Esta noite, os mortos regressam à nossa dimensão. Dançam com os vivos. Lambuzam-se com as comidas preferidas e embriagam-se com tequila e mezcal. Na sua incorporalidade, chegam desde o inframundo, guiados pelo aroma das flores de cempasúchil, pelo fumo do copal e pela luz das velas dos altares e campas. Nos espelhos e nas fotografias reconhecem-se; nos objetos pessoais, materializam-se. Esta noite, a vida e a morte fundem-se num abraço nostálgico e espectral.
01.11.2023 | por Pedro Cardoso
Nos últimos tempos assistimos cada vez mais a um “des-branqueamento” (De-Whitening) do mundo não só da arte, mas da cultura em geral. Embora inteiramente desejável, este movimento nem sempre é acompanhado de conteúdos concretos. Se não ter um artista negro no painel de artistas representados tornou-se hoje quase “inaceitável” para uma galeria – talvez por falta de estratégia financeira, uma vez os artistas não brancos influenciam os valores do mercado de arte – nem sempre estas escolhas vão além de interesses económicos.
18.09.2023 | por Laura Burocco
Há 50 anos, a 11 de setembro de 1973, Pinochet chegava ao poder. Há 50 anos, Salvador Allende suicidava-se, barricado no Palácio de la Moneda, sob bombas e cercado de militares golpistas. Meio século depois, grandes e pequenas tragédias põem o Chile frente a um espelho-poliedro. Apontamentos de um país assaltado por revisionistas e negacionistas. A 50 anos do início de um longo terror, e com um governo de esquerda de novo no poder, o Chile não se encontra. Nem nas ruas, nem na memória, nem nas canções.
11.09.2023 | por Pedro Cardoso
Jason Francisco falou da sua experiência de percorrer os sítios com memórias judaicas em toda a Europa onde faz recolha de plantas. Por sua vez, Daniela Naomi Molnar reiterou o que Francisco dissera e evocou também a recolha de plantas dos sítios com passado pesado como materiais para usar com as cores nas suas pinturas. A apresentação da Marta Sala parece-me o mais pertinente da conversa, pois o seu caso pode provocar a contradição de “práticas não-invasivas”. Trata-se da plantação de uma árvore, ou seja intervenção física, que é, ao mesmo tempo, verde.
18.07.2023 | por Cheong Kin Man
O IV Encontro de Cultura Visual: Reparações, organizado por Ana Cristina Pereira (aka Kitty Furtado) e Inês Beleza Barreiros, coordenadoras do Grupo de Cultura Visual da SOPCOM – Associação Portuguesa para as Ciências da Comunicação, terá lugar nos dias 23 e 24 de Junho, na mala voadora, no Porto. Este encontro, que terá uma conferência inaugural da politóloga, historiadora e ativista Françoise Vergès, “Imaginando um pós-museu”, juntará investigadores, artistas e ativistas para juntes pensarem o projeto de reparação do mundo estilhaçado em que vivemos como um programa de “contravisualidade”.
19.06.2023 | por várias
Onde tudo definhava já, o amarelo seco tornou-se num verde triunfante. As chuvas fustigam os milheirais em Nguer Malal, enquanto um chauffeur zeloso evita as crateras da estrada mal cuidada. Fico impaciente nos bancos de trás.
Louga, terre des modou modou.
Aviso: não me digas o que pensar! Ainda menos com o sufoco do ar húmido e quente.
No Cavaleiro e a Sombra de Boris Diop, Khadija, a mulher corajosa, desaparecida há oito anos, manda missiva a Lat Sukabé. Lat tem pinta de otário excessivamente romântico e deixa tudo porque a morta afinal não está morta.
Kebemer, a terra de Wade.
Ngaye, a terra de todas as sandálias.
19.06.2023 | por Ricardo Falcão
Estas imagens mimetizam a "negrita" da marca, à excepção de que Gisela e ROD nos olham de frente e não se mostram de perfil. Tornam-se, de repente, um objeto para os/as brancos/as observarem (Kilomba), mas agora causam desconforto, da mesma forma que ser servida uma chávena de café desta marca por uma mulher negra me causa mal estar. Numa loja de recuerdos de um museu fictício, onde nenhum dos objetos pode ser comprado, Gisela Casimiro e ROD nomeiam o seu trabalho Priceless, trocando a língua colonial pela língua imperial, a língua em que se faz comércio global e se tomam decisões políticas. Ambos se apropriam desta língua para dizerem, em última análise: "é assim que nos representam e não é esta a representação que queremos”.
