Trump again. ¿Y ahora?
Ainda mal acordo. Com os olhos semicerrados leio que, numa espécie de pré-discurso de vitória no centro de convenções de Palm Beach, Trump já repetiu o mantra: vai “selar as fronteiras” e só vai deixar entrar os migrantes “de maneira legal”. Uma mensagem para os seus eleitores. E, claro, para o México, usado novamente como pinhata durante a campanha, com a migração a servir de pau. No surprises. Bocejo.
É tipo cromo repetido. Tal como no início do primeiro mandato há sete anos, na última segunda-feira o republicano ameaçou impor novas taxas comerciais a produtos importados do vizinho do sul, caso as autoridades mexicanas não fossem capazes de deter o fluxo de migrantes e o crime organizado. Em resposta, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, informou que, nos últimos tempos, os migrantes que chegaram à fronteira comum reduziu-se em 75%. Dados oficiais da CBP, a polícia fronteiriça dos EUA, parecem confirmá-lo: as detenções na fronteira passaram de 250 mil em dezembro passado, para pouco mais de 54 mil em setembro deste ano.
As estatísticas e a realidade não importam muito a Trump na hora da metralha. Até porque sabe que estes jogos funcionam. Quando ocupou a Casa Branca entre 2017 e 2021, o fantasma de taxas incomportáveis na importação de matérias-primas como o alumínio, forçou o México a enviar a Guarda Nacional para a fronteira sul, em Chiapas, para tentar estancar as caravanas migrantes.
As mesmas ameaças levaram o México a aceitar a imposição de uma política gringa desastrosa, conhecida por “stay in Mexico”. Basicamente, os migrantes que solicitavam asilo nos EUA, tinham de esperar do lado de cá da fronteira por um “sim” ou um “não”. A decisão demorava eternidades, criando autênticos campos de deslocados na franja de mais de 3 mil km que cruza a América do Norte, do Pacífico ao Atlântico, de Tijuana a Matamoros. As notícias de crianças em centros de detenção, separadas dos pais, e de migrantes afogados no Rio Bravo, desesperados por uma saída para o impasse, multiplicaram-se.
É certo que muitas das intimações em matéria migratória que aterrorizaram milhões e puseram o México em alerta (como o bendito muro) há sete anos, não passaram de verborreia. E que no primeiro esgar da vitória de hoje, Trump não falou das “deportações massivas” com rusgas incluídas que prometeu até à exaustão durante esta campanha – um milhão de imigrantes por ano. Mas a experiência diz-nos que este homem é uma desordem de matizes cambiantes.
Sem pesos nem medidas
São agora seis da manhã. Leio que o peso mexicano veio por aí abaixo nas últimas horas. “O seu nível mais débil em mais de dois anos (…) mais de 3% abaixo do fecho anterior”, anunciam em copy-paste vários portais. Culpam as tais possíveis novas taxas e os questionamentos de Trump sobre a renovação do T-MEC, o tratado comercial entre México, EUA e Canadá, que se vai rever em 2026, e que o Presidente agora eleito já disse que condicionaria ao controlo migratório. Também não é nada inédito. Há 12 anos foi igual e sobrevivemos sem grandes arranhões. E a favor temos aquela ponta de orgulho (com bases questionáveis) que não se pode admitir publicamente, porque parece mal – o México é o principal sócio comercial dos Estados Unidos e, ao contrário do Trump pinta, a economia gringa depende tanto de nós, como nós dela.
Os riscos existem, no entanto. O republicano que ocupará o cadeirão presidencial abomina a aproximação comercial e económica do México à China que, tal como outros países, está a aproveitar a política de relocalização mexicana, para instalar neste lado fábricas de todo o tipo. É o chamado nearshoring, que tem uma lógica simples: tiram-se as fábricas dos EUA (e de outros países europeus, por exemplo), onde é caro produzir; transferem-se para aqui, onde é muito mais barato e há mão-de-obra hiperqualificada; e, no final, exporta-se para os EUA, que ficam mesmo aqui ao lado, e onde os consumidores pagam com bons e inflacionados dólares. Uma “aberração” que vai parar em seco, prometeu Trump, com taxas pesadas para bens produzidos nesta lógica, e que podem chegar até aos 100% para automóveis elétricos chineses, por exemplo.
Há dias, a Economist Intelligence publicou um Índice de Risco-Trump, onde quantifica estas possíveis consequências. Segundo a publicação, com uma média de 71,4%, o México está no topo da lista dos que mais podem tremer com o regresso de Trump. Vendo a detalhe, o país tem um risco de 100% na área de comércio; 56,3% em Segurança; e 44,44% em questões migratórias. Os critérios destas análises não estão bem explícitos, mas a experiência da anterior administração de Trump confirma-os, de alguma forma.
