Yonamine, de Luanda para o mundo
Corria 1975, o ano da independência e do atribulado processo de descolonização, quando Yonamine nascia em Luanda. Depois de deambulações pelo Zaire, temporadas no Brasil e em Inglaterra, regressaria à sua cidade natal, onde o seu potencial criativo foi despertando para a arte. Actualmente vive e trabalha entre Lisboa e Luanda, com permanências diversas enquanto artista-viajante numa espécie de terra de ninguém, para onde confluem a visão artística daqueles com quem se vai cruzando e as suas referências sensíveis e gestos de localidades reais.
A formação artística de Yonamine foi impulsionada a partir da Primeira Trienal de Luanda, onde participou em diversos workshops, exposições colectivas e seminários. Era o início de uma epopeia de mostras, bienais, trienais e residências artísticas. Seguir-se-iam o Brasil, Cuba, Bienal de Veneza, Bienal de Sharjah, nos Emiratos Árabes Unidos, Espanha, Nova Iorque, Austrália e tantos outros destinos. Sem tempo para digerir o que lhe estava a acontecer, pela urgência com que estes artistas têm sido ultimamente requisitados para mostrar a nova arte angolana (vendo-se bem como a cultura anda a reboque da economia) e, juntamente com o seu mérito criativo, as oportunidades foram-se sucedendo. Nos últimos anos, somam-se curiosidades pelas suas opiniões sobre a cidade, o seu país, a metodologia do trabalho, valoriza-se as ironias das propostas, as obras são crescentemente requisitadas por galeristas e para os estudos pós-coloniais.
As suas telas rasuradas, as instalações e vídeos onde despontam algumas referências, e a mestria nas técnicas de sobreposição, consolidaram, com ousadia, uma obra mutante, cujo talento e linguagem contemporânea ajudaram a galgar terreno no universo da arte contemporânea. Pintura, desenho, gravura, graffiti, fotografia, vídeo e instalação, a conjugação de registos e de linguagens múltiplas é característica do trabalho de Yonamine, numa procura incessante de expressão.
Os primórdios da sua carreira foram as artes gráficas, tendo feito t-shirts, logos e flyers. Familiarizado com este tipo de interacção imediata, cultivou o gosto por transmitir e provocar interrogações numa espécie de grande ecrã visível para todos. A pintura surgia assim como um veículo de expressão para entender a sociedade, sendo Angola um país pleno de situações criativas a olho nu e Luanda, do musseque à Cidade Alta, percorrida por uma forte energia criativa.
Considerando a cultura tradicional angolana rica em elementos originais, com destaque para a cultura Lunda-Tchokwé, Yonamine faz uso de símbolos étnicos, menos como blasfémia do que provocação e até identificação. A desconstrução dos estereótipos africanos, o diálogo com a arte ocidental numa transculturação que se apropria e recicla essas tradições, são características da arte contemporânea africana desde os anos 1990. Mas esta nova geração de artistas trouxe também o momento da euforia angolana, debatendo-se com a forte presença internacional, o despontar do interesse do mercado e uma responsabilidade política em dar a ver o contexto local. Eventos como a Trienal de Luanda incentivaram os artistas angolanos a mostrar outros caminhos, dinamizar a cultura e contribuíram para a sua profissionalização. Não podendo contar com um instituto das artes ou centro de arte contemporânea, nem estabelecido um ensino formal artístico, o público e os criadores foram-se apercebendo destas novas linguagens e do circuito internacional e reclamam um lugar de relevo para as novas gerações de criadores.
A forma de trabalhar de Yonamine é muito espontânea: pensa em imagens ou objectos, fotografias velhas, maços de cigarros, texturas curiosas e segue-lhes o rasto para criar e subverter certas utilizações e dar-lhes novas leituras semióticas, reinventando os fragmentos de memórias outras num registo de inteligibilidade composta. O conflito e a imprevisibilidade pululam na sua obra e é esse lado inclassificável que inquieta, no bom sentido, quem a observa. Sente-se imediatamente a urgência e a vida que a mesma pede, e isso virá em grande medida da vivência em Angola, e da distância da diáspora.
texto parcialmente publicado na revista Austral