Narrativa não linear, pensamento tentacular - Metabolic Rifts II
Boaventura Sousa Santos apela ao combate à exclusão e a um pensamento pós-abissal, a investigadora espanhola Maria Iñigo Clavo problematiza processos curatoriais no Brasil e Vivian Ziherl discute a genealogia da articulação entre as categorias do “natural” e a produção de mais-valia. O encontro decorreu no Porto e a intervenção militar no pós-carnaval do Rio deu azo a conspirações geopolíticas. Donna Haraway, com a convivência inter-espécie ao fundo, conseguiu ainda espantar-nos pelo seu talento narrativo.
Implicado, aberto e dialógico
Reconhecendo na cidade do Porto a oportunidade de fazer uma programação regular e entusiasmante entre pensamento crítico e arte - áreas de recíproca contaminação -, as curadoras Alexandra Balona e Sofia Lemos criaram a estrutura PROSPECTIONS for Art, Education and Knowledge Production [PROSPECÇÕES para Arte, Educação e Produção de Conhecimento]. Foi através desta que ganharam apoio do programa Criatório com o projeto METABOLIC RIFTS, uma série interdisciplinar onde investigadores e criadores mobilizam teoria e prática para uma discussão coletiva.
Num encontro que se deseja “implicado, aberto e dialógico”, os postulados são ambiciosos. Elenquemos alguns. O de “refletir sobre os efeitos da ação humana no ambiente global” e sobre o rastilho do Antropoceno. Ou o de “examinar narrativas e contendas sobre as origens e ficções do sujeito” (lê-se no site do programa). O título Metabolic Rifts é inspirado na noção de ruptura metabólica, usada sobretudo na crítica ambiental, exponenciando a leitura marxista de uma desequilibrada interação metabólica entre a humanidade e a restante natureza. Essa fractura seria consequente de um capitalismo voraz e “irreparável no processo interdependente do metabolismo social”. As organizadoras recuperaram o termo para o trazer à complexidade de questões históricas e práticas, ambientais e não só, dos nossos dias. Assim, cada assembleia problematiza “vestígios de narrativas modernas”: as bases fundadoras de topologias de conhecimentos e “emergências latentes”, incentivando à partilha de práticas e discursos transversais à curadoria, criação e discursos críticos.
Conforme o programa, a primeira assembleia, com Ana Vujanović, Ana Teixeira Pinto, Nikita Dhawan e Brenna Bhandar, deu-se em outubro, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, e prescrutou “assimetrias basilares ligadas ao direito de propriedade, direitos humanos, economia ambiental, bem como sobre processos de singularidade e do comum”. No segundo encontro, decorrido a 18 de fevereiro no Teatro Rivoli, os convidados Boaventura Sousa Santos, Maria Iñigo Clavo e Vivian Ziherl foram desafiados a interrogar “morfologias do conhecimento, sistemas de colonização epistémica e de governança capitalista, bem como as presentes condições de delimitação política e corporativa que condicionam práticas curatoriais contemporâneas.”
No seu conjunto, o programa (que se pode acompanhar no site do evento) está muito bem desenhado e completo, sendo plural nas vozes e complementar nas temáticas. Com a capacidade de não ser previsível na escolha dos oradores, possibilita ao público comum, e até ao especializado, a descoberta de novas propostas para pensar.
Curadoria da teoria
A reflexão teórica tem sido crescentemente convocada para programas públicos de instituições artísticas, e em grande medida no âmbito da curadoria. Se a ação polissémica da curadoria, por um lado, pode vir a reboque de agendas políticas, modismos ou de flutuações de mercado (manifestando por vezes uma certa superficialidade ao pretender discutir tudo e nada), por outro, potencia discursos e visualidades que agarram sentidos e urgências que escaparão à produção académica. Não deixando de ser refém de interesses e de instituições, inscreve-se, a pretexto da arte e exponenciando o seu alcance, numa forma de observar e de atuar no mundo. Assim, a esta assembleia foram caros projetos que “investigam uma noção de curadoria produtora e implicada na descolonização do conhecimento”, num determinado tempo e espaço. É sabido que, em quantidade e grau de influência, é inquestionável a hegemonia europeia e/ou ocidental na produção de discurso analítico e na História de Arte canónica, à qual se pode contrapor a produção de conhecimento contextual e posicional, no intuito de descentrar a reflexão crítica e suas apropriações.