15.06.2023 | por Laura Falésia
Para que serve a solidão? Porque se torna ameaçadora? Como podemos usufruir da nossa solidão num mundo que se tornou mais veloz do que nunca? Atlas da Solidão aborda um tema crucial para o entendimento da contemporaneidade e convoca uma reflexão sobre múltiplas dimensões da solidão, positivas e negativas, num programa interdisciplinar que procura abordar o tema dos pontos de vista teórico, simbólico e prático. O programa — que inclui conversas, um concerto, uma oficina para adolescentes, um curso online, performances, dança e uma exposição — concentra-se na Appleton Associação Cultural, em Lisboa, até dia 29 de abril, que se torna numa plataforma de encontro entre o público e os intervenientes do projeto.
04.04.2023 | por Marta Rema
Desde os anos 2000, uma nova geração de artistas indígenas no Brasil passou a produzir e expor seus trabalhos fora de seu território, estabelecendo um novo olhar que, além de abrir cada vez mais caminhos no mundo das artes, representa um convite - e um presente que nos é dado - para experimentar outras visões de mundo. Se ninguém está nu na floresta, o olhar ocidental muitas vezes continua querendo buscar a nudez, a miséria, a tristeza que quase sempre ele mesmo produz.
23.02.2023 | por Laura Burocco
Por mais que a Nigéria diga que quer minimizar a importância da etnia na política nacional, a lealdade étnica persiste teimosamente e os três principais candidatos agora refletem as três maiores nacionalidades étnicas do país. A Nigéria, mais dividida e polarizada do que nunca, mostra suas fissuras na controvérsia sobre os candidatos presidenciais e a fé religiosa, na agitação separatista do neo-Biafra no sudeste e na retórica etnocentrica tóxica e preconceituosa comum nos media e nas redes sociais. Enquanto o poder normalmente alterna entre norte e sul e muçulmanos e cristãos, o PDP escolheu Atiku, um muçulmano do norte, APC Tinubu, um muçulmano do sul que lidera grupos religiosos para denunciar a percepção de marginalização dos cristãos. Wole Soyinka convidou os políticos a aproveitar a oportunidade para não exacerbar o debate, dada a atual peculiaridade da situação em que a sociedade nigeriana se encontra vivendo. Pode se referir a ameaças vindas de terroristas do Boko Haram, bandidos, separatistas, criminosos e uma miríade de gangues violentas.
23.02.2023 | por Laura Burocco
Em Angola, nos últimos dois anos e meio, surgiram vários projectos sociais, sem fins lucrativos, ligados à difusão do livro e da literatura no geral. Uma das componentes mais fortes nesses diversos projectos foi a criação de diversas bibliotecas comunitárias, em diferentes regiões do país, pelas mãos de jovens que se foram inspirando uns aos outros. Várias pessoas, em diferentes lugares, às vezes em simultâneo e outras não, foram dando asas à sua imaginação e dentro das suas comunidades criaram bibliotecas comunitárias que têm servido a um número significativo de pessoas, sobretudo crianças e jovens.
18.01.2023 | por Leopoldina Fekayamãle
Há uma longa história de autodeterminação dos povos originários dos países nórdicos europeus que, muitas vezes, escapa aos olhos mesmo daqueles que concentram o seu pensamento crítico em países longínquos. Em vez de definir um tema abrangente para a Bienal, os curadores decidiram guiar o próprio trabalho num processo de escuta e de aprendizagem do contexto local – com o qual ambos não são familiarizados, vindos do sul do país –, formulando quatro princípios para desenvolver a bienal: Pensamento Além da Fronteira (Beyond Border Thinking); Descentralização (Decentering); Imaginação da Terra (Earthed Imagination); Custódia (Custodianship).