Para além do historial que traz, quando assumir o cargo o novo líder dos EUA herdará uma situação azeda, muito azeda, não tanto por temas económicos ou migratórios, mas por clivagens graves em matéria de segurança entre os dois países.
Nos últimos anos, o México moveu ações judiciais que culpavam Washington por permitir o tráfico de armas para as mãos do crime organizado. No limite, a acusação apontava as autoridades norte-americanas como as responsáveis pelo clima de guerra nalgumas partes do México, onde a esmagadora maioria das armas, inclusive de calibre militar, são contrabandeadas dos EUA, via Texas e outros pontos cegos da fronteira. Todos os processos foram desestimados por tribunais norte-americanos.
E se de droga falamos, o México também tem acusado recorrentemente os EUA de hipocrisia, apontando que o problema nunca se vai resolver se as autoridades deste país não detiverem as causas sociais e económicas da enorme demanda norte-americana de estupefacientes (em particular dos jovens, a braços com uma crise sanitária sem precedentes pelo consumo de fentanil). “Não há oferta se não houver procura”, insistiu mil vezes o antigo presidente, López Obrador, que rejeitou sempre carregar aos ombros toda a responsabilidade pelo problema, defendendo, antes, uma ação concertada entre os dois governos.
Recentemente, o crime organizado voltou a acidificar as relações entre os dois países, numa crise sem precedentes. Em finais de agosto, num movimento ainda com muitas sombras por aclarar, o capo histórico do Cartel de Sinaloa, Ismael “El Mayo” Zambada, foi raptado do México por alegados narcos, e levado num voo fantasma para os EUA, onde acabou detido pelas autoridades daquele país. O mandatário mexicano na altura, Andrés Manuel López Obrador, desmontou a operação e acusou a Casa Branca de intrometer-se, de forma inaceitável e num silêncio cúmplice, em assuntos internos (o México nem sequer foi notificado desta operação por Washington, que foi igualmente esquivo e omisso na explicação dos factos).
Para além da crise diplomática entre os dois países, a detenção do narcotraficante causou uma onda brutal de violência em Sinaloa, um estado que ainda hoje sofre as consequências com dezenas de mortos na contabilidade de sangue. Tal como o seu antecessor, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, em funções desde 1 de outubro deste ano, não demorou em acusar diretamente os EUA de responsabilidade absoluta pelo caos, depois da detenção “a la Rambo” de “El Mayo” por aquele país.
O sentimento de desconfiança é agora absoluto de parte a parte e expõe algo bem sabido por estas bandas – apesar da diabolização de Trump, o perfil de “guerreiros-da-luz” das administrações democratas é uma máscara igualmente aterradora. Só muda o espalhafato. Pela calada, tramam-nos da mesma maneira.
Esta perceção voltou a confirmar-se no mais recente incidente diplomático entre o México e os EUA. No meio de uma tensão ainda não resolvida pelo caso de “El Mayo”, em agosto o embaixador norte-americano na Cidade do México pôs ainda mais lenha na fogueira durante a aprovação da reforma judicial que institui a eleição de juízes, magistrados e ministros do Tribunal Supremo por voto direto dos eleitores mexicanos. O tema é polémico e criou fricções importantes. Num contexto interno complicado, o diplomata Ken Salazar resolveu sair a público a alertar para o que dizia serem os “perigos” da reforma para a confiança dos investidores estrangeiros. A resposta do governo foi contundente. Ao estilo de “não se meta na nossa vida”, o presidente López Obrador pôs em pausa as relações diplomáticas com os EUA e atirou, contundente, uma frase muito sua: “Não somos colónia de ninguém”.
Que peso terão estes temas herdados do governo democrata, agora que o imprevisível Trump é de novo presidente, ainda não é muito claro. Curiosamente, apesar de todos os braços-de-ferro, é certo e sabido que o anterior presidente mexicano López Obrador se relacionava muito melhor com o “mau” Trump que com o “bom” Joe Biden. Ainda assim, Claudia Sheinbaum já vai mandando recados: “Haverá coordenação sem subordinação”.
Por mais vómitos xenófobos e espalhafatosos, de um lado, e posturas de soberana e intocável dignidade, do outro, o certo é que os dois países têm de encontrar pontos de equilíbrio. Não há volta a dar. “A ver cómo nos va”, diz-se por aqui, um desabafo de “vamos lá ver o que vai acontecer”. O cenário está em aberto. Até porque são apenas 7.30 da manhã. E ainda estamos a acordar, estrebuchados.