O objetivo de fundo desta sessão era o de “criar campos de tensão, deslocando estruturas e construções de poder que fundaram narrativas civilizacionais”, como se pode ler no texto de apresentação. Alguns pontos do trabalho foram: processos como despossessão nas economias pós-coloniais, a privatização do comum, a desregulação ambiental e corporativa, dissonante das respostas urgentes às alterações climáticas e problemas de sobrevivência que temos em mãos, assim como o agudizar de todo o tipo de desigualdades. Tenta-se clarear a linha que separa a “vida da não vida, enraizada em histórias de escravatura, colonialismo e opressão de género”, pois as relações de domínio e de exploração do mundo de hoje estabelecem linhas de continuidade com formas de segregação capitalista de outros tempos, nomeadamente as relacionadas com a política colonial. Partindo-se, assim, de uma constatação de que grande parte de uma humanidade excluída viveu e vive subordinada a determinadas lógicas de opressão cultural e económica, discute-se uma cidadania que se pretende global. Isto é, em direção a uma humanidade verdadeiramente universal.
Com referências e interesses particulares, conseguimos encontrar pontos de interseção entre as apresentações, tendo em conta o consenso de que o fim do colonialismo político não significou o fim do colonialismo de mentalidades e que incluir a complexidade e heterogeneidade do mundo e modos de o conhecer, excluídos pelas diversas configurações coloniais, faz parte de uma postura “descolonial”. Isso implicaria o exercício de “desaprender”, e o de desconstruir valores modernos e estéticos, agregados a certos discursos e produções ditos ocidentais, reposicionando histórias locais e modos de pensar.
11ª tese de Marx: entender o mundo, transformar o mundo
Boaventura Sousa Santos (BSS), Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e da Universidade de Wisconsin-Madison, começou por manifestar o seu entusiasmo com o trabalho de jovens curadores empenhados em mudar o cânone de arte, na sequência de experiências em Barcelona, Paris e, agora, no Porto. Lembrou a consolidação das ciências socias, simultânea ao agravar de problemas sociais e desafios com o capitalismo do século XX. BSS assinalou como os artistas, no início desse mesmo século, viviam mergulhados na atmosfera do seu tempo, no qual eram ensaiados modelos de transformação social e se projectavam sociedades futuras. Hoje, à falta desses modelos e de paradigmas de transformação social, e numa sociedade neoliberal “de individualistas e de empreendedores”, onde as próprias mudanças políticas (seja na África do Sul ou no Brasil) afetam mais as mercadorias do que os cidadãos, precisamos, segundo o Professor, de nova compreensão do mundo antes de o transformar. Neste tempo de monstros (“o velho mundo está morrendo, e o novo mundo luta para nascer: agora é o tempo dos monstros”, Gramsci dixit) - de exaustão política do oeste/norte global, da guerra, fascismo, racismo, patriarcado e heterosexismo -, interessa valorizar as alternativas e resistências do Sul Global.
Numa incursão às epistemologias do sul, conceito que defende desde 19951, explicou que estas se referem a processos que validam precisamente o conhecimento produzido pela resistência dos excluídos à discriminação sofrida em várias frentes (sendo que a dominação funciona em conjunto aliando capitalismo a colonialismo e machismo). As epistemologias em causa provêm assim de um sul símbolo de opressão e de resistência ao aniquilamento cultural, económico e político promovido pelo norte.
Para BSS não existe “um mundo”, mas sim duas sociedades que mutuamente se ignoram: a metropolitana, dos direitos humanos, com uma “sociedade civil” e alguns princípios; e uma outra colonial, dos sub-humanos, muito marcada pelo povo negro (a expressão black lives matters resumiria toda esta posição subhumana e uma recusa à mesma). O pensamento moderno ocidental seria um pensamento abissal, atuando enquanto sistema de distinções visíveis e invisíveis, estabelecidas por meio de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o “deste lado da linha”, correspondente a essa sociedade metropolitana, e o “do outro lado da linha”, colonial. A divisão é tal que quem está “no outro lado da linha” torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente, ou excluído, porque exterior ao universo que a própria concepção de inclusão considera como o “outro”. “A característica fundamental do pensamento abissal é esta impossibilidade da co-presença dos dois lados da linha.”