12.01.2023 | por Laura Burocco
Ao visitarmos a mostra coletiva Europa Oxalá ficamos, precisamente, com uma ideia mais vívida e premente sobre o poder criativo, as questões, preposições e desafios da contemporaneidade europeia. A noção de Europa afigura-se tanto mais coincidente com a sua realidade, como com os desejos e memórias diversas que a compõem. Na sala expositiva da Fundação Calouste Gulbenkian, percorremos as 60 obras em linguagens como pintura, desenho, escultura, filme, fotografia e instalação, de artistas cujos nomes não são uma mera lista mas fonte de conhecimento sobre identidades, descolonização, xenofobia, racismo, processos migratórios de pessoas, mundos e arte.
27.12.2022 | por Marta Lança
Nesta exposição, a expansão da fotografia associa-se à expansão científica colonial que vê na fotografia a tecnologia adequada para visualizar, medir, classificar e arquivar os seus objetos de estudo de modo potencialmente infinito, num contexto de progressivo extrativismo. Partindo desta obsessão pela medição e classificação, mostra-se os modos como os territórios e os corpos das pessoas colonizadas foram visualmente apropriados durante as missões científicas de geodesia, geografia e antropologia, no período 1890-1975, e como se difundiram as narrativas da ciência colonial.
11.12.2022 | por vários
Se outros sistemas económicos e sociais caíram no passado, porque é que o capitalismo não pode acabar, mais tarde ou mais cedo? Porque não levantar essas questões, geralmente declaradas como "impossíveis" de resolver? Por vezes, pensamos nas organizações económico-políticas das sociedades como estruturas imutáveis, as formações guerrilheiras não o fizeram, mesmo quando tudo podia parecer perdido. Sonhando e praticando sonhos, as utopias tornam-se realidade.
23.11.2022 | por Francesco Biagi
Este amplo programa insere-se nos debates atuais sobre memória colonial, o racismo, e coloca em destaque as vozes artísticas negras, africanas e afrodescendentes em Portugal, de várias gerações. Inclui performances, exposições, filmes, debates, literatura, música, workshops e ações socioeducativas, culminando na peça “Aurora Negra”.
14.10.2022 | por vários
Com a missão de promover o conhecimento e a fruição cultural através do cinema e da imagem em movimento, o Batalha inclui no seu programa ciclos temáticos, retrospetivas e focos em práticas contemporâneas, bem como ligações entre o cinema e outras artes. Estimular a cinefilia e cultura fílmica através de projetos educativos, editoriais, formativos e de debate está no centro da atividade da nova instituição.
04.10.2022 | por vários
Esta série dá continuidade às indagações que singularizam a obra de Chagas, nomeadamente a atenção às relações vivenciais e afetivas que os sujeitos estabelecem com objetos e espaços quotidianos, contrariando rápidos ritmos de consumo através de um olhar desacelerado que perscruta em proximidade matérias, formas e texturas descartadas. Contudo, a série marca simultaneamente uma espécie de viragem, na medida em que, ao contrário de séries anteriores realizadas em vários espaços públicos urbanos a Norte e a Sul, vagamente identificados (as ruas e praias de Luanda, Veneza, Londres e Newport, etc.), nesta série, pela primeira vez, o fotógrafo concentrou-se nos espaços interiores e exteriores de uma arquitetura específica.
29.09.2022 | por Ana Balona de Oliveira
Acabamos por sair do souk sem encontrar os vendedores de arte, para umas ruas interiores diferentes do resto da cidade, onde percebo que se trata da antiga Medina, zona destruída pelo “nosso” terramoto de 1755 e reconstruída logo depois. Com os seus prédios baixos, contrasta com a Casablanca das grandes avenidas e prédios imponentes. As ruas labirínticas inspiram a familiaridade agradável dos bairros populares. Seguindo os cursos mais naturais afastamo-nos do mercado e do objetivo.
27.09.2022 | por Ricardo Falcão
“Margens Atlânticas” nasce em Lisboa, do encontro entre Francisco Vidal, artista angolano-cabo-verdiano que explora as identidades africanas e diaspóricas, e Ariel de Bigault, autora e realizadora francesa cujos filmes focam culturas africanas, afro-lusófonas, afro-brasileiras e afro-europeias. Para além da exposição no Espaço Espelho D’Água, tem lugar na Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, um ciclo com quase todos os filmes de Ariel de Bigault, entre 19 e 24 de setembro.
22.09.2022 | por Francisco Vidal e Ariel de Bigault