Na altura, o caminho ainda estava livre. Dali saíram sem complicações em transporte público para a Cidade de Guatemala e depois para Tecún Umán. A viagem por estrada até esta pequena vila fronteiriça de 20 mil habitantes cruza transversalmente a Guatemala por mais de 10 horas, num percurso de 515 km.
No extremo noroeste do país, quase a tocar o Oceano Pacífico, Tecún Umán é o ponto focal para todos os migrantes que vêm do interior da Guatemala e dos países vizinhos da América Central. Também para os africanos, cubanos, haitianos e asiáticos que ali chegam depois de semanas, meses de viagem via Equador. O lugar saltou para a ribalta em Outubro de 2018, quando uma caravana de milhares de hondurenhos, guatemaltecos e salvadorenhos foi temporalmente detida ao tentar atravessar o rio Suchiate. A foto da enorme massa humana encurralada na ponte internacional sobre a linha de água que marca a fronteira entre a Guatemala e o México fez manchetes em todo o mundo.
A chamada “Tijuana guatemalteca” parece já não viver a azáfama desses dias. Porém, “as aparências iludem”, atira ao NJ Mário Montes, coordenador da Casa do Migrante na localidade. “Apesar das barreiras que os EUA e o México levantaram, os africanos e centro-americanos continuam a chegar, mas agora passam por pontos mais perigosos, à mercê dos traficantes”. “Cruzam para o México sobretudo pelo norte de Tecún Umán, que é um lugar mais isolado e controlado pela delinquência organizada; ou atravessam o Suchiate um pouco mais a sul, onde o rio é mais largo e profundo”. “A travessia é agora muito mais perigosa”, resume.
Em Agosto de 2018, quando Luzia passou por Tecún Umán, ou em Abril do ano passado, quando ali chegaram Ana e João, as autoridades mexicanas não punham grandes entraves à entrada de migrantes. Em momentos diferentes, os três angolanos cruzaram o Suchiate nas famosas balsas que, durante a crise das caravanas de Outubro de 2018, resgataram dezenas de centro-americanos que se atiravam ao rio, e que transportavam milhares mais para a margem mexicana. “São umas jangadas de madeira e borracha, tínhamos que nos equilibrar porque balançavam muito. Pagámos pouco mais de um dólar por pessoa e ninguém nos tentou parar”, relata-nos Ana.
Em Ciudad Hidalgo, já do lado mexicano, Ana e João subiram a pequenos autocarros com destino à cidade de Tapachula. 40 minutos até chegar à Estação Século XXI, o maior centro migratório da América Latina, onde os encontrámos em Junho do ano passado. Estavam ali há duas semanas à espera de um papel para continuar caminho. Cansados, frustrados, magros, sem dinheiro. Feitos bomba-relógio de impaciência a ponto de rebentar, como o vulcão que ameaça Tapachula. Quente, húmida e suja. Encravada na selva de Chiapas. A sul da última fronteira.
Na próxima reportagem: O fim da viagem. Tapachula é numa prisão para africanos e o México, uma ameaça. Ana e João desaparecem na fronteira norte. Luzia chega ao Texas. Em Portland, Maine (Estados Unidos), os migrantes angolanos não param de chegar e organizam-se numa comunidade solidária. Mas há mais caminho para o norte.
A reportagem foi originalmente publicada no Novo Jornal (Angola), a 14 de Fevereiro de 2020.