A sociedade abissal não é determinada pelo lugar mas pelas exclusões implícitas, e BSS nomeia alguns exemplos: o casa de Guantânamo, ou a situação de um magrebino na Europa que, imaginemos, tenha um trabalho idêntico a um inglês, será sempre mais vulnerável a ser preso. Ou ainda os números obscenos de jovens negros assassinados na periferia do Rio de Janeiro. Ou ainda o facto das fronteiras estarem em mudança (por exemplo, a recente porta de entrada para os EUA que é a Costa Rica). Ou o movimento de encolher do mundo ocidental versus a expansão do mundo não-ocidental.
BSS aflorou ainda algumas das suas premissas, como a sociologia das ausências e o negacionismo desta realidade, a sociologia das emergências e a ecologia dos saberes. A inovação residirá em grande parte na “sociedade colonial”. Exemplo das lições sobre o futuro que os indígenas nos têm dado, como a defesa dos direitos da natureza e da Patcha Mama no Tribunal de Quito. Referindo a elevada taxa de agrotóxicos no Brasil e os interesses da empresa Monsanto, lembrou a relevância e atualidade das epistemologias e práticas indígenas, que sempre souberam que a terra tem de descansar para ser fértil, contrariamente ao extrativismo capitalista que, para seu proveito, usa a terra até à exaustão. Lembrou como esses saberes dos outros têm sido desprezados (“na nossa cultura, o que está mais perto da natureza é considerado inferior”, disse o Professor). Comentou as diferentes prioridades, concepções e perspetivas culturais (entre indivíduo e comunidade, nomeadamente culturas que priorizam os direitos, outras os deveres), como os atuais problemas de tradução cultural (mártires para uns - dever de matar -, terroristas para outros).
Debates que se cruzam
Muito do pensamento de Boaventura Sousa Santos comunica com debates contemporâneos tais como a fuga e o confim (Mezzadra), a biopolítica (Foucault) e a necropolítica e o devir-negro (Mbembe), a crítica à modernidade ocidental e o antropoceno (Latour, Descola), as teorias descoloniais (Mignolo). Todos assinam a preocupante desvalorização do princípio de igualdade e a fragmentação da cidadania, ou seja, uma cada vez mais evidente “elitização” da humanidade e do “direito à vida” pois, como afirmou BSS no Porto, “o universal é muito exclusivo”. Para Mbembe, autor com tantas aproximações, no recente Políticas da Inimizade (Antígona, 2017), as características do nosso tempo seriam o estreitamento do mundo e repovoamento da Terra pela mudança demográfica que opera sobretudo a Sul, o desenraizamento geográfico e cultural, forçado ou voluntário, desde o colonialismo e escravatura às migrações; a redefinição do humano no quadro de uma ecologia geral e de uma geografia mais alargada, esférica, irreversivelmente planetária; a introdução generalizada de ferramentas e de máquinas em todas as vertentes da vida social; a articulação entre a capacidade de alterar voluntariamente a espécie humana e o poder do capital.
É um pouco neste quadro que as epistemologias do sul podem configurar uma operativa mudança de paradigma. Porém, não basta valorizar esses saberes. É preciso atuar a uma escala maior, a nível económico, social e ambiental, defendendo aquilo que nos é comum – a Terra – num mundo sem fronteiras e de pensamento nómada. Ainda, de acordo com Mbembe, “o pensamento que vem será, necessariamente, um pensamento de passagem, de travessia e de circulação. Será um pensamento da vida que flui; da vida que passa e que tentamos traduzir em acontecimento. (…) Para articular tal pensamento, é preciso reconhecer que a Europa, que tanto deu ao mundo e que tanto ganhou em contrapartida, e muitas vezes pela força e pela astúcia, já não é o seu centro de gravidade”. Se a Europa confundiu a sua história com a do resto do mundo, precisamos agora de reconhecer uma verdadeira epistemodiversidade, a língua terrestre “enraizada nos paradoxos do corpo, da carne, da pele e dos nervos”, um corpo novo de uma comunidade nova.
O que pode a arte?
