Yonamine, de Luanda para o mundo

Corria 1975, o ano da independência e do atribulado processo de descolonização, quando Yonamine nascia em Luanda. Depois de deambulações pelo Zaire, temporadas no Brasil e em Inglaterra, regressaria à sua cidade natal, onde o seu potencial criativo foi despertando para a arte. Actualmente vive e trabalha entre Lisboa e Luanda, com permanências diversas enquanto artista-viajante numa espécie de terra de ninguém, para onde confluem a visão artística daqueles com quem se vai cruzando e as suas referências sensíveis e gestos de localidades reais. 

Yonamine, 2011. Montagem instalação open studio Cité Internationale des Arts, Paris, França. Yonamine, 2011. Montagem instalação open studio Cité Internationale des Arts, Paris, França.

A formação artística de Yonamine foi impulsionada a partir da Primeira Trienal de Luanda, onde participou em diversos workshops, exposições colectivas e seminários. Era o início de uma epopeia de mostras, bienais, trienais e residências artísticas. Seguir-se-iam o Brasil, Cuba, Bienal de Veneza, Bienal de Sharjah, nos Emiratos Árabes Unidos, Espanha, Nova Iorque, Austrália e tantos outros destinos. Sem tempo para digerir o que lhe estava a acontecer, pela urgência com que estes artistas têm sido ultimamente requisitados para mostrar a nova arte angolana (vendo-se bem como a cultura anda a reboque da economia) e, juntamente com o seu mérito criativo, as oportunidades foram-se sucedendo. Nos últimos anos, somam-se curiosidades pelas suas opiniões sobre a cidade, o seu país, a metodologia do trabalho, valoriza-se as ironias das propostas, as obras são crescentemente requisitadas por galeristas e para os estudos pós-coloniais.

As suas telas rasuradas, as instalações e vídeos onde despontam algumas referências, e a mestria nas técnicas de sobreposição, consolidaram, com ousadia, uma obra mutante, cujo talento e linguagem contemporânea ajudaram a galgar terreno no universo da arte contemporânea. Pintura, desenho, gravura, graffiti, fotografia, vídeo e instalação, a conjugação de registos e de linguagens múltiplas é característica do trabalho de Yonamine, numa procura incessante de expressão. 

Yonamine, 2011. Detalhe instalação open studio Cité Internationale des Arts, Paris, França.Yonamine, 2011. Detalhe instalação open studio Cité Internationale des Arts, Paris, França.Os primórdios da sua carreira foram as artes gráficas, tendo feito t-shirts, logos e flyers. Familiarizado com este tipo de interacção imediata, cultivou o gosto por transmitir e provocar interrogações numa espécie de grande ecrã visível para todos. A pintura surgia assim como um veículo de expressão para entender a sociedade, sendo Angola um país pleno de situações criativas a olho nu e Luanda, do musseque à Cidade Alta, percorrida por uma forte energia criativa.

Considerando a cultura tradicional angolana rica em elementos originais, com destaque para a cultura Lunda-Tchokwé, Yonamine faz uso de símbolos étnicos, menos como blasfémia do que provocação e até identificação. A desconstrução dos estereótipos africanos, o diálogo com a arte ocidental numa transculturação que se apropria e recicla essas tradições, são características da arte contemporânea africana desde os anos 1990. Mas esta nova geração de artistas trouxe também o momento da euforia angolana, debatendo-se com a forte presença internacional, o despontar do interesse do mercado e uma responsabilidade política em dar a ver o contexto local. Eventos como a Trienal de Luanda incentivaram os artistas angolanos a mostrar outros caminhos, dinamizar a cultura e contribuíram para a sua profissionalização. Não podendo contar com um instituto das artes ou centro de arte contemporânea, nem estabelecido um ensino formal artístico, o público e os criadores foram-se apercebendo destas novas linguagens e do circuito internacional e reclamam um lugar de relevo para as novas gerações de criadores.

A forma de trabalhar de Yonamine é muito espontânea: pensa em imagens ou objectos, fotografias velhas, maços de cigarros, texturas curiosas e segue-lhes o rasto para criar e subverter certas utilizações e dar-lhes novas leituras semióticas, reinventando os fragmentos de memórias outras num registo de inteligibilidade composta. O conflito e a imprevisibilidade pululam na sua obra e é esse lado inclassificável que inquieta, no bom sentido, quem a observa. Sente-se imediatamente a urgência e a vida que a mesma pede,  e isso virá em grande medida da vivência em Angola, e da distância da diáspora.  

 

texto parcialmente publicado na revista Austral

por Marta Lança
Cara a cara | 19 Março 2012 | artistas angolanos, Trienal de Luanda, yonamine