A estas ideias gerais na defesa das epistemologias do sul, seguiu-se uma formulação interrogativa um tanto romântica: “pode a arte salvar?” BSS vê no artista uma figura capacitada para vislumbrar ambos os lados da sociedade abissal e, entre eles, os aspetos “de fronteira”. O Professor não coloca, contudo, muita expetativas na arte das instituições concebidas pela sociedade metropolitana (e os seus museus que selecionam por relevância e cujos acervos, não raro, constituem-se por espoliação), embora acredite que a arte poderá “exceder” ou superar as instituições.
A arte tem sido abissal mas consegue ser pós-abissal, atuando nas lutas contra as exclusões. E para tal menciona o papel interessante dos museus da favela como o Museu da Maré ou a street art, pois, nestes exemplos, não se trata apenas de consumo, representam o o seu próprio mundo, não são certificados pela sociedade metropolitana mas pelas suas próprias comunidades. Lembrou também o papel do filme de Montecorvo, Batalha de Argel (1966), quando ninguém olhava para o Islão. Ou a força antagonista do grupo de Carnaval Tuiuti que este ano desfilou no Rio aludindo à escravatura de ontem e ao racismo de hoje, e do rap de Kendrik Lamar. Reconheceu também o processo de desconstruir o palimpsesto que são os museus e as recentes formas artísticas de trabalhar os arquivos. A “arte pode fazer algo que nós não fazemos – maximizar o medo e a esperança”, rematou, eloquente.
Na sessão de comentários e perguntas, BSS explicou melhor algumas referências às epistemologias indígenas, de como o capitalismo perdeu o medo com a queda do muro de Berlim e o regresso dos fascismos, espiritualidade e religião (imanente e emanente), as linhas abissais produzidas pela educação, despotismo, a força da solidariedade radical e do encontro, e o que é a democracia liberal. Assumindo-se ainda marxista, BSS confessa que, se reduzidas à universidade ou escritório, as epistemologias do sul parecerão mais epistemologias do norte. “Nós, os ativistas não podemos ser cínicos”, engajando-se com os movimentos sociais e conflitos acessos como a crise brasileira. A situação do Brasil foi, aliás, muito comentada pela necessidade de defender a democracia e a luta contra uma tão presente estrutura colonial e racista, na qual o governo militar que vai ganhando terreno será um sinal de alerta. Referiu-se que o racismo insidioso que se vive em Portugal também exige um combate diário de todos nós.
Opacidade e valor
Na proposta de dar a conhecer pontos de vista e investigações em processo, Maria Iñigo Clavo, curadora e professora da Universidade Aberta da Catalunha, de quem já publicámos o brilhante ensaio “Modernidades vs Epistemodiversidade”, levou ao Porto um conjunto de ideias para um possível livro. A sua apresentação, intitulada “A nossa metolodogia é o nosso agenciamento: notas sobre a descolonização do conhecimento através do curatorial”, tenta averiguar como tem sido o conhecimento lido pela grelha ocidental e como essa procura se articula com projetos culturais que “pretendem renarrar a história a partir de posicionamentos teóricos pós-coloniais”.
O seus casos de estudo foram algumas exposições no Brasil sobre a identidade indígena, num momento de sobrerepresentação destes grupos de população brasileira. Falou de Histórias Mestiças, A mão do Povo Brasileiro, a 32ª Bienal de São Paulo e Dja Guata Porã.
Trazendo à reflexão algumas questões suscitadas pela teoria descolonial e a tradição de museus europeus, com as suas coleções coloniais, um dos argumentos foi de que as exposições contemporâneas deveriam mostrar os próprios conflitos, complexos e irresolúveis, no que toca a questões de representação, cidadania e direito. Em rigor, será possível descolonizar pontos de vista e traduzir culturas? Ou será mais interessante o gesto que assume uma certa impossibilidade de tradução para a nossa cultura? Várias incompatibilidades vão surgindo como o ponto de partida sincrónico da história de arte e o diacrónico de não ocidental. Como mostrar esse contraponto epistemológico e representar com outros padrões (“O nosso método é a nossa agência”)?
Clavo tem refletido sobre como pode a arte contribuir para a aprendizagem da diversidade epistemológica e de vivências no mundo sem outricizar tudo o que não seja o padrão dominante. Sugere que talvez se necessite abrandar o processo de padronizar, uma vez que todo o conhecimento ocidental tem sido uma forma de possuir, de manter uma fantasia de controlo. Como a própria autora escrevera no referido ensaio, a propósito da desestabilização de categorias e fronteiras disciplinares que o perspetivismo ameríndio (muito através do trabalho do antropólogo Viveiros de Castro) tem introduzido: “Do ponto de vista do perspectivismo amazónico e, contrariamente às nossas ciências, saber não é objetivar mas antes o oposto: consiste em incorporar, i.e., subjetivizando, porque implica tomar o ponto de vista da tal coisa que é necessário saber. Consequentemente, o objeto de estudo torna-se um sujeito de enunciação, o que implica conceder-lhe o estatuto de interlocutor e portanto agenciá-lo.”
Entre o Leão o Oceano Azul
Aprofundando o trabalho de perspetivação indiciado pelos dois oradores anteriores, a curadora, crítica e doutoranda em Estudos de Curadoria na Universidade Monash Vivian Ziherl apresentou uma genealogia da Lei Natural, ancorada nas declarações de facto dos grandes teóricos da soberania territorial moderna, Jean Bodin e Hugo Grotius. Essas declarações seriam, por sua vez, legitimadas (e legitimadoras) dos impérios mercantis holandês e português. Ziherl criou o Frontier Imaginaries, uma multi-plataforma de exposições e de investigação sediada em Amesterdão que explora a condição da fronteira na era da globalização. Na sua apresentação, intitulada “760 anos de Natural: Entre o Leão o Oceano Azul”, começou por estabelecer paralelos de conceitos apresentados por Boaventura, nomeadamente a própria fronteira como linha abissal. Partindo do ensaio “The Fourtfold Articulation,” a curadora propõe uma cristalografia da forma moderna de valor, a matriz que legisla o corpo social do homem (homo economicus) e os seus desperdícios, reavaliando a localização temporal e territorial da acumulação primitiva, e as tensões das categorias como natural / a fêmea / o racial / o a priori. Dissertando sobre estas relações, a sua intervenções foi marcadamente de releitura historiográfica em diálogo com a sua intervenção curatorial ,“Trade Markings”, a ter lugar em breve no Van Abbemuseum, em Eindhoven.
Orientada pela jurista marxista Denise Ferreira da Silva (de quem se pode ler, no BUALA, o ensaio “1 (vida) ÷ 0 (negritude) = ∞ − ∞ ou ∞ / ∞: sobre a matéria além da equação de valor”) e pela antropóloga e cineasta Elizabeth Povinelli, o projeto de Ziherl, agora na sua terceira edição, propõe uma leitura da restruturação económica a partir da dívida. Apontando para a resistência provinda de movimentos sociais aborígenes na Austrália e do apartheid palestiniano, Ziherl enfatizou a transitividade das ferramentas retóricas entre contextos e colaboradores (artistas, designers, teóricos e arquitéctos) de Frontier Imaginaries, num dialogismo participativo entre os campos sociais e económicos neoliberais.
]
O programa encerrou com o visionamento de Donna Haraway: Storytelling for Earthly Survival (2016) do belga Fabrizio Terranova que faz um curioso e fantástico retrato intelectual da autora do Cyborg Manifesto (1984). No encerramento, as organizadores abordaram a “tentacularidade do pensamento,” e a necessidade de criar ligações rizomáticas entre saberes, campos disciplinares e práticas artísticas. De acordo com as mesmas, METABOLIC RIFTS foi concebido como uma narrativa não linear e, concretamente, porosa ou tentacular. Na introdução do filme encerraram a assembleia com as seguintes palavras: “Tais formas narrativas apelam a uma forma de pensar-agir ‘tentacular,’ do latim tentaculum, significando “sentir,” e tentare, ou “testar,” proposta por Donna Haraway como metodologia para articular e expandir a contemporaneidade, tanto nas suas raízes, como nas suas rotas futuras. Um ciclo de pensamento que se apresente abrangente deve ser também descentralizado, apelando a uma atuação múltipla e multifacetada.”
- 1. Uma epistemologia do Sul assenta em três orientações: aprender que existe o Sul; aprender a ir para o Sul; aprender a partir do Sul e com o Sul Boaventura de Sousa Santos (1995), Toward a New Common Sense: Law, Science and Politics in the Par (…) Maria Paula Meneses, « Epistemologias do Sul », Revista Crítica de Ciências Sociais, 80 | 2008, 5-10.